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domingo, 23 de novembro de 2014

CÓDIGO DE ÉTICA DOS ÍNDIOS NORTE-AMERICANOS


Levante-se com o Sol para orar.
Ore sozinho. Ore com freqüência.
O GRANDE ESPÍRITO o escutará, se você ao menos, falar!
Seja TOLERANTE com aqueles que estão perdidos no caminho.
A ignorância, o convencimento, a raiva, o ciúme e a avareza, originam-se de uma alma perdida.
Ore para que eles reencontrem o caminho do Grande Espírito.
Procure conhecer-se, por si mesmo.
Não permita que outros façam seu caminho por você.
É sua estrada, e somente sua!
Outros podem andar ao seu lado, mas ninguém pode andar por você!
Trate os convidados em seu lar com muita consideração.
Sirva-os com o melhor alimento, a melhor cama e trate-os com respeito e honra.
Não tome o que não é seu.
Seja de uma pessoa, da comunidade, da natureza, ou da cultura.
Se não lhe foi dado, não é seu!
Respeite todas as coisas que foram colocadas sobre a Terra.
Sejam elas pessoas, plantas ou animais.
RESPEITE os pensamentos, desejos e palavras das pessoas.
Nunca interrompa os outros nem os ridicularize, nem rudemente os imite.
Permita a cada pessoa o direito da expressão pessoal.
Nunca fale dos outros de uma maneira má.
A energia negativa que você colocar para fora no Universo, voltará multiplicada para VOCÊ !
Todas as pessoas cometem erros.
E todos os erros podem ser perdoados!
Pensamentos maus causam doenças da mente, do corpo e do espírito.
Pratique o OTIMISMO !
A NATUREZA não é para nós, ela é uma parte de nós.
Toda a natureza faz parte da nossa FAMÍLIA TERRENAL.
As CRIANÇAS são as sementes do nosso futuro.
Plante amor nos seus corações e regue com sabedoria e lições da vida.
Quando forem crescidos, dê-lhes espaço para que continuem
CRESCENDO!
Evite machucar os corações das pessoas. O veneno da dor
causada a outros, retornará à você.
Seja sincero e verdadeiro em todas as situações.
A honestidade é o grande teste para a nossa herança do Universo.
Mantenha-se equilibrado. Seu corpo Espiritual, seu corpo Mental, seu corpo Emocional e seu corpo Físico, todos necessitam ser fortes, puros e saudáveis.
Trabalhe o seu corpo Físico para fortalecer o seu corpo Mental.
Enriqueça o seu corpo Espiritual para curar o seu corpo Emocional.
Tome decisões conscientes de como você será e como reagirá.
Seja responsável por suas próprias ações.
Respeite a privacidade e o espaço pessoal dos outros.
Não toque as propriedades pessoais de outras pessoas,
Especialmente objetos religiosos e sagrados.
Isto é proibido.
Comece sendo verdadeiro consigo mesmo.
Se você não puder nutrir e ajudar a si mesmo, você não poderá nutrir e ajudar os outros.
Respeite outras crenças religiosas.
Não force as suas crenças sobre os outros.
Compartilhe sua boa fortuna com os outros.
Participe com caridade.

CONSELHO INDÍGENA INTER-TRIBAL NORTE AMERICANO
Deste conselho participam as tribos: Cherokee Blackfoot, Cherokee,

Lumbee Tribe, Comanche, Mohawk, Willow Cree, Plains Cree, Tuscarora, Sicangu Lakota Sioux, Crow (Montana), Northern Cheyenne (Montana)

Fonte: http://josecarlosalexandre.blogspot.com.br/2012/09/codigo-de-etica-dos-indios-norte.html

