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sexta-feira, 31 de outubro de 2014

O DIREITO COMO OBJETO DA JUSTIÇA: A VISÃO JUSNATURALISTA DE TOMÁS DE AQUINO

O Direito e a Justiça sempre foram questões discutidas nos diversos sistemas filosóficos e jurídicos ao longo da história. No século IX, como consequência do renascimento carolíngia, surgem várias escolas que cultivavam certo saber filosófico e teológico e que proporcionavam consideráveis debates jusnaturalisticos. Esse movimento intelectual produzido nas escolas e que uniu a filosofia e a teologia foi chamado de Escolástica e teve como maior expoente Tomás de Aquino (1225 – 1274). A escolástica pré-tomista ainda vivia direcionada ao movimento platônico-agostiniano e ocupava-se em discutir os problemas da época por um idealismo ontológico. No século XIII as questões filosóficas tomam outro rumo. Há uma tentativa de introduzir o aristotelismo, principalmente nas obras de Anselmo Magno (1193 ou 1206-7-1280), Bispo da Igreja Católica, filósofo, teólogo e professor do Doctor Angelicus. O quarto Concílio de Latrão combateu as heresias dos cátaros, principalmente em relação à origem do mal, e deslocou o centro de gravidade do problema para a questão histórico-ética, afirmando que o mal é um problema de ordem moral. Com essas discussões, Tomás de Aquino rompe com o idealismo ontológico platônico-agostiniano e, com o aristotelismo, direciona suas especulações para o âmbito do realismo moderado. Nesse contexto, a Justiça não é mais um fim, como um prêmio recebido após uma vida reta, justa e virtuosa, mas um meio. Ela não se encontra na Cidade de Deus de Agostinho de Hipona, mas na virtude aristotélica.

Para o aquinate, a justiça tem a finalidade de orientar e retificar as ações humanas. “Uma tal compreensão da justiça lhe confere o primeiro lugar na constelação das virtudes, reconhecendo-lhe a dignidade de uma finalidade ou de um valor último, ao qual se vincula o domínio das paixões como uma condição prévia e uma exigência constante”. (AQUINO, 2005, p. 43). Tomás de Aquino discute a justiça em volto a elementos essenciais para sua conjuntura, quais sejam: a alteridade das pessoas, o direito estrito e a verdadeira igualdade, suscetível de ser estabelecida segundo uma medida objetiva. Tais elementos formam o cerne do seu jusnaturalismo, que desemboca na justiça distributiva e na justiça comutativa, suas espécies.

O homem só pode alcançar a virtude da justiça na relação com o outro, pois “a justiça não tem a ver com um exercício do intelecto especulativo, puramente reflexivo; a justiça é, pelo contrário, um hábito, portanto, uma prática, que atribui a cada um o seu, à medida que cada um possui uma medida, e que nem todos são materialmente iguais”. (BITTAR, 2010, p. 245). Essa concepção de ´dar a cada um o seu´ é uma contribuição do direito romano. O que o aquinate faz é dizer qual a medida de cada um. Essa medida, se for na justiça comutativa, que é a responsável pelas relações particulares, terá uma projeção aritmética, numérica, onde cada um terá que ter medidas iguais, levando-se em consideração as igualdades e as desigualdades; se for na justiça distributiva, que tem a responsabilidade da coordenação do relacionamento da parte com todo, terá uma medida geométrica, distribuindo os bens e os cargos segundo o mérito, a capacidade e a participação dentro da sociedade.

 A virtude da justiça, que é a prática de dar a cada um  o que é seu na medida do seu mérito, alcança sua finalidade quando distribui os bens de forma proporcional e que atinja o meio termo. A virtude é o meio termo entre dois vícios. Esses vícios são os atos injustos. Caso atribua um mérito a mais a uma pessoa, o ato é injusto. Caso a atribuição meritocrática seja a menos, o ato também será injusto. Dessa forma, a justiça é “um meio (médium) entre extremos opostos, ao qual os gregos chamavam de mesotés, ou seja, a justa medida entre algo por excesso e outro algo por carência”. (BITTAR, 2002, p. 233).

Para que o homem consiga adquirir o hábito da justiça será necessário um conjunto de conhecimentos adquiridos a partir da experiência habitual. Tais conhecimentos foram chamados de siderese. “É com base nesses conhecimentos extraídos da vivência, da prática, que se podem cunhar os principais conceitos acerca do que é bom e do que é mau, do que é justo e do que é injusto”. (BITTAR, 2010, p. 151). Sabendo o que é bom ou mal, justo ou injusto, o homem, pelo livre-arbítrio e pela razão prática, julga aquilo que é certo ou errado e age, pela vontade, de forma consciente. O Estado não pode penalizar as pessoas, utilizando-se da justiça corretiva, pelos atos injustos praticados com fundamento na ignorância, pois o ato, dessa forma, não foi injusto. O homem só pode ser punido (ou corrigido) se agir conscientemente.

            Nesse contexto, o direito é o objeto da justiça porque é o justo. “Ora, o justo é o objeto da justiça. [...] Todos concordam em dar o nome de justiça ao hábitus que nos leva a praticar coisas justas”. (AQUINO, 2005, p. 46). Na concepção tomista o direito não está limitado à lei positiva, mas a uma lei que legitima a lei escrita. Para o aquinate, o que legitima o corpo normativo é a lei eterna, que é a lei que ordena tudo e que foi promulgada por Deus. A racionalização dessa lei eterna é chamada de lei natural, enquanto a sua revelação pela sagrada escritura é chamada de lei divina. A lei natural é comum aos animais humanos e não humanos. A lei natural para os homens é o direito das gentes. “A lei humana, por sua vez, é fruto de uma convenção; não possui força por si só, mas adquire a partir do momento em que é instituída. Representa, assim, a concretização da lei natural”. (BITTAR, 2010, p. 257). O direito é o justo que legitima o ius positum.


