*Quem tiver material para publicar; elogios ou críticas construtivas para fazer, favor enviar para o e-mail: revolucoestobiaticas@hotmail.com
**Formato padrão para artigos: Tamanho do texto: aproximadamente duas ou três laudas; Fonte: Arial ou Times New Roman; Tamanho da fonte: 12; Espaçamento: 1,5. Identificação: Enviar uma foto e um mini currículo (nome, curso(s) e instituição de ensino).
***Todos os artigos serão avaliados 'a priori' por professores do curso de Direito e 'a posteriori' publicados.
****Os artigos que forem publicados no blog não precisarão ter limites de páginas, sendo exigido o formato padrão dos artigos apenas para o jornal impresso.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Ciência Livre: vale a pena um professor criar o seu blog

Ladislau Dowbor propõe a professores e pesquisadores: crie um blog,
compartilhe conhecimentos, ajude a superar a era propriedade intelectual  

Por Ladislau Dowbor 

Na virada do milênio, decidi repensar os meus arquivos e as minhas publicações. Hoje posso fazer um balanço. Como professor e pesquisador, na área de desenvolvimento econômico, social e ambiental, tenho naturalmente que trabalhar com inúmeras publicações dos mais diversos tipos, textos, estatísticas, relatórios internacionais, artigos pontuais, além da minha própria produção. Fortemente pressionado pelo meu filho Alexandre, que achava pré-históricas (já naquela época) as minhas pilhas de papéis, pastas e clips, dei uma guinada, passei para o digital. Agradeço hoje a ele, que ajudou a montar meu primeiro site. Alguns já chamam este tipo de ajuda de filhoware.

Decidi fazer este pequeno balanço porque pode ser útil a muita gente que se debate com a transição. Deixem-me dizer desde já que o resultado não foi uma migração simples para o digital, e sim uma articulação equilibrada do impresso e do digital, bem como de publicação tradicional com publicação online. Chamemos isto de arquitetura do trabalho intelectual.

O ponto de partida foi o meu blog, http://dowbor.org, hoje de ampla utilização nacional e internacional, se é que esta distinção ainda existe. O sucesso não se deve apenas ao interesse do que eu escrevo e à facilidade de acesso que o blog permite, mas ao fato que do lado do usuário – leitor, aluno ou colega professor – houve uma drástica mudança de comportamento: a cultura digital do livre acesso está se tornando dominante. De certa forma, estamos adequando a oferta à nova demanda e ao novo formato de uso que emerge.

Deixem-me lembrar a força da dinâmica: o MIT, principal centro de pesquisa dos EUA, criou oOpenCourseWare (OCW), gerando em poucos anos mais de 50 milhões de textos científicos baixados gratuitamente pelo mundo afora. Harvard aderiu ao movimento com o EdX, a China trabalha com oCORE (China Open Resources for Education), a Universidade da Califórnia entrou na corrente em 2013, a Inglaterra contratou Jimmy Wales, criador da Wikipedia, para gerar um sistema de acesso gratuito online a toda pesquisa e publicação que tenha participação de dinheiro público. E quando áreas de excelência do mundo científico abrem o caminho, é provável que se trate do futuro mainstream. No Brasil estamos dando os primeiros passos, com Recursos Educacionais Abertos(REA), de maneira ainda muito tímida.

Isto dito, eu que não sou nenhum MIT, constatei nestes anos de experiência prática do meu blog o seguinte, esperando que as informações sejam úteis:

1. A criação de um blog individual de professor representa um investimento extremamente pequeno, comparando com o benefício obtido, sobretudo porque hoje temos estagiários blogueiros da nova geração que tiram isto de letra. Não custará muito mais do que uma bicicleta. A alimentação do blog, por sua vez, é igualmente simples, basta escrever alguns passos no papel e seguir. E se tiver filho é mais simples ainda.

2. Ter um blog não é um ônus em termos de tempo, pelo contrário. As pessoas imaginam ter de “alimentar” um blog, ou seja, comunicar o tempo todo. Um blog científico como o meu é, na realidade, muito mais uma biblioteca de fácil acesso universal, do que uma “newsletter” que eu precise acompanhar e administrar. Não é muito distinto, nesse aspecto, de uma estante em minha biblioteca, com a diferença que é muito mais fácil encontrar meu texto com uma palavra-chave no computador, do que localizá-lo na estante ou nas pilhas. E quem precisa de um texto pode pegá-lo no meu blog, não precisa pedir o livro emprestado, nem perder tempo dele e meu. Pegam o que precisam, e eu não deixo de ter o que pegam.

3. Produção científica e divulgação deixam de constituir processos separados. O artigo ou livro que o professor escreve, ou que recebeu e quer divulgar, é colocado no blog, e está no ar. Quem se interessar pode pegar. Recebi um e-mail de Timor Leste, onde falam português, pedindo para utilizar na formação de professores o meu texto Tecnologias do Conhecimento: os desafios da educação, editado pela Vozes. Autorizei e agradeci. Não precisei ir lá oferecer, nem empacotar livros. E eles encontraram simplesmente porque colocaram palavras-chaves na busca por internet. Cria-se um mundo científico colaborativo. Não me pagam nada, mas é útil, e tenho meu salário na PUC. Ponto importante, o livro vai para a 6ª edição pela editora: uma coisa não atrapalha a outra, a editora encontra o seu interesse também.

4. O essencial não está na gratuidade, mas na facilidade de acesso e na pesquisa inteligente. Procurar um artigo que saiu em alguma revista, e buscá-lo numa biblioteca, nesta era em que o tempo é o recurso escasso, francamente já não funciona. Mais importante ainda é a possibilidade de folhear em pouco tempo dezenas de estudos diferentes sobre um tema, através da pesquisa temática, cruzando enfoques de diversas disciplinas, autores e visões. Conhecer o estado da arte de um problema determinado, de maneira prática, ajuda muito na construção colaborativa do saber e na inovação em geral.