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

O DIREITO COMO OBJETO DA JUSTIÇA: A VISÃO JUSNATURALISTA DE TOMÁS DE AQUINO

O Direito e a Justiça sempre foram questões discutidas nos diversos sistemas filosóficos e jurídicos ao longo da história. No século IX, como consequência do renascimento carolíngia, surgem várias escolas que cultivavam certo saber filosófico e teológico e que proporcionavam consideráveis debates jusnaturalisticos. Esse movimento intelectual produzido nas escolas e que uniu a filosofia e a teologia foi chamado de Escolástica e teve como maior expoente Tomás de Aquino (1225 – 1274). A escolástica pré-tomista ainda vivia direcionada ao movimento platônico-agostiniano e ocupava-se em discutir os problemas da época por um idealismo ontológico. No século XIII as questões filosóficas tomam outro rumo. Há uma tentativa de introduzir o aristotelismo, principalmente nas obras de Anselmo Magno (1193 ou 1206-7-1280), Bispo da Igreja Católica, filósofo, teólogo e professor do Doctor Angelicus. O quarto Concílio de Latrão combateu as heresias dos cátaros, principalmente em relação à origem do mal, e deslocou o centro de gravidade do problema para a questão histórico-ética, afirmando que o mal é um problema de ordem moral. Com essas discussões, Tomás de Aquino rompe com o idealismo ontológico platônico-agostiniano e, com o aristotelismo, direciona suas especulações para o âmbito do realismo moderado. Nesse contexto, a Justiça não é mais um fim, como um prêmio recebido após uma vida reta, justa e virtuosa, mas um meio. Ela não se encontra na Cidade de Deus de Agostinho de Hipona, mas na virtude aristotélica.

Para o aquinate, a justiça tem a finalidade de orientar e retificar as ações humanas. “Uma tal compreensão da justiça lhe confere o primeiro lugar na constelação das virtudes, reconhecendo-lhe a dignidade de uma finalidade ou de um valor último, ao qual se vincula o domínio das paixões como uma condição prévia e uma exigência constante”. (AQUINO, 2005, p. 43). Tomás de Aquino discute a justiça em volto a elementos essenciais para sua conjuntura, quais sejam: a alteridade das pessoas, o direito estrito e a verdadeira igualdade, suscetível de ser estabelecida segundo uma medida objetiva. Tais elementos formam o cerne do seu jusnaturalismo, que desemboca na justiça distributiva e na justiça comutativa, suas espécies.

O homem só pode alcançar a virtude da justiça na relação com o outro, pois “a justiça não tem a ver com um exercício do intelecto especulativo, puramente reflexivo; a justiça é, pelo contrário, um hábito, portanto, uma prática, que atribui a cada um o seu, à medida que cada um possui uma medida, e que nem todos são materialmente iguais”. (BITTAR, 2010, p. 245). Essa concepção de ´dar a cada um o seu´ é uma contribuição do direito romano. O que o aquinate faz é dizer qual a medida de cada um. Essa medida, se for na justiça comutativa, que é a responsável pelas relações particulares, terá uma projeção aritmética, numérica, onde cada um terá que ter medidas iguais, levando-se em consideração as igualdades e as desigualdades; se for na justiça distributiva, que tem a responsabilidade da coordenação do relacionamento da parte com todo, terá uma medida geométrica, distribuindo os bens e os cargos segundo o mérito, a capacidade e a participação dentro da sociedade.

 A virtude da justiça, que é a prática de dar a cada um  o que é seu na medida do seu mérito, alcança sua finalidade quando distribui os bens de forma proporcional e que atinja o meio termo. A virtude é o meio termo entre dois vícios. Esses vícios são os atos injustos. Caso atribua um mérito a mais a uma pessoa, o ato é injusto. Caso a atribuição meritocrática seja a menos, o ato também será injusto. Dessa forma, a justiça é “um meio (médium) entre extremos opostos, ao qual os gregos chamavam de mesotés, ou seja, a justa medida entre algo por excesso e outro algo por carência”. (BITTAR, 2002, p. 233).

Para que o homem consiga adquirir o hábito da justiça será necessário um conjunto de conhecimentos adquiridos a partir da experiência habitual. Tais conhecimentos foram chamados de siderese. “É com base nesses conhecimentos extraídos da vivência, da prática, que se podem cunhar os principais conceitos acerca do que é bom e do que é mau, do que é justo e do que é injusto”. (BITTAR, 2010, p. 151). Sabendo o que é bom ou mal, justo ou injusto, o homem, pelo livre-arbítrio e pela razão prática, julga aquilo que é certo ou errado e age, pela vontade, de forma consciente. O Estado não pode penalizar as pessoas, utilizando-se da justiça corretiva, pelos atos injustos praticados com fundamento na ignorância, pois o ato, dessa forma, não foi injusto. O homem só pode ser punido (ou corrigido) se agir conscientemente.