            Para que as pessoas vivam de forma justa, será necessário que o legislador, tendo como parâmetro de criação da lei o justo natural, desenvolva regras convencionais positivas que garantam uma vivência pacífica e que ordene e retifique os homens em suas ações para que eles alcancem o Bem Comum e a eudaimonia, que é a felicidade. Essas regras convencionais positivas garantirão uma vivência reta e obediente aos princípios gerados pela lei eterna. Dessa forma, o Estado, representado no âmbito jurisdicional pela autoridade do juiz, corrigirá as atitudes injustas, com base na lei eterna, e restabelecerá a ordem e a paz social. O juiz, procedendo de forma justa, legitimado pelo Estado e inspirado pela prudência, sentenciará dando a cada um o que é seu conforme os seus méritos e deméritos. Dessa forma, mesmo que uma pessoa saia da vida reta e pratique uma injustiça, o Estado garantirá a devida correção para que todos alcancem a virtude da justiça, que é a vontade constante e perpétua de dar a cada um o seu direito. 

REFERÊNCIAS

AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica. São Paulo: Loyola, 2005.
BITTAR, Eduardo C. B. Curso de filosofia do direito. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
____. Curso de ética jurídica. São Paulo: Saraiva, 2002.

Renato Padilha Ferreira Barros
É advogado e bacharel em Direito pela Faculdade Salesiana do Nordeste. É pós-graduado em Docência em Filosofia e Sociologia pelo INSAF - Instituto Salesiano de Filosofia. É graduado em Comunicação Social com Habilitação em Relações Públicas pela ESURP - Escola Superior de Relações Públicas.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Ética e Justiça em Aristóteles - Por Fábio Luiz Antunes

Por Fábio Luiz Antunes

Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Resumo: A ética em Aristóteles é voltada para a razão prático-teleológica, no sentido da busca de todas as coisas por um bem, e sendo esta a busca também das ações humanas, este deve ser o melhor dos bens, cuja finalidade encontra-se em si mesmo. Este bem para o ser humano é a felicidade, que é atingida por meio da prática reiterada de virtudes. A justiça nesse contexto é considerada como virtude, porém, a virtude por excelência, visto que se manifesta diante do outro.

Palavras-chaves: Felicidade. Bem Supremo. Teleologia. Ética. Racionalidade.

Abstract: The ethics in Aristotle are come back toward the practical-teleologic reason, in the direction of the search of all the things for a good, and being this the search also of the actions human beings, this must be optimum of the goods, whose purpose meets exactly in itself. This good it human being is the happiness, that is reached by means of the practical one reiterated of virtues. The justice in this context is considered as virtue, however, the virtue, since if par excellence manifest ahead of the other.

Keywords: Happiness. Well Supreme. Teleology. Ethics. Rationality

SUMÁRIO: Introdução. 1. VIDA E OBRA DE ARISTÓTELES. 2. Ética aristotélica. 3. Concepção de justiça. 3.1. Justiça universal e justiça particular. 3.2. Justiça distributiva e justiça corretiva. 3.3. Justiça política e justiça doméstica. 3.4. Justiça legal e justiça natural. 4. Equidade, o corretivo do justo legal. Considerações finais. Referências bibliográficas

INTRODUÇÃO

A vida do homem grego, contemporâneo de Aristóteles, se consistia na busca por seu thélos (finalidade),  que somente poderia ser alcançada por meio da prática reiterada das virtudes, estas consistentes em um meio-termo entre dois extremos. A finalidade da vida humana é o alcance do “bem supremo”, pois é a busca da realização da concretude de sua forma, que é realizado por meio da qualidade que o difere dos demais seres, isto é, a razão.

Este trabalho tem por escopo apresentar a ética em Aristóteles, espelho do pensamento grego no séc. IV a.C., apresentando-a como fruto da razão prática, e considerando a justiça como virtude, pois também se consiste em um justo meio entre extremos, dissecar seus conceitos tal qual o fizera o Filósofo em sua época na Ética a Nicômaco

1. VIDA E OBRA DE ARISTÓTELES

Aristóteles nasceu em 384 a.C. em Estagira, na Macedônia. Filho de médico, mudou-se para Atenas aos dezoito anos de idade, onde se tornou discípulo na Academia de Platão. Mais tarde, com a morte de seu mestre e por discordar do sucessor deste, Espeusipo, mudou-se para Assos, na Ásia Menor.

Anos depois é chamado à corte de Pela, e recebe um convite do Rei Filipe da Macedônia para ser o tutor de seu filho Alexandre, o que foi aceito pelo Filósofo. Com a morte de Filipe, Alexandre assume o trono da Macedônia e inicia sua expansão ao Oriente. Neste momento, Aristóteles retorna à Atenas, e, próximo ao Apolo Liceano, funda a escola do Liceu.

Aristóteles ministrava suas aulas no Liceu caminhando, habito pelo qual ficou conhecido como peripatético(peripathós), ou seja, o que caminha. Nessa academia, enfatizava o estudo das ciências naturais, em especial, a biologia. Em suas expedições, Alexandre colhia exemplares da fauna e da flora, e enviava ao seu ex-preceptor, para integrar e enriquecer o acervo do Liceu.

Após a morte de Alexandre Magno, Aristóteles se viu hostilizado pelos atenienses, sendo acusado de impiedade aos deuses e politicamente suspeito pelas facções antimacedônicas. O Filósofo então, “diferentemente de Sócrates, não foi filósofo bastante para esperar a cicuta; fugiu para casa da sua mãe em Cálcida” (MORRIS, 2002, p. 5). Lá faleceu um ano depois, de causa natural.