5. O blog torna-se também uma biblioteca de terceiros. Coloco no blog, na seção Artigos Recebidos, textos que me enviam e que me parecem particularmente bons, tanto para o meu uso futuro como para repassar a outras pessoas. Por exemplo, quando me fazem uma pergunta sobre energia, recomendo que leiam, em meu site o artigo de Ignacy Sachs, disponível na íntegra, sobre A Revolução Energética do Século XXI. Forma-se assim uma biblioteca personalizada que irá facilitar imensamente consultas posteriores, ou recomendações de leitura para alunos.

6. Como professor, recebo frequentemente textos excelentes dos meus alunos. Conheço suficientemente minha área para saber que se trata de um ótimo trabalho. Normalmente, ninguém o leria, pois o aluno não é conhecido. Eu coloco no blog, e envio um mailing para colegas e colaboradores, alertando para um bom texto que surgiu. Costumo receber agradecimentos do aluno, que viu o seu estudo solicitado por várias pessoas. Enterrar um bom trabalho numa biblioteca é uma coisa triste. De certa forma, utilizo assim o meu blog para “puxar” para a luz bons trabalhos de pessoas menos conhecidas.

7. Tudo isto está baseado no marco legal chamado Creative Commons, internacionalmente reconhecido, que me assegura proteção: as pessoas podem usar e divulgar, mas não utilizar para fins comerciais. Trata-se da plataforma jurídica da ciência colaborativa, instrumento que me protege ao impedir a apropriação comercial, a deturpação do texto ou o uso sem fonte, ao mesmo tempo que permite que o artigo seja imediatamente acessível para fins didático-científicos ou recreativos. O Google-Scholar me permite inclusive acompanhar as citações que fazem dos meus trabalhos.

8. Um aspecto muito enriquecedor do processo é que me permite utilizar texto, imagens e sons sem nenhum constrangimento em cada produção. Associo ao que escrevo ilustrações artísticas, fragmentos de um discurso ou animações gráfica, livremente – pois do lado de quem lê haverá a mesma facilidade. A experiência criativa fica particularmente valorizada, considerando as dificuldades de tentar se reproduzir determinados gráficos, que podem ser simplesmente copiados para o texto em elaboração, ao mesmo tempo que se inclui o link do texto de origem, ajudando a divulgá-lo e facilitando verificações. A multimídia bem utilizada é muito útil.

9. Trata-se de uma ferramenta em que o universo educacional, em particular, tem muito a ganhar. Em vez de o professor procurar em revistas das bancas de jornais artigos para discussão com alunos, pode pesquisar os textos online, e repassar para os alunos os links. Os alunos inclusive encontrarão diversos textos online sobre o tema, desenvolverão sua capacidade de pesquisar no imenso acervo digital, trarão para a discussão enfoques diversificados. Cabe a nós assegurar que haja um rico acervo de textos científicos disponíveis online, alimentando de certa forma o conjunto do universo educacional. O professor será aqui um pouco menos um transmissor de conhecimento, e bastante mais um organizador que ajuda a entender o que é relevante e ensina a trabalhar com conhecimento organizado.

10. O processo não conflita com o sistema atual de avaliação de professores. Para quem não é da área acadêmica, informo que o fato de milhares de pessoas lerem os meus textos online não me dá créditos acadêmicos. A minha solução é que publico, sim, em periódicos formalmente avaliados como “acadêmicos”, para ter os créditos que a CAPES me pede. Mas para ser lido, publico online. Uma coisa não impede a outra. Aliás, um artigo meu publicado pela universidade da Califórnia, por exemplo, e pelo qual não me pagaram, só pode ser acessado mediante pagamento de 25 dólares a cada 24 horas. Chamam isto de direitos autorais. Esperar ser lido nestas condições, francamente, não é muito realista. A Elsevier cobra entre 35 e 50 dólares por artigo e por acesso. Mais de 15 mil cientistas norte-americanos já boicotam as revistas ditas “indexadas”, e publicam em sites abertos, inclusive com open peer-review. Mas enquanto a CAPES não atualizar seus critérios, precisamos utilizar o papel e o digital – um para pontos, outro para leitores.

11. Com pequenos conselhos de alunos e colegas, fui acrescentando ao blog os instrumentos mais evidentes de comunicação. Abri a possibilidade de qualquer pessoa se inscrever para receber meus e-mails sobre materiais científicos que me parecem relevantes. Tenho atualmente mais de três mil “colegas virtuais”, a quem envio de forma não invasiva uma notinha sobre novos textos que surgem e que estão disponíveis no meu site. Uma aluna me colocou no twitter, são cerca de 3,5 mil seguidores que recebem os textos meus ou os que recomendo. O Facebook é outro instrumento, permite fazer circular o material. Portanto, minha biblioteca virtual não só organiza os textos que utilizo, como se comunica facilmente com todos os interessados, mesmo que não me conheçam.

12. Uma virtude básica do processo, que precisa ser entendida, é que os textos circulam não só porque alguém os coloca online, mas porque são interessantes. Não porque os donos da mídia os divulgam e recomendam, mas porque os usuários os acham bons. Quando me chega um bom texto, a primeira coisa que faço é repassar com comentários. Ou seja, o que passa a circular é o que é realmente bom, o que corresponde ao que as pessoas necessitam como informação científica organizada. Ao olhar as estatísticas de acesso aos meus trabalhos, posso identificar o que realmente está sendo lido, e pelos comentários posso avaliar insuficiências ou correções necessárias. O texto passa a constituir um processo interativo de construção científica.