            Nesse contexto, o direito é o objeto da justiça porque é o justo. “Ora, o justo é o objeto da justiça. [...] Todos concordam em dar o nome de justiça ao hábitus que nos leva a praticar coisas justas”. (AQUINO, 2005, p. 46). Na concepção tomista o direito não está limitado à lei positiva, mas a uma lei que legitima a lei escrita. Para o aquinate, o que legitima o corpo normativo é a lei eterna, que é a lei que ordena tudo e que foi promulgada por Deus. A racionalização dessa lei eterna é chamada de lei natural, enquanto a sua revelação pela sagrada escritura é chamada de lei divina. A lei natural é comum aos animais humanos e não humanos. A lei natural para os homens é o direito das gentes. “A lei humana, por sua vez, é fruto de uma convenção; não possui força por si só, mas adquire a partir do momento em que é instituída. Representa, assim, a concretização da lei natural”. (BITTAR, 2010, p. 257). O direito é o justo que legitima o ius positum.


            Para que as pessoas vivam de forma justa, será necessário que o legislador, tendo como parâmetro de criação da lei o justo natural, desenvolva regras convencionais positivas que garantam uma vivência pacífica e que ordene e retifique os homens em suas ações para que eles alcancem o Bem Comum e a eudaimonia, que é a felicidade. Essas regras convencionais positivas garantirão uma vivência reta e obediente aos princípios gerados pela lei eterna. Dessa forma, o Estado, representado no âmbito jurisdicional pela autoridade do juiz, corrigirá as atitudes injustas, com base na lei eterna, e restabelecerá a ordem e a paz social. O juiz, procedendo de forma justa, legitimado pelo Estado e inspirado pela prudência, sentenciará dando a cada um o que é seu conforme os seus méritos e deméritos. Dessa forma, mesmo que uma pessoa saia da vida reta e pratique uma injustiça, o Estado garantirá a devida correção para que todos alcancem a virtude da justiça, que é a vontade constante e perpétua de dar a cada um o seu direito. 

REFERÊNCIAS

AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica. São Paulo: Loyola, 2005.
BITTAR, Eduardo C. B. Curso de filosofia do direito. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
____. Curso de ética jurídica. São Paulo: Saraiva, 2002.

Renato Padilha Ferreira Barros
É advogado e bacharel em Direito pela Faculdade Salesiana do Nordeste. É pós-graduado em Docência em Filosofia e Sociologia pelo INSAF - Instituto Salesiano de Filosofia. É graduado em Comunicação Social com Habilitação em Relações Públicas pela ESURP - Escola Superior de Relações Públicas.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Ética e Justiça em Aristóteles - Por Fábio Luiz Antunes

Por Fábio Luiz Antunes

Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Resumo: A ética em Aristóteles é voltada para a razão prático-teleológica, no sentido da busca de todas as coisas por um bem, e sendo esta a busca também das ações humanas, este deve ser o melhor dos bens, cuja finalidade encontra-se em si mesmo. Este bem para o ser humano é a felicidade, que é atingida por meio da prática reiterada de virtudes. A justiça nesse contexto é considerada como virtude, porém, a virtude por excelência, visto que se manifesta diante do outro.

Palavras-chaves: Felicidade. Bem Supremo. Teleologia. Ética. Racionalidade.

Abstract: The ethics in Aristotle are come back toward the practical-teleologic reason, in the direction of the search of all the things for a good, and being this the search also of the actions human beings, this must be optimum of the goods, whose purpose meets exactly in itself. This good it human being is the happiness, that is reached by means of the practical one reiterated of virtues. The justice in this context is considered as virtue, however, the virtue, since if par excellence manifest ahead of the other.