Sua obra se consiste basicamente em duas espécies: as direcionadas ao povo e os escritos filosóficos, chamados deacroamáticas, os quais ministrava aos alunos no Liceu. Das suas obras publicadas pouco sobrou, e os tratados acroamáticos foram compilados por Andrônico, diretor da escola peripatética no séc. I a.C., recebendo o nome deCorpus Aristotelicum. Essa compilação continha, dentre outros livros, o Organon, que é o conjunto de tratados aristotélicos sobre a lógica, e a Ética, onde a principal obra integrante é a Ética à Nicômaco, que tem esse título por ter sido editada por seu filho Nicômaco.

2. ÉTICA ARISTOTÉLICA

A ética em Aristóteles parte do conceito de teleologia, no sentido de que todas as formas existentes tendem a uma finalidade (thélos). Nessa linha, “toda ação e todo propósito visam um bem”, entendendo-se por bem ”aquilo a que todas as coisas visam”. (ARISTÓTELES, 1996, p.118)

Portanto, daí infere-se que as ações humanas também são sempre voltadas, por meio da razão, a atingir um fim, que é a busca pelo bem supremo (summum bonum). Essa busca, porém, se trata de um bem que deve necessariamente ser considerado em si mesmo, pois, como explana o Filósofo,

“se há, então, para as ações que praticamos, alguma finalidade que desejamos por si mesma, sendo tudo mais desejado por causa dela, e se não escolhemos tudo por causa de algo mais (se fosse assim, o processo prosseguiria até o infinito, de tal forma que nosso desejo seria vazio e vão), evidentemente tal finalidade deve ser o bem e o melhor dos bens.” (ARISTÓTELES, 1996, p. 118)

Assim, constitui a vida humana na busca de algo que está no humanamente possível, o que Aristóteles acredita ser a felicidade (eudaimonia), pois, conforme doutrinado por Bittar (2010), a noção de felicidade é criação humana, sendo plenamente alcançável e obtida pela razão teleológica.

A razão é a faculdade que distingue os seres humanos dos demais seres vivos. É por meio dela que o indivíduo se guia teleologicamente, como forma de obter o bem supremo, ou seja, a eudaimonía.

A felicidade é “a atividade conforme a excelência” (ARISTÓTELES, 1996, p. 128), e é esta “que torna o homem capaz de praticar ações nobilitantes [...]” (ARISTÓTELES, 1996, p. 134). A excelência por sua vez se classifica em excelência intelectual e excelência moral. Em seus próprios dizeres:

“certas formas de excelência são intelectuais e outras são morais (a sabedoria, a inteligência e o discernimento são intelectuais, e a liberalidade e a moderação, por exemplo, são formas de excelência moral).” (ARISTÓTELES, 1996, p. 136)

A excelência intelectual se deve tanto o seu nascimento quanto o seu crescimento à instrução (experiência e tempo), enquanto à excelência moral é produto do hábito (ethós). Logo, ninguém é virtuoso por natureza, pois isso é fruto de práticas reiteradas de ações moralmente boas e do conseqüente desenvolvimento de uma disposição da alma para o agir excelente, e não do aprimoramento das habilidades naturais.

A razão teleológica é que permite ao ser humano guiar-se pelos caminhos do meio, que se encontra entre dois extremos, o do excesso e o da falta, considerados pelo Filósofo como deficiências morais. De maneira eqüidistante entre os extremos se encontram as virtudes (areté). Cabe à razão discernir e optar pelo meio-termo de forma habitual, que cuja prática contínua e reiterada das virtudes leva à excelência moral, e por conseguinte, se atinge a felicidade.

A justiça, no pensamento aristotélico, é compreendida como uma virtude, e como tal, localiza-se no meio-termo (mesotés). Ela se difere das demais virtudes e se coloca em posição superior por ser uma virtude que manifesta na aplicação da excelência moral em relação às outras pessoas, não em relação a si mesmo.

3. CONCEPÇÃO DE JUSTIÇA

O Filósofo, no Livro V da Ética a Nicômaco, trata da dikayosyne (justiça) e da aidikía (injustiça), dizendo que nas pessoas, a primeira é a “disposição da alma que graças à qual elas dispõem a fazer o que é justo, a agir justamente e a desejar o que é justo; de maneira idêntica, diz-se que a injustiça é a disposição da alma de graças à qual elas agem injustamente e desejam o que é injusto”. (ARISTÓTELES, 1996, p. 193)

Introdutoriamente, considerando a justiça e a injustiça, indaga, pretendendo demonstrar sobre “quais são as espécies de ações com as quais elas se relacionam, que espécie de meio-termo é a justiça, e entre que extremos o ato justo é o meio-termo” (ARISTÓTELES, 1996, p. 193).   

A justiça, conforme dito alhures, é considerada como a maior das virtudes, pois esta visa o “bem do outro”, relacionando-se com o próximo. Aristóteles, citando as Elegias de Têognis, diz que “nem a estrela vespertina nem a matutina é tão maravilhosa (...); na justiça se resume toda excelência” (ARISTÓTELES, 1996, p. 195).

Nas palavras de Aristóteles:

“A justiça é a forma perfeita de excelência moral porque ela é a prática efetiva da excelência moral perfeita. Ela é perfeita porque as pessoas que possuem o sentimento de justiça podem praticá-la não somente a sim mesmas como também em relação ao próximo.” (ARISTÓTELES, 1996, p. 195).   

A ação justa se é reconhecida pelo seu contrário, ou seja, pela ação injusta, pois, “muitas das vezes se reconhece uma disposição da alma graças a outra contrária, e muitas vezes as disposições são idênticas por via das pessoas nas quais elas se manifestam”. (ARISTÓTELES, 1996, p. 193).

Assim, de forma ampla, Aristóteles divide a justiça em duas classes: a justiça universal e a justiça particular.