13. Finalmente acho que, da mesma forma que temos pela frente a democratização da mídia – e surgiram excelentes alternativas de informação inteligente como Carta Maior, Envolverde, Mercado Ético, IHU, Outras Palavras, Monde Diplomatique e tantos outros – precisamos também criar um movimento do tipo “ciência livre”, que tire os nossos textos do esquecimento das bibliotecas. O Instituto Paulo Freire, por exemplo, ao constatar que com a lei atual de copyright só teremos acesso aberto aos textos do pedagogo a partir de 2050, colocou grande parte dos seus escritos online, com exceção de alguns trancados por contratos de direitos muito restritivos. É uma imensa contribuição. Mas acho que temos de fazer isto com todos os nossos grandes gurus, com os transformadores atuais da ciência, e com textos da nova geração que estão inovando. É incrível sermos inundados por bobagens nos meios de comunicação sem que o peçamos, e que dificultemos o acesso aos trabalhos científicos essenciais para o progresso educacional do país. Enterrar dissertações de mestrado e teses de doutorado em bibliotecas, elas que custaram anos de trabalho do professor e do pesquisador, é absurdo.

Permito-me aqui fazer uma recomendação para todos os professores. Organizem o seu blog, hoje umWordPress é gratuito e muito jovem lhe ensinará o caminho. Temos de dar este passo, e criar um ambiente rico e colaborativo no nosso mundo científico-acadêmico. Francamente, acho que faz parte da vocação do professor e do pesquisador não só ensinar e inovar, como organizar de forma moderna a comunicação das ideias que possam enriquecer a nova geração e enriquecer-nos uns aos outros. E se quiserem se inspirar do meu blog como estrutura e divisões (apanhei um pouco no começo até montar um formato adequado para professor), fiquem à vontade; eventualmente, posso até recomendar pessoas capazes de ajudá-los. Vamos encher este país de ciência, de boa ciência, progressista, transformadora.

Quanto ao medo das pessoas de nos vermos invadidos por ciência irresponsável, descontrolada, francamente, são os mesmos medos que surgiram com o open access, com a Wikipédia, e outros. Os textos ruins ou irrelevantes simplesmente não circulam, e não serão lidos. Um professor comentando o sistema de peer-review publicou online a seguinte nota a respeito: “Eu conheço a minha área, não preciso que alguém me diga se um artigo é relevante ou não”.

Imagem: Henri Matisse, Alegria de Viver

Ladislau Dowbor é professor de economia nas pós-graduações em economia e em administração da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), e consultor de várias agências das Nações Unidas. Seus artigos estão disponíveis online em http://dowbor.org




segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Josué de Castro e sua defesa da agricultura familiar no combate à fome

No último dia 24 (outubro) fez-se 40 anos desde a morte de Josué de Castro, o recifense que escolheu como objeto de estudo a fome. Desde que se formou em Medicina, na Universidade do Rio de Janeiro, em 1929, Josué de Castro entendeu que a fome é um fenômeno complexo.

Sara Brito

Uma equação que é influenciada por vários fatores e que afetava grande parte da população brasileira e mundial. Josué de Castro pensou e refletiu sobre temas de variadas áreas, como o meio ambiente, a paz e o subdesenvolvimento. Ele acreditava na multidisciplinaridade do trabalho científico. Mas dedicou a maior parte de seus esforços ao problema da fome e da miséria.

Um problema que ainda hoje é um dos maiores que a humanidade enfrenta. Segundo relatório divulgado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) em 2012, 925 milhões de pessoas de todo o mundo não comem o suficiente para serem consideradas saudáveis. A fome é a campeã na lista dos dez maiores riscos para a saúde. Ela mata mais pessoas por ano do que a AIDS, a malária e a tuberculose juntas. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS).

Esse enorme problema que ainda hoje mata milhares de pessoas, Josué de Castro já era de que só se resolveria quando os esforços se fizerem efetivos em diversos campos. “É o ideário do Desenvolvimento Humano Sustentável que, segundo ele, implica em mudanças sociais alinhadas às transformações tecnológicas, mas com respeito aos princípios ecológicos e geográficos. Deve-se entender o desenvolvimento como uma combinação de transformações quantitativas e qualitativas,” explica Pedro Israel, professor do Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Pernambuco e seguidor da linha de pesquisa de Josué de Castro.

O pensamento visionário de Josué o levou a se tornar presidente do Conselho Executivo da FAO, entre 1952 a 1956. Nesse cargo ele idealizou uma “reserva internacional contra a fome”, para ajudar países em situação emergencial. Por suas obras e pelo seu incansável combate à fome mundial, recebeu, em 1954, o Prêmio Internacional da Paz e foi indicado mais de uma vez ao Prêmio Nobel da Paz. O golpe militar de 1964, cassou seus direitos políticos ele ficou exilado em Paris, na França, onde morreu, em 1973, sem nunca ter retornado em vida ao seu país.

Fome é fruto da ação humana - Josué de Castro pensava na fome como um flagelo não-natural, “fabricado pelos homens, contra outros homens”, dizia ele. Sua opinião era de que a fome independe de fatos da natureza; ela é fruto das ações e escolhas dos seres humanos e da condução econômica que eles dão ao ambiente em que vivem. A comunidade internacional se surpreendeu e o aplaudiu por esses e outros pensamentos publicados, em 1946, em seu festejado livro “Geografia da Fome”. Nele Josué analisava hábitos alimentares de diferentes grupos humanos e tentava descobrir as causas naturais e sociais que os levavam a tais hábitos.