Keywords: Happiness. Well Supreme. Teleology. Ethics. Rationality

SUMÁRIO: Introdução. 1. VIDA E OBRA DE ARISTÓTELES. 2. Ética aristotélica. 3. Concepção de justiça. 3.1. Justiça universal e justiça particular. 3.2. Justiça distributiva e justiça corretiva. 3.3. Justiça política e justiça doméstica. 3.4. Justiça legal e justiça natural. 4. Equidade, o corretivo do justo legal. Considerações finais. Referências bibliográficas

INTRODUÇÃO

A vida do homem grego, contemporâneo de Aristóteles, se consistia na busca por seu thélos (finalidade),  que somente poderia ser alcançada por meio da prática reiterada das virtudes, estas consistentes em um meio-termo entre dois extremos. A finalidade da vida humana é o alcance do “bem supremo”, pois é a busca da realização da concretude de sua forma, que é realizado por meio da qualidade que o difere dos demais seres, isto é, a razão.

Este trabalho tem por escopo apresentar a ética em Aristóteles, espelho do pensamento grego no séc. IV a.C., apresentando-a como fruto da razão prática, e considerando a justiça como virtude, pois também se consiste em um justo meio entre extremos, dissecar seus conceitos tal qual o fizera o Filósofo em sua época na Ética a Nicômaco

1. VIDA E OBRA DE ARISTÓTELES

Aristóteles nasceu em 384 a.C. em Estagira, na Macedônia. Filho de médico, mudou-se para Atenas aos dezoito anos de idade, onde se tornou discípulo na Academia de Platão. Mais tarde, com a morte de seu mestre e por discordar do sucessor deste, Espeusipo, mudou-se para Assos, na Ásia Menor.

Anos depois é chamado à corte de Pela, e recebe um convite do Rei Filipe da Macedônia para ser o tutor de seu filho Alexandre, o que foi aceito pelo Filósofo. Com a morte de Filipe, Alexandre assume o trono da Macedônia e inicia sua expansão ao Oriente. Neste momento, Aristóteles retorna à Atenas, e, próximo ao Apolo Liceano, funda a escola do Liceu.

Aristóteles ministrava suas aulas no Liceu caminhando, habito pelo qual ficou conhecido como peripatético(peripathós), ou seja, o que caminha. Nessa academia, enfatizava o estudo das ciências naturais, em especial, a biologia. Em suas expedições, Alexandre colhia exemplares da fauna e da flora, e enviava ao seu ex-preceptor, para integrar e enriquecer o acervo do Liceu.

Após a morte de Alexandre Magno, Aristóteles se viu hostilizado pelos atenienses, sendo acusado de impiedade aos deuses e politicamente suspeito pelas facções antimacedônicas. O Filósofo então, “diferentemente de Sócrates, não foi filósofo bastante para esperar a cicuta; fugiu para casa da sua mãe em Cálcida” (MORRIS, 2002, p. 5). Lá faleceu um ano depois, de causa natural.

Sua obra se consiste basicamente em duas espécies: as direcionadas ao povo e os escritos filosóficos, chamados deacroamáticas, os quais ministrava aos alunos no Liceu. Das suas obras publicadas pouco sobrou, e os tratados acroamáticos foram compilados por Andrônico, diretor da escola peripatética no séc. I a.C., recebendo o nome deCorpus Aristotelicum. Essa compilação continha, dentre outros livros, o Organon, que é o conjunto de tratados aristotélicos sobre a lógica, e a Ética, onde a principal obra integrante é a Ética à Nicômaco, que tem esse título por ter sido editada por seu filho Nicômaco.

2. ÉTICA ARISTOTÉLICA

A ética em Aristóteles parte do conceito de teleologia, no sentido de que todas as formas existentes tendem a uma finalidade (thélos). Nessa linha, “toda ação e todo propósito visam um bem”, entendendo-se por bem ”aquilo a que todas as coisas visam”. (ARISTÓTELES, 1996, p.118)

Portanto, daí infere-se que as ações humanas também são sempre voltadas, por meio da razão, a atingir um fim, que é a busca pelo bem supremo (summum bonum). Essa busca, porém, se trata de um bem que deve necessariamente ser considerado em si mesmo, pois, como explana o Filósofo,

“se há, então, para as ações que praticamos, alguma finalidade que desejamos por si mesma, sendo tudo mais desejado por causa dela, e se não escolhemos tudo por causa de algo mais (se fosse assim, o processo prosseguiria até o infinito, de tal forma que nosso desejo seria vazio e vão), evidentemente tal finalidade deve ser o bem e o melhor dos bens.” (ARISTÓTELES, 1996, p. 118)

Assim, constitui a vida humana na busca de algo que está no humanamente possível, o que Aristóteles acredita ser a felicidade (eudaimonia), pois, conforme doutrinado por Bittar (2010), a noção de felicidade é criação humana, sendo plenamente alcançável e obtida pela razão teleológica.