3.1. Justiça Universal e Justiça Particular

Pela analogia dos contrários, Aristóteles conclui que

“o termo injusto se aplica tanto às pessoas que infringem a lei quanto às pessoas ambiciosas (no sentido de quererem mais do que aquilo a que têm direito) e iníquas, de tal forma que as cumpridoras da lei e as pessoas corretas serão justas. O justo, então, é aquilo conforme à lei e correto, e o injusto é o ilegal e iníquo.” (ARISTÓTELES, 1996, p. 194)

Daí se extrai o conceito de justo universal, pois este é o cidadão cumpridor da lei. Trata-se de uma obediência aonómos, ou seja, ao ordenamento jurídico expresso pelas normas, englobando também os costumes e princípios preponderantes em uma determinada comunidade.

Como magistralmente explica Bittar (2010),

“se a lei (nómos) é uma prescrição de caráter genérico e que a todos vincula, então seu fim é a realização do Bem da comunidade, e, como tal, do Bem Comum. A ação que se vincula à legalidade obedece a uma norma que a todos e para todos é dirigida; como tal, essa ação deve corresponder a um justo legal e a forma de justiça que lhe é por conseqüência é a aqui chamada justiça legal” (BITTAR, 2010, p. 130)

Explica ainda o supramencionado autor que esse é o conceito de justiça em sentido amplo, o qual, de todos os sentidos é o mais genérico, daí ser também denominado de justiça total ou integral, haja vista que tem aplicação mais abrangente e extensa, pois “as leis valem para o bem de todos, para o bem comum”. (BITTAR, 2010, p. 130)

A justiça particular é uma espécie de justiça que, ao contrário do que ocorre com a justiça universal (díkaion nominon), se corresponde a apenas uma parte da virtude e não à virtude total (BITTAR, 2010, p. 132). Portanto, o justo particular é espécie do gênero justo total.

Divide-se em duas espécies, a saber, justiça distributiva e justiça corretiva.

3.2. Justiça Distributiva e Justiça Corretiva

A justiça distributiva é a que se observa na distribuição pela polis, isto é, pelo Estado, de bens, honrarias, cargos, assim como responsabilidades, deveres e impostos (BITTAR, 2010, p. 133). Conforme dito pelo próprio Filósofo, na Ética:

“Uma das espécies de justiça em sentido estrito e do que é justo na acepção que lhe corresponde, é a que se manifesta na distribuição de funções elevadas de governo, ou de dinheiro, ou das outras coisas que devem ser divididas entre os cidadãos que compartilham dos benefícios outorgados pela constituição da cidade, pois em tais coisas uma pessoa pode ter participação desigual ou igual à de outra pessoa.” (ARISTÓTELES, 1996, p. 197)

Nessa perspectiva, conforme doutrinado por Bittar (2010) o injusto seria o desigual quando há o recebimento de benefícios e encargos em quantia menor ou maior ao que lhe é devido.

“O justo nesta acepção é, portanto o proporcional, e o injusto é o que viola a proporcionalidade. Neste último caso, um quinhão se torna muito grande e outro muito pequeno, como realmente acontece na prática, pois a pessoa que age injustamente fica com um quinhão muito grande do que é bom e a pessoa que é tratada injustamente fica com um quinhão muito pequeno. No caso do mal o inverso é verdadeiro, pois o mal maior, já que o mal menor deve ser escolhido em preferência ao maior, e o que é digno de escolha é um bem, e o que é mais digno de escolha é um bem ainda maior.” (ARISTÓTELES, 1996, p. 199).

Em suma, a justiça distributiva é um meio termo com quatro termos na relação: dois sujeitos comparados entre si e dois objetos. Será justo, portanto se atingir a finalidade de dar a cada um aquilo que lhe é devido, na medida de seus méritos.

A justiça corretiva se difere da distributiva no sentido de que esta utiliza como critério de justa repartição aos indivíduos os méritos de cada um, enquanto aquela visa o “restabelecimento do equilíbrio rompido entre os particulares: a igualdade aritmética.” (BITTAR, 2010, p. 135).

Conforme os ensinamentos do Filósofo, a justiça corretiva

“é a que desempenha função corretiva nas relações entre as pessoas. Esta última se subdivide em duas: algumas relações são voluntárias e outras são involuntárias; são voluntárias a venda, a compra, o empréstimo a juros, o penhor, o empréstimo sem juros, o depósito e a locação (estas relações são chamadas voluntárias porque sua origem é voluntária); das involuntárias, algumas são sub-reptícias (como o furto, o adultério, o envenamento, o lenocínio, o desvio de escravos, o assassino  traiçoeiro, o falso testmunho), e outras são violentas, como o assalto, a prisão, o homicídio, o roubo, a mutilação, a injúria e o ultraje.” (ARISTÓTELES, 1996, p. 197).

A aplicação da justiça corretiva fica ao encargo do juiz (dikastés), que é o mediador de todo o processo. O juiz é considerado para Aristóteles, a personificação da justiça, pois, “ir ao juiz é ir à justiça, porque se quer que o juiz seja como se fosse a própria justiça viva (...) é uma pessoa eqüidistante e, em algumas cidades são chamados de ‘mediadores’, no pressuposto de que, se as pessoas obtêm o meio-termo, elas obtêm o que é justo.” (ARISTÓTELES, 1996, p. 200).

3.3. Justiça Política e Justiça Doméstica

A justiça política se dá no âmbito das relações dos indivíduos na polis, pertinente ao status civitatis do cidadão perante seus iguais. Bittar (2010) explica que “existente no meio social, é a justiça que organiza um modo de vida que tende à autossuficiência da vida comunitária (autárkeian), vigente entre homens que partilham de um espaço comum” (BITTAR, 2010, p. 140).

Conforme se extrai dos escritos de Aristóteles, o justo político

“se apresenta entre as pessoas que vivem juntas com o objetivo de assegurar a auto-suficiência do grupo – pessoas livres e proporcionalmente ou aritmeticamente iguais. Logo, entre pessoas que não se enquadram nesta condição não há justiça política, e sim a justiça em um sentido especial e por analogia.” (ARISTÓTELES, 1996, p. 205).