Josué de Castro acreditava que a estrutura de produção latifundiária e de monocultivo não condizia com a busca pela segurança e soberania alimentar, muito menos com o conceito de Desenvolvimento Humano Sustentável. Em suas próprias palavras, no “Geografia da Fome”: “Nenhum fator é mais negativo para a situação de abastecimento alimentar do país do que a sua estrutura agrária feudal, com um regime inadequado de propriedade, com relações de trabalho socialmente superadas e com a não utilização da riqueza potencial dos solos.”

Assim, acreditava piamente na qualidade que a agricultura familiar e a Reforma Agrária poderiam trazer para a vida das pessoas. Defendia que a agricultura familiar seria a melhor forma de manter o homem no campo e de possibilitar a sua alimentação. “Mesmo com os avanços tecnológicos na agricultura que resultaram em crescimento das nações, incluindo o Brasil, não ocorreu o correspondente desenvolvimento social equilibrado, pelo contrário, nos distanciamos da solução do problema, com favorecimento ao agronegócio,” afirma o professor Pedro Israel.

Incentivar o desenvolvimento da agricultura familiar, fez parte das defesas de Josué de Castro: “a intensificação do cultivo de alimentos sob a forma de policultura nas pequenas propriedades, realizada de forma sustentável e garantindo a fixação do homem ao campo”.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

A Segunda Guerra Mundial Vista do Espaço (Dublado HD Completo) The History Channel


Sinopse: Neste especial veremos os principais momentos da Segunda Guerra Mundial como nunca antes. Usando tecnologia de satélite e animações computadorizadas, para que possamos ter um contexto global da guerra, teremos novas informações e explicações diferentes sobre como uma nação militarmente classificada como a 19ª, em 1939, pôde chegar, seis anos depois, a ser uma potência mundial com armas nucleares. Do alto, poderemos reinterpretar a 2ª Guerra Mundial, colocando em perspectiva os acontecimentos cruciais, de uma maneira muito mais completa.


Documentário completo The History Channel
A Segunda Guerra Mundial Vista do Espaço (Dublado HD Completo)

terça-feira, 15 de outubro de 2013

A FILOSOFIA DO DIREITO EM KANT


I – INTRODUÇÃO




O presente trabalho visa, de forma despretensiosa, contribuir no sentido de trazer à lume alguns tópicos da filosofia do Direito na obra de Immanuel Kant, fazendo com que o legado jusfilosófico deste "Copérnico" venha, de alguma forma, contribuir não só para o desenvolvimento da problemática jurídica enquanto questão essencialmente teórica, como também na aplicação do Direito enquanto realização do justo, entendido tal conceito na forma esboçada por ROBERTO AGUIAR (1).

Cumpre-nos, inicialmente, situar Kant dentro do panorama filosófico de sua época para que possamos ter uma visão contextualizada da importância de sua obra. Nascido em Koenisgberg, na Alemanha, em 22 de abril de 1724, e educado sob o espírito pietista que caracterizava o protestantismo alemão da época, em 1740 ingressa na Universidade de Koenigsberg, dedicando-se inicialmente a Teologia e posteriormente às Matemáticas, às Ciências Naturais e à Filosofia. Passado alguns anos, por volta de 1770, é nomeado para a cátedra de Matemática, na mesma Universidade, que mais tarde trocaria pela de Lógica e pela de Metafísica, lecionando durante 26 anos e falecendo em 12 de fevereiro de 1804.


II - O DESENVOLVIMENTO FILOSÓFICO


O filósofo das três críticas, como mais tarde viria a ser conhecido, inspirou-se para a construção do seu sistema filosófico nas correntes que, até então, predominavam: o Racionalismo dogmático de DESCARTES, LEIBNIZ E ESPINOZA e o Empirismo cético de BACON, HUME E LOCKE. Os racionalistas acreditavam que a busca das verdades absolutas poderia (e deveria) ser feita sem a intervenção dos sentidos que, de certa forma, obstaculizavam o conhecimento e, por conseguinte, obscureciam a verdade. O conhecimento, para a doutrina racionalista, seria fruto de uma simples faculdade, a razão. ESPINOZA professava que "se encontrará a possibilidade de atingir as coisas particulares partindo do todo concreto, em que não haverá mais a dualidade de sujeito e objeto, pois no todo estes dois são idênticos" (2). Partindo deste raciocínio chegaríamos à conclusão que o todo na filosofia de LEIBNIZ corresponderia à figura de Deus que, através do seu conceito, unificaria as idéias e os seus objetos, o que dispensaria a causalidade entre as coisas e o conhecimento. Por outro lado, os empiristas creditavam todo o sucesso das suas investigações filosóficas à experiência. Quanto mais próximos dos sentidos e, logicamente, mais distantes da razão, mais seguro seria o conhecimento. Com os empiristas e, precisamente com BACON, não se colocaria mais o problema do conhecimento da "coisa em si", porque o intelecto somente conseguiria atingir, através da experiência, os fenômenos, aquilo que se perceberia sensorialmente. Daí o ceticismo desta corrente. Assim, para os empiristas, o conhecimento seria fruto de uma outra faculdade, a sensibilidade.

Durante a primeira parte de sua atividade filosófica, que alguns autores costumam dividir em quatro (3), Kant deixou-se levar pelo racionalismo dogmático tendo, mais tarde, sido desperto deste sono através do empirismo cético.