A razão é a faculdade que distingue os seres humanos dos demais seres vivos. É por meio dela que o indivíduo se guia teleologicamente, como forma de obter o bem supremo, ou seja, a eudaimonía.

A felicidade é “a atividade conforme a excelência” (ARISTÓTELES, 1996, p. 128), e é esta “que torna o homem capaz de praticar ações nobilitantes [...]” (ARISTÓTELES, 1996, p. 134). A excelência por sua vez se classifica em excelência intelectual e excelência moral. Em seus próprios dizeres:

“certas formas de excelência são intelectuais e outras são morais (a sabedoria, a inteligência e o discernimento são intelectuais, e a liberalidade e a moderação, por exemplo, são formas de excelência moral).” (ARISTÓTELES, 1996, p. 136)

A excelência intelectual se deve tanto o seu nascimento quanto o seu crescimento à instrução (experiência e tempo), enquanto à excelência moral é produto do hábito (ethós). Logo, ninguém é virtuoso por natureza, pois isso é fruto de práticas reiteradas de ações moralmente boas e do conseqüente desenvolvimento de uma disposição da alma para o agir excelente, e não do aprimoramento das habilidades naturais.

A razão teleológica é que permite ao ser humano guiar-se pelos caminhos do meio, que se encontra entre dois extremos, o do excesso e o da falta, considerados pelo Filósofo como deficiências morais. De maneira eqüidistante entre os extremos se encontram as virtudes (areté). Cabe à razão discernir e optar pelo meio-termo de forma habitual, que cuja prática contínua e reiterada das virtudes leva à excelência moral, e por conseguinte, se atinge a felicidade.

A justiça, no pensamento aristotélico, é compreendida como uma virtude, e como tal, localiza-se no meio-termo (mesotés). Ela se difere das demais virtudes e se coloca em posição superior por ser uma virtude que manifesta na aplicação da excelência moral em relação às outras pessoas, não em relação a si mesmo.

3. CONCEPÇÃO DE JUSTIÇA

O Filósofo, no Livro V da Ética a Nicômaco, trata da dikayosyne (justiça) e da aidikía (injustiça), dizendo que nas pessoas, a primeira é a “disposição da alma que graças à qual elas dispõem a fazer o que é justo, a agir justamente e a desejar o que é justo; de maneira idêntica, diz-se que a injustiça é a disposição da alma de graças à qual elas agem injustamente e desejam o que é injusto”. (ARISTÓTELES, 1996, p. 193)

Introdutoriamente, considerando a justiça e a injustiça, indaga, pretendendo demonstrar sobre “quais são as espécies de ações com as quais elas se relacionam, que espécie de meio-termo é a justiça, e entre que extremos o ato justo é o meio-termo” (ARISTÓTELES, 1996, p. 193).   

A justiça, conforme dito alhures, é considerada como a maior das virtudes, pois esta visa o “bem do outro”, relacionando-se com o próximo. Aristóteles, citando as Elegias de Têognis, diz que “nem a estrela vespertina nem a matutina é tão maravilhosa (...); na justiça se resume toda excelência” (ARISTÓTELES, 1996, p. 195).

Nas palavras de Aristóteles:

“A justiça é a forma perfeita de excelência moral porque ela é a prática efetiva da excelência moral perfeita. Ela é perfeita porque as pessoas que possuem o sentimento de justiça podem praticá-la não somente a sim mesmas como também em relação ao próximo.” (ARISTÓTELES, 1996, p. 195).   

A ação justa se é reconhecida pelo seu contrário, ou seja, pela ação injusta, pois, “muitas das vezes se reconhece uma disposição da alma graças a outra contrária, e muitas vezes as disposições são idênticas por via das pessoas nas quais elas se manifestam”. (ARISTÓTELES, 1996, p. 193).