Portanto, as pessoas consideradas cidadãs na polis na época de Aristóteles formavam um conjunto restrito e excludente (pois se excluem deste conjunto os estrangeiros, mulheres, escravos, menores e aqueles que não são livres), não se aplicando a justiça política sobre os demais membros, atingindo-os apenas obliquamente.

A justiça doméstica é a que se encontra no âmbito da casa, no que se refere ao filho, escravos e a mulher. Assim, “pode-se dizer que a justiça doméstica tem estas últimas como espécies (justiça para com a mulher; justiça para com os filhos; justiça para com os escravos).” (BITTAR, 2010, p. 142).

Aristóteles sustenta que

“a justiça do senhor para com o escravo e a do pai para com o filho não são iguais à justiça política, embora se lhe assemelhem; na realidade, não pode haver injustiça no sentido irrestrito em relação a coisas que nos pertencem, mas os escravos de um homem, e seus filhos até uma certa idade em que se tornam independentes, são por assim dizer partes deste homem, e ninguém faz mal a si mesmo (por esta razão uma pessoa não pode ser injusta em relação a si mesma)”. (ARISTÓTELES, 1996, p. 205)

Portanto, não há que se falar em justiça ou injustiça nesses casos, pois ninguém é capaz de fazer mal a si, como justifica Aristóteles o poder irrestrito do pai e senhor sobre seu filho e seu escravo.

3.4. Justiça Legal e Justiça Natural

A justiça legal e a justiça natural são divisões do gênero que é a justiça política. Bittar (2010) explica a distinção aristotélica entre o justo legal (díkaion nomikón) e o justo natural (díkaion physikón) no sentido de que aquele corresponde às prescrições derivadas do nómos, isto é, das regras vigentes entre os cidadãos políticos, e este, encontra fundamento na própria natureza. É assim a distinção feita por Aristóteles:

“A justiça política é em parte natural e em parte legal; são naturais as coisas que em todos os lugares têm a mesma força e não dependem de as aceitarmos ou não, e é legal aquilo que a princípio pode ser determinado indiferentemente de uma maneira ou de outra, mas depois de determinado já não é indiferente.” (ARISTÓTELES, 1996, p. 206).

A justiça legal tem fundamento na lei, que é definida pela vontade do legislador. Possui força não natural, e é fundada na convenção, pois a vontade do órgão que emana o ato legislativo é soberana e pressupõe consenso de todos os súditos; uma vez vigente a lei adquire obrigatoriedade e vincula todos os cidadãos.

A justiça natural, entretanto se consiste no

“conjunto de todas as regras que encontram aplicação, validade, força e aceitação universais. Assim pode-se definir o justo natural como sendo parte do justo político que encontra respaldo na natureza humana, e não depende do arbítrio volitivo do legislador, sendo por conseqüência, de caráter universalista.” (BITTAR, 2010, p. 145).

Portanto, a justiça natural tem uma força que rompe com as barreiras políticas, sendo que transcende a vontade humana e são imutáveis, e tem a mesma forma em todo lugar, “como o fogo que queima aqui e na Pérsia” (ARISTÓTELES, 1996, p. 206).

4. EQÜIDADE, O CORRETIVO DO JUSTO LEGAL

Ao tratar da eqüidade, Aristóteles a compara com justiça, e conclui que são “a mesma coisa, embora a eqüidade seja melhor. O que cria o problema é o fato de o eqüitativo ser justo, mas não justo segundo a lei, e sim um corretivo da justiça legal”. (ARISTÓTELES, 1996, p. 212)

Na impossibilidade de previsão pelo legislador de todos os casos que poderão surgir na realidade, o aplicador das leis deve se ater às peculiaridades do fato concreto, “dizendo o que o próprio legislador se estivesse presente, e o que teria incluído em sua lei se houvesse previsto o caso em questão” (ARISTÓTELES, 1996, p. 213).

O eqüitativo é, pois, a correção da lei quando esta é omissa em virtude de sua generalidade. De forma ilustrativa, Aristóteles a compara à régua de Lesbos, que se molda à forma da pedra devido a sua maleabilidade.

“Com efeito, quando uma situação é indefinida a regra também tem de ser indefinida, como acontece com a régua de chumbo usada pelos construtores em Lesbos; a régua se adapta à forma da pedra e não é rígida, e o decreto se adapta aos fatos de maneira idêntica.”
(ARISTÓTELES, 1996, p. 213)

A equidade, portanto, é a adequação da lei ao caso concreto, atendidas suas peculiaridades, tendo em vista o caráter genérico e abstrato da atividade do legislador, atribuindo ao juiz a ponderação proporcional da norma à situação fática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A obra de Aristóteles voltada para o Estudo da ética centra-se na razão prática como responsável pela realização da forma plena humana, pois, é por meio de reiteradas práticas virtuosas – que se consistem em um meio-termo entre dois extremos – que se atinge a felicidade (eudaimonía), o summum bonum buscado pelas ações humanas, isto é, de todos os bens o maior, cuja finalidade encontra-se em si mesma.

A felicidade, por se tratar de conceito humano, está no plenamente possível, sendo que se é atingida por meio da escolha consciente das virtudes, como oposição entre seus extremos.

A justiça se localiza na seara das virtudes, porém, em posição de destaque visto que é a virtude que se manifesta ao lidar com o outro, e não consigo mesmo (onde Aristóteles afirma não ser possível alguém cometer injustiça contra si mesmo). É o bem do outro, e também é o meio-termo entre dois extremos: o do excesso e o da falta.

Sendo assim, justiça é aquela disposição da alma de dar a cada um o que é seu, na medida de seus méritos, obedecendo ao nómos político, não se apropriando de nada mais e nada menos daquilo que lhe é devido.