Ocorre que nenhuma destas correntes, se vistas isoladamente, responderia ao anseio filosófico de Kant. A primeira corrente, ao se ater somente à razão humana, não conseguiu criar uma teoria que explicasse a própria razão como elemento inconteste de todo o conhecimento, como assevera IRINEU STRENGER: "tecia uma rede metafísica e racional em torno do conhecimento de Deus, do mundo e da alma humana, sem ocorrer uma averiguação indagando com que direito confiava cegamente na pura razão humana em assuntos que sobrepassam todo os limites da experiência possível" (4). Cria-se na razão como uma fé. A Segunda corrente, por seu turno, afirmava que todo o conhecimento partiria da experiência, contudo não formulava princípios seguros que embasassem sua teoria: tendo a matemática e a física verdades necessárias e universais e sendo os dados da experiência contigentes e particulares, essa necessidade e universalidade não derivaria da experiência, teriam uma outra fonte e qual seria esta? (5)

É exatamente neste ponto do seu desenvolvimento filosófico que Kant aparece com suas três Críticas, fazendo confluir as doutrinas filosóficas anteriores, procurando uma resposta ao problema que ora se colocava: como chegar ao conhecimento sem cair nas antípodas do racionalismo e do empirismo. A resposta vem com a Crítica da Razão Pura (1781), Crítica da Razão Prática (1788) e Crítica do Juízo (1790). Com estas três obras Kant procura tanto responder a uma filosofia especulativa, essencialmente teorética, quanto uma filosofia prática.

Superficialmente, já que nosso intuito não é precisamente esboçar a teoria filosófica de Kant, mas tão somente verificar a contribuição de seu pensamento para a filosofia do Direito, arriscamo-nos a comentar, em síntese apertada, que dentro do sistema kantiano a razão pura haveria de ser um conjunto de conceitos puros "a priori", deduzidos pela razão da experiência, enquanto que a razão prática deveria abranger os princípios puros do exercício da razão pura prática no campo da Moral e do Direito.

Assim, a doutrina do Direito encontra-se inserta na obra kantiana na efetivação da razão prática, que proporciona os princípios básicos de sustentação a uma metafísica dos costumes. Ao justificar esta metafísica Kant assevera: "se um sistema de conhecimento ´a priori´ por puros conceitos se chama metafísica, uma filosofia prática, que não tem por objeto a natureza, mas a liberdade do arbítrio, pressuporá e requererá uma metafísica dos costumes" (6)

Vista como uma síntese da sensibilidade e do entendimento o conhecimento em Kant corresponde a uma correlação entre o sujeito e o objeto. "Nessa relação os dados objetivos não são captados por nossa mente tais quais são (a coisa em si), mas configurados pelo modo com que a sensibilidade e o entendimento os apreendem. Assim, a coisa em si, o ´númeno´, o absoluto, é incognoscível. Só apreendemos o ser das coisas na medida em que se nos aparecem, isto é, enquanto fenômeno." (7). Não conhecemos a realidade essencial, apenas a manifestação fenomenológica das coisas, adaptando-se estas à nossa faculdade e não o contrário (revolução corpernicana). A problemática do conhecimento em Kant é colocada de forma clara na obra de HABERMAS : "Com Kant, a tarefa prescutora das possibilidades do conhecimento delimitou o alcance da ciência - da crítica - fundando uma teoria do conhecimento imune às questões da compreensão do ser inscritas no indizível, indecifrável e ilimitado mundo metafísico. Desta forma a filosofia se presume um conhecimento antes do conhecimento, abrindo entre si e as ciências um domínio próprio do qual se vale para passar a exercer funções de dominação" (8). Veremos mais adiante que esta revolução copernicana opera-se com Kant principalmente na Ética. Cria-se, assim, um fosso intransponível entre a "coisa em si" e o fenômeno. Na palavras de CARLOS LOPES DE MATOS :"Dos fenômenos para uma realidade essencial há um passo que não podemos dar na hipótese do realismo mediato: esta realidade fica sendo incognoscível. Em conclusão, apenas as ciências tem valor. A metafísica teórica torna-se impossível, só se refazendo as verdade metafísicas por exigência da razão prática: o dever supõe a alma imortal, a liberdade e Deus" (9).

Esta ruptura laborada por Kant, colocando o ´ser´ como inatingível pelo pensamento humano, vem influenciar de forma explícita o pensamento jurídico de sua época, já que aquele permanece prisioneiro de suas próprias formas subjetivas de pensar, enquanto que o ´dever ser´ impõe-se à vontade humana. (10). Os filósofos do Direito após Kant passam a se posicionar ou segundo este, reduzindo o Direito a um mero ´dever ser´, sem relação com o ´ser´, como o fez brilhantemente KELSEN (11), ou buscando uma saída para a superação desta dicotomia, tentando deduzir o ´dever ser´ do ´ser´, já que para Kant isto seria impossível: "Para Kant, pois, o ´dever ser´ não pode ser deduzido do ´ser´, não se assenta na estrutura do fato, mas na racionalidade do Subjetivo" (12).

Somente com HUSSERL, através da fenomenologia jurídica, é que se vai superar a ruptura kantiana, tentando relacionar os dois mundos separados, permitindo uma correspondência entre o ´ser´ e o ´dever ser´, ou mais precisamente, entre o ser e o pensar. O Ego, agora com HUSSERL, volta-se intencionalmente para os objetos individuais, colocando-os em parênteses e, podendo desta forma captar o eidos, a essência ideal do objeto. Esta tentativa de superação da dicotomia kantiana, através da fenomenologia de Husserl, repercute no pensamento jurídico, sobremaneira nos trabalhos do jurista alemão ADOLF REINACH (13), que publicou um livro no qual o Direito era tomado através de uma ótica fenomenológica. Resta, inconteste, que o pensamento kantiano além de originalmente ter contribuído para o desenvolvimento da filosofia do Direito, despertou entre juristas da época e posteriores efervescentes discussões jusfilosóficas tanto no sentido de depurar as suas teorias, quanto no intuito de superá-las.