Assim, de forma ampla, Aristóteles divide a justiça em duas classes: a justiça universal e a justiça particular.

3.1. Justiça Universal e Justiça Particular

Pela analogia dos contrários, Aristóteles conclui que

“o termo injusto se aplica tanto às pessoas que infringem a lei quanto às pessoas ambiciosas (no sentido de quererem mais do que aquilo a que têm direito) e iníquas, de tal forma que as cumpridoras da lei e as pessoas corretas serão justas. O justo, então, é aquilo conforme à lei e correto, e o injusto é o ilegal e iníquo.” (ARISTÓTELES, 1996, p. 194)

Daí se extrai o conceito de justo universal, pois este é o cidadão cumpridor da lei. Trata-se de uma obediência aonómos, ou seja, ao ordenamento jurídico expresso pelas normas, englobando também os costumes e princípios preponderantes em uma determinada comunidade.

Como magistralmente explica Bittar (2010),

“se a lei (nómos) é uma prescrição de caráter genérico e que a todos vincula, então seu fim é a realização do Bem da comunidade, e, como tal, do Bem Comum. A ação que se vincula à legalidade obedece a uma norma que a todos e para todos é dirigida; como tal, essa ação deve corresponder a um justo legal e a forma de justiça que lhe é por conseqüência é a aqui chamada justiça legal” (BITTAR, 2010, p. 130)

Explica ainda o supramencionado autor que esse é o conceito de justiça em sentido amplo, o qual, de todos os sentidos é o mais genérico, daí ser também denominado de justiça total ou integral, haja vista que tem aplicação mais abrangente e extensa, pois “as leis valem para o bem de todos, para o bem comum”. (BITTAR, 2010, p. 130)

A justiça particular é uma espécie de justiça que, ao contrário do que ocorre com a justiça universal (díkaion nominon), se corresponde a apenas uma parte da virtude e não à virtude total (BITTAR, 2010, p. 132). Portanto, o justo particular é espécie do gênero justo total.

Divide-se em duas espécies, a saber, justiça distributiva e justiça corretiva.

3.2. Justiça Distributiva e Justiça Corretiva

A justiça distributiva é a que se observa na distribuição pela polis, isto é, pelo Estado, de bens, honrarias, cargos, assim como responsabilidades, deveres e impostos (BITTAR, 2010, p. 133). Conforme dito pelo próprio Filósofo, na Ética:

“Uma das espécies de justiça em sentido estrito e do que é justo na acepção que lhe corresponde, é a que se manifesta na distribuição de funções elevadas de governo, ou de dinheiro, ou das outras coisas que devem ser divididas entre os cidadãos que compartilham dos benefícios outorgados pela constituição da cidade, pois em tais coisas uma pessoa pode ter participação desigual ou igual à de outra pessoa.” (ARISTÓTELES, 1996, p. 197)

Nessa perspectiva, conforme doutrinado por Bittar (2010) o injusto seria o desigual quando há o recebimento de benefícios e encargos em quantia menor ou maior ao que lhe é devido.

“O justo nesta acepção é, portanto o proporcional, e o injusto é o que viola a proporcionalidade. Neste último caso, um quinhão se torna muito grande e outro muito pequeno, como realmente acontece na prática, pois a pessoa que age injustamente fica com um quinhão muito grande do que é bom e a pessoa que é tratada injustamente fica com um quinhão muito pequeno. No caso do mal o inverso é verdadeiro, pois o mal maior, já que o mal menor deve ser escolhido em preferência ao maior, e o que é digno de escolha é um bem, e o que é mais digno de escolha é um bem ainda maior.” (ARISTÓTELES, 1996, p. 199).

Em suma, a justiça distributiva é um meio termo com quatro termos na relação: dois sujeitos comparados entre si e dois objetos. Será justo, portanto se atingir a finalidade de dar a cada um aquilo que lhe é devido, na medida de seus méritos.

