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quarta-feira, 14 de setembro de 2011

João Maurício Adeodato - Ética e Retórica: Para uma Teoria da Dogmática Jurídica.

Texo extraído da obra "Ética e Retórica: para uma teoria da dogmática jurídica", do Prof. Dr. João Maurício Adeodato,  Professor do curso de Direito da UFPE:

"No mesmo intuito de sugerir uma ciência dogmática do direito menos arbitrária e, em consequência, mais legítima no desempenho de suas funções sociais, examinem-se agora os problemas com que se defronta o ensino jurídico de maneira geral e, mais especificamente, algumas falhas evidentes no caso brasileiro. Isso será observado sobe dois pontos de vista genéricos: a autoridade dogmática do professor, em parte provocada pela própria estrutura de uma ciência dogmática do direito, e o estilo de aulas-conferência, particularmente útil no contexto social de nosso país.

A autoridade dogmática do professor: o fato de as questões jurídicas não serem suscetíveis de demonstração estritamente objetiva, impossibilitando a intuição puramente intelectual de uma solução concreta tão inatacável como o eventual dogma em que se baseia, faz com que o aluno se veja perplexo diante de múltiplas interpretações igualmente possíveis para uma mesma situação real. Ao ser transferida da realidade para o plano dogmático, no qual o aluno não se sente à vontade diante das técnicas interpretativas, a discussão do problema passa a um nível teórico em que a autoridade de quem argumenta se torna mais importante que o argumento mesmo. Quando percebe que várias soluções são possíveis, mas não toda e qualquer solução, o estudante tende a acatar a "opinião" do professor ou de juristas que lhe parecem reconhecidamente competentes sem repensá-las, embotando a criatividade que lhe será essencial na experiência profissional, quando precisa descobrir seus próprios caminhos e concretizar, na solução que apresenta, a abstração levada a efeito pela dogmática. Como a criatividade, entre outras coisas, é fundamental para que o procedimento dogmático se legitime no exercício de sua função solucionadora de conflitos e mantenha o controle de suas abstrações, a objetividade da prática jurídica se vê prejudicada pela imperícia e perplexidade de novos profissionais do direito. Um bom exemplo disso é o descrédito popular a respeito da idoneidade da advocacia como tal.

O estilo de aulas-conferência: em princípio, tendo em vista método pedagógicos mais modernos, as aulas-conferência impedem maior participação do aluno na discussão das questões e podem gerar uma apatia incompatível com o exercício das profissões jurídicas de modo geral, sendo em parte responsável pelo baixo índice de aprendizagem apresentado pelos bacharéis brasileiros recém-formados. O que interessa aqui é observar por que o estilo de aulas-conferência propiciou a proliferação dos cursos das chamadas ciências humanas, no Brasil, entre os quais o direito é dos mais "privilegiados". Vários são os motivos para isso.

Em primeiro lugar, a aula-conferência não necessita (pelo menos tal como é geralmente ministrada nas faculdades de direito) de pesquisas externas à sala de aula ou de instrumentos e laboratórios adequados, o que implicaria, como implica, custos operacionais que a maioria das instituições brasileiras não quer ou não tem condições de suportar. Além disso, no mesmo sentido, a aula-conferência pode atender um número muito maior de alunos, reunindo turmas gigantescas, impensáveis em outros cursos, o que fez incrementar a iniciativa privada para a abertura de novas faculdades e a comercialização de diplomas universitários sem controle de qualidade adequado. Por outro lado, o fato de recrutar docentes improvisados entre advogados, juízes e profissionais do direito em geral afasta a necessidade de currículo preparatório específico para professores, possibilitando também uma menor remuneração para o corpo docente, uma vez que seus integrantes possuem outras fontes de renda na profissão. Outro fator a incentivar essa estrutura de ensino é que os próprios estudantes se sentem "beneficiados" com as poucas exigências curriculares, já que muitos não dispõem de horário para pesquisa e outras atividades em tempo integral, ao mesmo temo que desejam mais o diploma universitário do que se tornarem profissionais do direito; apenas assistindo às aulas, quatro ou cinco horas por dia, cinco dias na semana, pode-se ser, ao menos formalmente, "bacharel em ciências jurídicas". Finalmente, em virtude da existência de maior número de vagas nas faculdades, é mais fácil ser aprovado no vestibular de direito e demais cursos de ciências humanas, geralmente, que em outros cursos; as questões propostas em forma de múltipla escolha, talvez satisfatórias para as ciências ditas exatas, têm-se revelado inadequadas em relação a disciplinas como História ou Língua Portuguesa.

Esses problemas, no Brasil, têm raízes muito profundas que escapam ao sistema universitário e até á dogmática jurídica. Mas sua solução, no plano da educação, certamente ajudará a superar ou diminuir o atual abismo entre dogmática e realidade. Infelizmente, a inoperância do pensamento dogmático não é exclusiva do direito brasileiro e parece estar ligada à própria estrutura e ao funcionamento da dogmática jurídica como tal, sendo necessário certo afrouxamento em seus postulados básicos ou mesmo a sua negação". (Págs. 155-157).

Referências:
ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.


João Maurício Adeodato

Doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela USP e Pós-doutor em Filosofia do Direito, na Alemanha.  Professor do curso de Direito da UFPE - Universidade Federal de Pernambuco.


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