Apesar de ter publicados trabalhos anteriores é somente como a CRITICA DA RAZÃO PURA que Kant revela os três pontos de sua investigação filosófica : Que posso conhecer? Que devo fazer? E o que me é permitido esperar? Para a esfera do trabalho a qual nos propusemos, a segunda pergunta é que assume forma relevante. Trata-se de investigar a possibilidade da existência de princípios ´a priori´ do agir humano. Entretanto, isto só é possível na medida que exista uma razão pura prática, isto é, se a razão pura, poder ser, independente de qualquer motivo, prática. Este estudo será o objeto da CRÍTICA DA RAZÃO PRáTICA.

Antes, contudo, de partimos para A Critica da Razão Prática, seguindo o desenvolvimento lógico do pensamento kantiano analisemos, mesmo que superficialmente, a idéia contida na Crítica da Razão Pura.

Nesta obra toda investigação filosófica de Kant se volta para a correlação entre a objetividade da experiência possível e as condicionalidades ´a priori´ e constitutivas próprias do eu puro ou da consciência em geral. MIGUEL REALE, em artigo lapidar, na Revista Brasileira de Filosofia, pontua "É sabido que uma das contribuições fundamentais e decisivas de Kant consiste no reconhecimento da função ativa e constitutiva do espírito, enquanto dotado da faculdade de síntese ordenadora dos dados sensíveis, para a determinação da experiência e a constituição fenomênica dos objetos, pondo em correlação necessária a ´experiência possível´ com ´as condições lógicas de possibilidade´ inerentes ao sujeito cognoscente consideradas de maneira universal, isto é, não como individualidade empírica, mas como ´consciência em geral´". (14)

A teoria transcendental de Kant, que tem por objeto o conhecimento humano, constitui, na verdade, um método, que visa encontrar a possibilidade de juízos que venham revelar um conhecimento universal e que não seja tão somente um desdobramento do próprio conceito, isto é, do sujeito no predicado. Assim, pode-se afirmar que para Kant transcendente não é o que extrapola os limites da experiência possível, mas o que precede toda experiência, tornando possível o próprio conhecimento da experiência. "Si el conocimiento fuese transcendente, conoceria cosa externas; si fuese inmanente, sólo conocería ideas (lo que hay en mí). Mas el conocimiento es transcedental, es decir, conoce los fenómenos, las cosas en mí, lo que se me aparece como fenómeno" (15).

A Critica da Razão Pura foi escrita exatamente para determinar as possibilidades do conhecimento e os fundamentos de sua validade. Em Kant a metafísica ontológica é substituída pela metafísica transcendental que não se arroga mais no interesse de conhecer os objetos transcendentes, seu objetivo, com Kant, se encontra voltado agora para a estrutura do sujeito transcendental e, em última análise, as próprias formas e validades de se conhecer. Na obra em comento, Kant define os juízos ´a priori´ e ´a posteriori´, os juízos analíticos e sintéticos, que servirão de estrutura para o desenvolvimento de toda sua teoria.

O Juízo ´a priori´ constitui o conhecimento universal e necessário que não funda sua validade na experiência, como é o caso da matemática e da física. Já os juízos ´a posteriori´ têm na experiência o seu fundamento de validade.

Juízos analíticos são aqueles em que o atributo explicita o que já se encontra no sujeito (ex. os corpos são extensos, a esfera é redonda). Nestes casos o predicado já se encontrava contido no sujeito. Os juízo sintéticos, por sua vez, têm a particularidade do atributo acrescentar ao sujeito algo que anteriormente não lhe pertencia (ex. a mesa é de madeira, a cadeira é pesada). Há, ainda, as categorias ´a priori´ (espaço e tempo) com as quais o entendimento apreende e conhece as coisas.
Nos juízos sintéticos ´a posteriori´ a experiência me ensina que os atributos convém ao sujeito, contudo tais atributos, em razão do seu próprio fundamento, não podem ser considerados necessários e universais. Já nos juízos sintéticos ´a priori´ o atributo acrescenta algo ao sujeito, mas de uma forma universal e necessária (16).

Ultrapassando a Crítica da Razão Pura Kant vai se ater na ação moral, a qual afirma que somente será possível se a razão pura for também prática, ou seja, se ela não depender de nenhum fator externo, a não ser sua própria força interna. Este é o objeto de análise da Crítica da Razão Prática que passa a ser estudada na segunda fase do desenvolvimento de sua filosofia e é precisamente na razão prática que vai se situar o nascedouro de toda concepção jurídica kantiana, desenvolvida ulteriormente na Metafísica dos Costumes.

Não se pode negar a influência de ROUSSEAU nesta fase do desenvolvimento filosófico de Kant, bem como a forte educação pietista que recebera enquanto jovem. Com Rousseau aprende que a dignidade do homem esta fundada na sua moralidade.

Como dantes afirmado, a revolução corpernicana realizada por Kant ocorreu sobremaneira na Ética. O desenvolvimento da filosofia moral desde SÓCRATES, que voltara os olhos para a práxis humana ao invés dos deuses (17), centralizava-se principalmente sobre o objeto enquanto Kant, revolucionariamente, passa a visualizar o assunto sobre o enfoque do sujeito. Coloca a moral em 1ª pessoa ocorrendo, assim, o processo de interiorização do "eu". A filosofia volta-se ao próprio conhecimento, colocando-o em cheque, questionando os fundamentos de validade do próprio pensar. A metafísica passa a ocupar-se do estudo do sujeito transcendental (filosofia transcendental).


III - A FILOSOFIA JURÍDICA

A filosofia jurídica kantiana propriamente dita teve seu início na Crítica da Razão prática mas é principalmente no Metafísica dos Costumes (18) que Kant aprofunda o seu estudo jusfilosófico . Nesta obra o filósofo alemão retoma alguma conceitos já discutidos na Crítica da Razão Prática e os aprofunda. Suas principais preocupações e, por conseguinte, contribuições, são o desenvolvimento paralelo dos conceitos de Direito e moral, delimitando seus campos e traçando suas características fundamentais e a idéia da coação como nota essencial do Direito.