A justiça corretiva se difere da distributiva no sentido de que esta utiliza como critério de justa repartição aos indivíduos os méritos de cada um, enquanto aquela visa o “restabelecimento do equilíbrio rompido entre os particulares: a igualdade aritmética.” (BITTAR, 2010, p. 135).

Conforme os ensinamentos do Filósofo, a justiça corretiva

“é a que desempenha função corretiva nas relações entre as pessoas. Esta última se subdivide em duas: algumas relações são voluntárias e outras são involuntárias; são voluntárias a venda, a compra, o empréstimo a juros, o penhor, o empréstimo sem juros, o depósito e a locação (estas relações são chamadas voluntárias porque sua origem é voluntária); das involuntárias, algumas são sub-reptícias (como o furto, o adultério, o envenamento, o lenocínio, o desvio de escravos, o assassino  traiçoeiro, o falso testmunho), e outras são violentas, como o assalto, a prisão, o homicídio, o roubo, a mutilação, a injúria e o ultraje.” (ARISTÓTELES, 1996, p. 197).

A aplicação da justiça corretiva fica ao encargo do juiz (dikastés), que é o mediador de todo o processo. O juiz é considerado para Aristóteles, a personificação da justiça, pois, “ir ao juiz é ir à justiça, porque se quer que o juiz seja como se fosse a própria justiça viva (...) é uma pessoa eqüidistante e, em algumas cidades são chamados de ‘mediadores’, no pressuposto de que, se as pessoas obtêm o meio-termo, elas obtêm o que é justo.” (ARISTÓTELES, 1996, p. 200).

3.3. Justiça Política e Justiça Doméstica

A justiça política se dá no âmbito das relações dos indivíduos na polis, pertinente ao status civitatis do cidadão perante seus iguais. Bittar (2010) explica que “existente no meio social, é a justiça que organiza um modo de vida que tende à autossuficiência da vida comunitária (autárkeian), vigente entre homens que partilham de um espaço comum” (BITTAR, 2010, p. 140).

Conforme se extrai dos escritos de Aristóteles, o justo político

“se apresenta entre as pessoas que vivem juntas com o objetivo de assegurar a auto-suficiência do grupo – pessoas livres e proporcionalmente ou aritmeticamente iguais. Logo, entre pessoas que não se enquadram nesta condição não há justiça política, e sim a justiça em um sentido especial e por analogia.” (ARISTÓTELES, 1996, p. 205).

Portanto, as pessoas consideradas cidadãs na polis na época de Aristóteles formavam um conjunto restrito e excludente (pois se excluem deste conjunto os estrangeiros, mulheres, escravos, menores e aqueles que não são livres), não se aplicando a justiça política sobre os demais membros, atingindo-os apenas obliquamente.

A justiça doméstica é a que se encontra no âmbito da casa, no que se refere ao filho, escravos e a mulher. Assim, “pode-se dizer que a justiça doméstica tem estas últimas como espécies (justiça para com a mulher; justiça para com os filhos; justiça para com os escravos).” (BITTAR, 2010, p. 142).

Aristóteles sustenta que

“a justiça do senhor para com o escravo e a do pai para com o filho não são iguais à justiça política, embora se lhe assemelhem; na realidade, não pode haver injustiça no sentido irrestrito em relação a coisas que nos pertencem, mas os escravos de um homem, e seus filhos até uma certa idade em que se tornam independentes, são por assim dizer partes deste homem, e ninguém faz mal a si mesmo (por esta razão uma pessoa não pode ser injusta em relação a si mesma)”. (ARISTÓTELES, 1996, p. 205)

Portanto, não há que se falar em justiça ou injustiça nesses casos, pois ninguém é capaz de fazer mal a si, como justifica Aristóteles o poder irrestrito do pai e senhor sobre seu filho e seu escravo.

3.4. Justiça Legal e Justiça Natural

A justiça legal e a justiça natural são divisões do gênero que é a justiça política. Bittar (2010) explica a distinção aristotélica entre o justo legal (díkaion nomikón) e o justo natural (díkaion physikón) no sentido de que aquele corresponde às prescrições derivadas do nómos, isto é, das regras vigentes entre os cidadãos políticos, e este, encontra fundamento na própria natureza. É assim a distinção feita por Aristóteles:

“A justiça política é em parte natural e em parte legal; são naturais as coisas que em todos os lugares têm a mesma força e não dependem de as aceitarmos ou não, e é legal aquilo que a princípio pode ser determinado indiferentemente de uma maneira ou de outra, mas depois de determinado já não é indiferente.” (ARISTÓTELES, 1996, p. 206).