Referências bibliográficas:

ARISTÓTELES. Ética à Nicômaco. São Paulo. Nova Cultural: 1996.
BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Curso de filosofia do direito. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
MORRIS, Clarence. Grandes filósofos do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

Fonte: http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=962 8&revista_caderno=15

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Um conceito de Justiça através da perspectiva de John Rawls - Por Karina Cavalcanti Coelho

Enfoca as características do conceito de justiça através dopensamento do Filósofo John Rawls. Identifica os princípios da teoria de justiça. Observam os pontos marcantes da teoria fazendo uma comparação com outros conceitos de justiça
Por Karina Cavalcanti Coelho

1. INTRODUÇÃO

John Rawls, o mais conhecido e celebrado filósofo político norte-americano, falecido aos 81 anos, em 2002, A sua obra Uma Teoria de justiça completa-se no aperfeiçoamento e condensação de inúmeros artigos, pesquisas que, encaminharam sua trajetória acadêmica durante toda sua vida. A obra1basicamente propõe desígnios claros sistematicamente do que se trata o tema justiça. Seus ideais são objetivos e vivos, na medida em que se refere a “discussão do intuicionismo e o utilitarismo”. De forma que, o sistema econômico2 para Rawls está interligado ao conceito de justiça, o homem deve-se guiar na medida em que o sistema é melhor para ele. De acordo com Rawls não podemos separar à justiça da moral ou da política ou do sistema econômico.

O conceito de justiça dar-se-ia através de dois pontos, um deles é a equidade que está conduzindo todo o espectro de reflexões introduzido por Rwals em torno do conceito, nas palavras de Bittar em seu livro “Curso de Filosofia do Direito” define claramente o conceito de equidade para Rawls

A equidade dá-se quando do momento inicial em que se definem as premissas com as quais se construirão as estruturas institucionais da sociedade (BITTAR, E. C. B. 2001)”.
No segundo ponto, do qual John Rwals concebe o seu conceito de justiça é na forma do contratualismo. Ele não sendo o único neo-contratualista contemporâneo, mas esta é uma das suas características mais marcantes. Desta forma, busca através de estudos, pesquisas, desenvolturas explorar grade dos conceitos, através de um contratualismo3 contemporâneo.

Desta forma, pensar em justiça4 é pensar a cerca do justo e do injusto de cada instituição, para Rawls a melhor forma de administrar a justiça seria través das instituições sociais. Não caracterizando cada indivíduo a sua necessidade de ética, mas sim uma ação humana, com pluralidade, com conseqüências relevantes, concepções plúrimas que possam produzir sobre justiça.

2. CONCEITO DE JUSTIÇA

O conceito apresentado pelo filosofo John Rawls a respeito de justiça é uma concepção de justiça como equidade e com leve teor do contratualismo do século XVII, para Rawls o conceito de justiça como equidade trata-se de uma posição original de igualdade que corresponde ao estado de natureza na teoria tradicional do contrato social. Esses são os princípios que pessoas livres e racionais preocupadas em promover seus próprios interesses, aceitariam uma posição inicial de igualdade como definidores dos termos fundamentais de sua associação (CER. BITTAR, p. 411).

No entanto estes princípios devem regular todos os acordos subseqüentes, especificando o tipo de cooperação social que se pode assumir. São as formas de governo que se podem estabelecer, aqueles que se comprometem na cooperação social escolhem juntos numa ação conjunta. Os princípios que se devem atribuir os direitos e deveres básicos e determinar a visão de benefícios sociais, como Rawls especifica em seu livro “Uma Teoria de Justiça”:

Como cada pessoa deve decidir com o uso da razão ou que constitui o seu bem, isto é, o sistema de finalidade que, de acordo com a sua razão, ela deve buscar, assim um grupo de pessoas deve decidir uma vez por todas tudo aquilo que entre elas se deve considerar justo ou injusto (RAWLS, J. 2000, p. 13).

E com base no acordo inicial que se pode discutir as partes que se aderem ao contrato, o contrato não é uma doutrina incomum para Rawls, visto que, na posição original é capaz de facultar a simulação das condições ideais para que, nesse momento, se possam escolher os princípios diretórios da sociedade, como Bittar expõe em seu livro “Curso de Filosofia do Direito”:

Não se trata de um cordo histórico, e sim hipotético. Esse acordo vem marcado pela idéia de uma igualdade original para optar por direito e deveres; é essa igualdade o pilar de toda teoria. Mais que isso, a idéia de recorrer ao contrato social, e de estudar os sujeitos pactuantes na origem da sociedade numa posição original, não tem outro fito senão o de demonstrar a necessidade de se visualizarem as partes num momento de igualdade inicial. Eis aí a equidade (fairness) de sua teoria (BITTAR, E.C.B. 2001, p. 378).

No momento do pacto inicial não há nada a mais a escolher a não ser as estruturas fundamentais de uma sociedade e seus alicerces. Os princípios da justiça são escolhidos sob um véu de ignorância, isso garantia que nenhuma pessoa, ou melhor, nenhum pactuante, seja favorecido ou desfavorecido na escolhas dos princípios pelo resultado do acaso natural ou pela contingência de circunstâncias sociais. De tal modo, uma vez que todos estão numa esfera semelhante e ninguém pode denominar princípios para favores sua condição particular, os princípios da justiça são resultado de um consenso ou ajusto eqüitativo nas palavras de Rawls:

Isso explica o propriedade da frase “justiça como equidade”: ela transmite a idéia de que os princípios da justiça são acordados numa situação inicial que é eqüitativa. A frase não significa que os conceitos de justiça e equidade sejam a mesma coisa, assim como a frase “poesia como metáfora” não significa que os conceitos de justiça e metáfora sejam a mesma coisa (RAWLS, J. 2000, p. 14).