Kant observa na primeira parte da Metafísica dos Costumes que existe uma dupla legislação atuando sobre o homem, enquanto consciente de sua própria existência e liberdade: uma legislação interna e uma legislação externa. A primeira diz respeito à moral (ética no sentido estrito), obedecendo à lei do dever, de foro íntimo, enquanto a segunda revela-nos o Direito, com leis que visão a regulação das ações externas.

O paralelo entre moral e Direito norteia toda a obra jurídica deste autor, tendo a liberdade
como ponto nodal e pano de fundo desta relação. Kant observa que o verdadeiro critério diferenciador entre moral e direito é a razão pela qual a legislação é obedecida. Afirma que a vontade jurídica é heterônima, posto que condicionada por fatores externos de exigência da mesma, enquanto que a vontade moral é autônoma, já que o móbil desta é o dever pelo dever.
Desta forma a mera concordância com a norma, independente do móbil, encontra-se no plano jurídico da legalidade, enquanto que para o plano ético exige uma concordância com valores internos independente de inclinações. RAYMOND VANCOURT, comentando a moral dentro da visão kantiana, expõe: "Pode acontecer, de fato, que as nossas ações estejam materialmente conformes com o dever, mas que nós a façamos por interesse ou inclinação: é o que se passa com o comerciante que vende ao preço justo para manter a sua clientela, ou com o homem que ajuda o seu próximo unicamente por simpatia. Comportando-se desse modo eles permanecem no plano da legalidade. Esta exige apenas que se atue de acordo com a lei, pouco importando as intenções. A moralidade exige mais: que eu me conforme com e espírito e a letra da lei, que eu me conforme a isso por respeito por ela" (19).

Resta-nos a pergunta; por que se age por dever(moral) e conforme o dever (jurídica) e não de forma diversa? A Metafísica dos Costumes tem por objeto o estudo dos princípios "a priori" da conduta humana. Compreender as condições que estão submetidas o homem, libertas de toda mistura empírica e, dentro destas condições, a vontade, na concepção kantiana, a qual ocupa papel de destaque em sua filosofia, torna-se constituidora da ética. A vontade, para Kant, constitui a própria razão pura prática e sendo ela a mola propulsora da ética, seus princípios são erigidos à categoria do universal. Em outras palavras, a moral que estava centrada no individual e subjetivo agora com a razão torna-se universal e objetiva. Contudo, como assevera JOAQUIM SALGADO, esta ética para ser universal não pode ter a sua vontade dependente de uma matéria, precisa ser desprovida de conteúdo: "O ato moral tem de nascer da própria vontade que, concebida como desprovida de conteúdo e não se determinando por nada do exterior, mas por si mesma é vontade pura. Por isso ela mesma cria a lei a que se submete, a qual não é dada de fora por algum objeto ainda que esse seja concebido como bem supremo". (20)

Assim, os princípios desta moral partem do próprio sujeito, sem contudo poder ser considerada subjetiva, já que não são ditados pela sensibilidade, tratam-se de conceitos derivados da vontade pura ou "a priori" da razão. Ao agir sobre tal ordem o homem cria princípios universais que devem ser seguidos por todos. Agindo eticamente o homem não age por si próprio mas por toda a humanidade. Introduz, portanto, a existência do dever como uma forma "a priori" da razão, que traduz-se no imperativo categórico traduzido por ele nos seguintes termos: "obra conforme a una máxima tal, que a la vez pueda servir de Ley universal" (21).

Concluímos, assim, que a moral (ética no sentido estrito) kantiana é visualizada sob uma ótica puramente formal, sem prescrição de nenhum conteúdo. O dever moral é formal (dever por dever), agindo-se apenas por respeito ao dever.

Por seu turno, diferentemente da legislação moral que tem como princípio fundamental o imperativo categórico (22), enquanto postulado da razão pura prática, a norma jurídica tem como regra um dever exterior, império de uma autoridade investida de poder coativo.

Não podemos esquecer que para Kant tanto o Direito quanto a moral têm a sua estrutura de justificação na liberdade (23) e que a diferença entre um e outro reside no fato de que na moral a força coativa é interna e oriunda da própria razão pura prática enquanto que no Direito é externa e visa a garantia da liberdade do outro.

Ainda respondendo a indagação anterior, Kant afirma que o dever se assenta no princípio da liberdade, sem a qual aquele não seria possível. Aduz, ainda, que o dever constitui uma vinculação humana à lei. Entrementes, age-se de acordo com a lei moral, respeitando-a, somente quando esta é fruto da própria vontade e produto da vontade pura ou da razão pura prática. Para Kant dever moral e dever jurídico não se diferenciam pela substância. Para a ação moral o homem age por dever e para o Direito conforme o dever e para ambos os casos o dever só é cumprido porque derivada da vontade como razão pura prática, sob o imperativo categórico da razão.

Retomando a doutrina do jurista alemão THOMASIUS, Kant assevera o caráter coativo do Direito e toma este como sua nota característica. Diferente de seus antecessores coloca a coação como nota essencial do Direito, trazendo-a para dentro do Direito. Por isso Kant fala mesmo de coação e não de coercibilidade. Não seria mais a faculdade de coagir quando alguém estivesse agindo contrário ao Direito, mas que em toda estrutura do Direito a coação estaria inerente, como uma malha intrínseca permeando toda a ação humana que se projetasse para o exterior, já que o Direito só cuidaria das ações exteriorizadas, projetadas para fora do ser humano (ao contrário da moral). Mais tarde se afirmaria que o Direito não cuida tão somente daquilo que se exteriorizaria, mas levaria em conta o próprio mundo da intenção. (24)

A pergunta que se coloca agora é como a coação entraria como nota característica do Direito se o conceito de liberdade encontra-se subjacente à idéia de Direito. Kant pontua que a minha ação será justa se puder conviver com a liberdade do outro, segundo leis universais e, contrario sensu, será injusta a ação do outro que me impeça de agir desta maneira. Cria, assim, o imperativo categórico do Direito como decorrência lógica do imperativo categórico da moral: "Age externamente de tal modo que o livre uso do teu arbítrio possa coexistir com a liberdade de todos segundo uma lei universal".