A justiça legal tem fundamento na lei, que é definida pela vontade do legislador. Possui força não natural, e é fundada na convenção, pois a vontade do órgão que emana o ato legislativo é soberana e pressupõe consenso de todos os súditos; uma vez vigente a lei adquire obrigatoriedade e vincula todos os cidadãos.

A justiça natural, entretanto se consiste no

“conjunto de todas as regras que encontram aplicação, validade, força e aceitação universais. Assim pode-se definir o justo natural como sendo parte do justo político que encontra respaldo na natureza humana, e não depende do arbítrio volitivo do legislador, sendo por conseqüência, de caráter universalista.” (BITTAR, 2010, p. 145).

Portanto, a justiça natural tem uma força que rompe com as barreiras políticas, sendo que transcende a vontade humana e são imutáveis, e tem a mesma forma em todo lugar, “como o fogo que queima aqui e na Pérsia” (ARISTÓTELES, 1996, p. 206).

4. EQÜIDADE, O CORRETIVO DO JUSTO LEGAL

Ao tratar da eqüidade, Aristóteles a compara com justiça, e conclui que são “a mesma coisa, embora a eqüidade seja melhor. O que cria o problema é o fato de o eqüitativo ser justo, mas não justo segundo a lei, e sim um corretivo da justiça legal”. (ARISTÓTELES, 1996, p. 212)

Na impossibilidade de previsão pelo legislador de todos os casos que poderão surgir na realidade, o aplicador das leis deve se ater às peculiaridades do fato concreto, “dizendo o que o próprio legislador se estivesse presente, e o que teria incluído em sua lei se houvesse previsto o caso em questão” (ARISTÓTELES, 1996, p. 213).

O eqüitativo é, pois, a correção da lei quando esta é omissa em virtude de sua generalidade. De forma ilustrativa, Aristóteles a compara à régua de Lesbos, que se molda à forma da pedra devido a sua maleabilidade.

“Com efeito, quando uma situação é indefinida a regra também tem de ser indefinida, como acontece com a régua de chumbo usada pelos construtores em Lesbos; a régua se adapta à forma da pedra e não é rígida, e o decreto se adapta aos fatos de maneira idêntica.”
(ARISTÓTELES, 1996, p. 213)

A equidade, portanto, é a adequação da lei ao caso concreto, atendidas suas peculiaridades, tendo em vista o caráter genérico e abstrato da atividade do legislador, atribuindo ao juiz a ponderação proporcional da norma à situação fática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A obra de Aristóteles voltada para o Estudo da ética centra-se na razão prática como responsável pela realização da forma plena humana, pois, é por meio de reiteradas práticas virtuosas – que se consistem em um meio-termo entre dois extremos – que se atinge a felicidade (eudaimonía), o summum bonum buscado pelas ações humanas, isto é, de todos os bens o maior, cuja finalidade encontra-se em si mesma.

A felicidade, por se tratar de conceito humano, está no plenamente possível, sendo que se é atingida por meio da escolha consciente das virtudes, como oposição entre seus extremos.

A justiça se localiza na seara das virtudes, porém, em posição de destaque visto que é a virtude que se manifesta ao lidar com o outro, e não consigo mesmo (onde Aristóteles afirma não ser possível alguém cometer injustiça contra si mesmo). É o bem do outro, e também é o meio-termo entre dois extremos: o do excesso e o da falta.

Sendo assim, justiça é aquela disposição da alma de dar a cada um o que é seu, na medida de seus méritos, obedecendo ao nómos político, não se apropriando de nada mais e nada menos daquilo que lhe é devido.

Referências bibliográficas:

ARISTÓTELES. Ética à Nicômaco. São Paulo. Nova Cultural: 1996.
BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Curso de filosofia do direito. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
MORRIS, Clarence. Grandes filósofos do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

Fonte: http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=962 8&revista_caderno=15