Todavia uma das características marcantes da justiça como equidade é a de gerar as partes na situação inicial como racionais e mutuamente abnegado. No entanto isso não significa que as partes sejam egoístas, isto é, indivíduos com apenas certo tipos de interesses. Mas estas são concebidas como pessoas que não tem interesses nos interesses dos outras, no sentido que as pessoas na situação inicial escolheriam no momento do pacto inicial dois princípios bastantes diferentes: o primeiro exige igualdade5 na atribuição de deveres e direito básicos, enquanto o segundo afirma que desigualdade econômica e sociais, por exemplo: desigualdade de riqueza e autoridade, são justas apenas se resultam em benefícios compensatórios para cada um, e particularmente para os membros menos favorecidos da sociedade (CER. RAWLS, p. 15).

Não há injustiça nos benefícios maiores conseguidos por uns poucos desde que, a situação dos menos afortunados seja com isso melhorada. Deste modo vale a pena ressaltar que o início da justiça como equidade como outra visão contratualista, consiste em duas partes, a primeira uma interpretação de uma situação inicial e do problema da escolha colocado naquele momento, e a segunda se procura demonstrar seriam aceitos consensualmente. A palavra contrato sugere essa pluralidade, bem como a condição que a divisão apropriada de benefícios aconteça de acordo com os princípios aceitáveis para ambas as partes (CER. RAWLS, p. 16).

3. PRINCÍPIOS DA TEORIA DA JUSTIÇA

Os princípios vêm, no inicio do pacto original, como igualdade e liberdade para deliberar sobre, direito, deveres, obrigações, benefícios e ônus a serem regidos. A primeira formulação de tais princípios ainda é um esboço, no qual o contrato é estruturado tomando por base dois princípios basilares de seu sistema acerca de justiça, que são:

Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdades para as outras.Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo (a) consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável, e (b) vinculadas a posição e cargos acessíveis a todos (RAWLS, J. 2000, p. 64).

Aplicam-se estes princípios primeiramente à estrutura básica da sociedade, governam a atribuição de direitos e deveres e regulam as vantagens econômicas e sociais. O primeiro princípio determina as liberdades, enquanto o segundo princípio regula a aplicabilidade do primeiro, corrigindo assim as desigualdades que possam ocorrem, é certo que não há como erradicar as desigualdades econômicas e sociais entre as pessoas, ou melhor, entre os pactuantes, as associações devem prever organismos suficientes para o equilíbrio das deficiências e desigualdades, de forma que estes se voltem em benefícios da própria sociedade.

Contudo essa liberdade descrita no momento inicial do contrato é extremamente significante, uma vez que assegura a igualdade e a equidade relacionadas aos princípios originais. É fundamental ressaltar que é admissível determinar uma lista dessas liberdades, conforme Rawls dispõe em seu livro:

As mais importantes entre elas são a liberdade política (o direito de votar e ocupar um cargo público) e a liberdade de expressão e reunião; a liberdade de consciência e de pensamento; as liberdades da pessoa, que incluem a proteção contra opressão psicológica e a agressão física (integridade da pessoa); o direito à propriedade privada e a proteção contra a prisão e a detenção arbitrárias, de acordo com o conceito de estado de direito. Segundo o primeiro princípio, essas liberdades devem ser iguais (RAWLS, J. 2000, p. 65).

Esses princípios devem, a qualquer forma, satisfazer a uma ordem seqüencial, o primeiro antecedendo o segundo, e a aplicabilidade destes princípios resultam na concretização da justiça como equidade e igualdade. Pois, trata-se de uma teoria que busca identificar as desigualdades naturais e corrigi-las. Uma vez que, aplicando corretamente os princípios, cada um da sua forma, o primeiro buscando a igualdade e equidade através de suas liberdades, o segundo princípio fazendo com o que o primeiro se cumpra corretamente, e ajudando a corrigir as desigualdades que por ventura possam ocorrer, temos a justiça como amplitude igualmente atribuída conforme as imputações necessárias.

Então, após ocorrer o contrato inicial e as escolhas dos princípios a serem regidos, os pactuantes, devem escolher uma constituição a ser seguida. A constituição constituir um governo de legalidade, do qual as normas dos princípios a serem seguidos, devem estabelecer a igualdade e a publicidade, como nas palavras de Bittar:

É dever natural de justiça que propulsiona, diz Rawls, o cidadão à obediência da constituição e das leis. É a lei a garantia de que situações iguais serão igualmente tratadas. E a lei aqui não é sinônimo de constrição, mas de liberdade. Consciente das dificuldades que engentram a discussão do tema da justiça nessa base, e dos comprometimentos de seus postulados teóricos, é que Rawls está preocupado em demonstrar materialmente a realizabilidade dos dois princípios (menciona a formação da constituição, dos processos legislativos, as formas de execução da lei etc.) nas instituições deve medrar o que se chama de justiça material (BITTAR, 2001, p. 385).

Enfim, todo este sistema leva a idéia de estabilidade, a justiça se aplicada desde o princípio como forma de equidade, igualdade, e liberdade, torna-se algo estável a sociedade. Essa estabilidade nada mais nada menos seria a pura conseqüência da justiça institucional, e a forma de atuação das pessoas nas instituições públicas. Cada indivíduo com o seu elo de ligação através do contrato inicial, respeitando os seus direitos deveres de todos, dando-lhes benefícios ou ônus, conforme as situações de cada associação. Significa uma sociedade bem organizada caminhando naturalmente e sem lapso para a estabilidade de suas instituições.

4. CARACTERÍSTICAS DA TEORIA DE JUSTIÇA

Rawls na sua concepção de justiça analisa a justiça como equidade, e que através de um contrato inicial ou de um pacto social inicial, busca a igualdade, liberdade, e, no momento do pacto são escolhidas as premissas de operação da sociedade. São esses os princípios regularizadores de toda atividade institucional que vise distribuir direitos e deveres, enquanto o primeiro princípio determina as liberdades, o segundo princípio regula a aplicabilidade do primeiro, corrigindo assim as desigualdades que possam ocorrem , após a escolha destes princípios, as partes contratantes vinculam-se a ponto de escolherem uma Constituição, uma forma de governo de legalidade, fazendo as leis e normas a serem seguidas dando-lhe publicidade a tudo. Isso leva as instituições à idéia de estabilidade, de algo estável a sociedade.

As características da teoria de justiça de Rawls são elas: O contrato inicial, (primeira principal característica, surge como base/pilar de toda teoria) a visão de justiça como equidade (segunda principal característica, uma equidade de forma de igualdade, direito de cada um), os princípios (esses fortaleceram o contrato e buscam concretizar os direitos e deveres de cada um, e reparar as desigualdades que possam ocorrer), a Constituição (surge como forma de impor as leis e uma forma de escolha de governo, assegurando o cumprimento do contrato e seus princípios com base na equidade, igualdade e liberdade).

5. ANÁLISE DAS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS COM PENSAMENTOS DE OUTROS FILÓSOFOS.

O Estado de natureza trazido no momento do pacto assemelha-se com o estado de natureza apresentado pelos filósofos teóricos do contrato social, como Hobbes e Locke6, postulavam um 'estado de natureza' original em que não haveria nenhuma autoridade política e argumentavam que era do interesse de cada indivíduo entrar em acordo com os demais para estabelecer um governo comum. Os termos desse acordo é que determinariam a forma e alcance do governo estabelecido: absoluto, segundo Hobbes, limitado constitucionalmente, segundo Locke. Na concepção não-absolutista do poder, considerava-se que, caso o governo ultrapassasse os limites estipulados, o contrato estaria quebrado e os sujeitos teriam o direito de se rebelar (CER. BITTAR, p. 409).

O Contrato inicial7 seria uma concepção do contratualismo apresentado pelo filósofo Rousseau, no qual apresenta o contrato social como bens protegidos e a pessoa, unindo-se às outras, obedece a si mesma, conservando a liberdade. O pacto social pode ser definido quando cada um de nós coloca sua pessoa e sua potência sob a direção suprema da vontade geral, não há dúvidas que há nuança do contratualismo do século XVII no contrato inicial da teoria de justiça de Rwals, pois sendo Rawls um néo-contratualista contemporâneo (CER. BITTAR, p. 409).

A justiça como equidade apresentada por Jonh Rawls se diferencia da equidade apresentada pelo filosofo Aristóteles8, uma vez que para Rawls a justiça como equidade dar-se no momento do contrato como forma de que todos obtem igualmente o conhecimento, raciociono e o dever de obrigações e benefícios em relação ao pacto, e não igualando os indivíduos economicamente e nem buscando o bem igualmente para todos, já Aristóteles no seu livro Ética a Nicômacos diz que: “Uma prova disso é o fato de dizermos que uma pessoa eqüitativa é, mais do que todas as outras, um juiz compreensivo, e identificarmos a equidade com o julgamento compreensivo acerca de certos fatos” (ARISTÓTELES, Ética a Nicômacos, página.123). Aristóteles busca o bem comum, o interesse publico, a igualdade de todos para todos, a equidade é no sentido universal, não apenas viver em conjunto, mas o bem viver em conjunto.

CONCLUSÃO

A concepção de justiça é apresentada da forma de justiça como equidade, e com fortes traços do contratualismo do século XVII, buscando nos princípios e o pacto inicial bases para construir instituições estáveis. A justiça como equidade reside como igualitarismo da posição original, ou seja, no estado do contrato inicial, momento esse hipotético. Rawls procura através das instituições e por meio de sua objetividade a justiça que é racionalmente compartilhada no convívio social.

Por fim, o fato de igualar a justiça como prática de virtude, ou igualar a justiça como a procura do justo meio, não faz com que o Filosofo conceituado John Rawls um teórico antagônico a qualquer tipo de investigação. Rawls busca a igualdade, a equidade, o véu do contratualismo, a construção humana que beneficia a todos. Essa teoria, trata-se de um modelo de governo, baseado em dois grandes princípios, regidos por instituições, princípios que garantes a liberdade, e a igual distribuição de direitos e deveres à todos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. Trad: Mário Gama Kury. 4º Ed. Brasília: UNB, 2001.

BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Curso de Filosofia do Direito. 1º Ed. São Paulo: Atlas, 2001.

BOBBIO, Norberto, Teoria Geral da Política, Trad: Daniela Beccaccia Versiani. 5º Ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000.

RAWLS, John, Uma Teoria da Justiça/John Rawls: Trad. Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves – São Paulo: Martins Fontes, 1997.

NOTAS:

1 BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Curso de Filosofia do Direito. 1º Ed. São Paulo: Atlas, 2001

2 BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Curso de Filosofia do Direito. 1º Ed. São Paulo: Atlas, 2001. 

3 BOBBIO, Norberto, Teoria Geral da Política, Trad: Daniela Beccaccia Versiani. 5º Ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000

4 RAWLS, John, Uma Teoria da Justiça/John Rawls: Trad. Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves – São Paulo: Martins Fontes, 1997. 

5 RAWLS, John, Uma Teoria da Justiça/John Rawls: Trad. Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves – São Paulo: Martins Fontes, 1997.

6 BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Curso de Filosofia do Direito. 1º Ed. São Paulo: Atlas, 2001

7RAWLS, John, Uma Teoria da Justiça/John Rawls: Trad. Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves – São Paulo: Martins Fontes, 1997.


8 ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. Trad: Mário Gama Kury. 4º Ed. Brasília: UNB, 2001.

Fonte: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/5509/Um-conceito-de-Justica-atraves-da-perspectiva-de-John-Rawls