Destarte, tudo aquilo que exerce coação à minha ação justa constitui um obstáculo à liberdade, necessitando, assim, de uma coação contrária e justa. Demonstra-se o próprio caráter ético da coação dentro do Direito. "Além disso, a coação que o outro me exerce, contrária à minha ação justa, é um obstáculo à liberdade. O obstáculos ao obstáculo à liberdade é justo, porquanto concorda com a liberdade segundo leis universais. Assim, a coação é conforme ao Direito, ou seja, Direito e faculdade de coagir significam a mesma coisa" (25). Compatibiliza, por conseguinte, a idéia de coação e liberdade, como sendo aquela não antagônica mas necessária mesma a idéia desta.

Na busca do conceito de Direito Kant afirma a impossibilidade de encontrá-lo pela via empírica, apenas com a observação do direito positivo. Para ele o grande erro dos juristas de até então foi a procura do conceito na manifestação do Direito, enquanto legislação positiva, quando deveriam ter ido atrás daquilo que era essencial. A procura deveria ser feita nos princípios "a priori" da razão pura prática. Para Kant são três os elementos que compõe o conceito de Direito: "em primeiro lugar, este conceito diz respeito somente à relação externa e, certamente, prática de uma pessoa com outra, na medida em que suas ações, como fatos, possam influenciar-se reciprocamente; em segundo lugar, o conceito do Direito não significa a relação do arbítrio como o desejo de outrem, portanto com a mera necessidade (bedürfnis), como nas ações benéficas ou cruéis, mas tão só com o arbítrio do outro; em terceiro lugar, nesta relação recíproca do arbítrio, ao fim de que cada qual se propõe com o objeto que quer, mas apenas pergunta-se pela forma na relação do arbítrio de ambas as partes, na medida que se considera unicamente como livre e se, com isso, ação de um poder conciliar-se com a liberdade do outro segundo uma lei universal". (26)

Acentua-se o caráter tipicamente formal do Direito para Kant, independente de conteúdo, prescrevendo um complexo de condições através de uma liberdade formal de arbítrios, para uma possível coexistência destes próprios arbítrios.

Assevera, por fim, o seu o conceito de Direito: "O conjunto de condições sob as quais o arbítrio de cada um pode conciliar-se com o arbítrio dos demais segundo uma lei universal da liberdade" e deste extrai o seu princípio universal: "Uma ação é conforme ao Direito quando permite, ou cuja máxima permite, à liberdade do arbítrio de cada um coexistir com a liberdade de todos segundo uma lei universal" (27)


IV - CONCLUSÃO

Dentro daquilo que inicialmente foi proposto, ou seja, trazer à baila alguns pontos da filosofia Kantiana e a sua influência para o Direito, eram estas as considerações a fazer, reconhecendo que, complexo e extenso, o tema é fonte inesgotável para todos os estudiosos da Filosofia e do Direito, uma vez que a influência deste filósofo germânico para a história do pensamento humano foi imensa. Suas idéias foram decisivas no surgimento do idealismo alemão. A releitura de sua obra feita pelos neokantianos, a inspiração a movimentos filosóficos como a fenomenologia e o existencialismo já atestariam o tamanho da reviravolta que causaria este filósofo no desenvolvimento da filosofia moderna.

Ademais, sua contribuição para a Doutrina do Direito foi incomensurável. Aprofundou e sistematizou a teoria de Thomasius, descrevendo um paralelo entre moral e Direito. Introduziu no conceito de Direito a idéia de coação, tomando esta como nota característica daquele. Sem mencionar que o conceito de liberdade e justiça não podem ser hoje estudados sem se ter como norte a obra deste pensador.


NOTAS

Aguiar, Roberto A R. de. O que é Justiça - Uma abordagem dialética. São Paulo. Ed. Alfa-Ômega, 1982, p. 27

Matos, Carlos Lopes de. Vista Geral da Filosofia Moderna -Revista Brasileira de Filosofia, vol XXXII, pag. 408.

Como observa IRINEU STRENGER a atividade filosófica de Kant divide-se em quatro grandes períodos: O primeiro vai até 1760 e nesta época Kant ainda é racionalista e dogmático. Sua filosofia se desenvolve dentro dos limites traçados por LEIBNIZ-WOLF, atraindo-o, nesta época, as ciências naturais mais que a metafísica pura. O segundo período vai de 1760 a 1769, é o empirismo-cético. Neste período sua maior preocupação é a crítica ao racionalismo, analisando o valor da lógica pura e chegando à conclusão que esta nunca dará ao conhecimento resposta que se espera. Afirma, ainda neste período, após as leituras de HUME, ter despertado do sono dogmático, que a razão jamais poderá descobrir o porquê da causalidade na natureza e o que se possa saber a respeito, deve ser obtido na experiência. O terceiro período, que vai de 1770 até 1780 é um período de transição, em que aprofunda seu pensamento crítico. O quarto último período é o criticista com a publicação de seus grandes livros, que vai de 1781 até a sua morte (Strenger, Irineu. Temas de Formação Filosófica. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais. 1986. P. 48-9)

strenger, Irineu, p.47

Vancourt, Raymond. Kant. Lisboa, Ed. Edições 70. P. 19.

Kant, Imannuel. Crítica da Razão Pura. Lisboa. Ed. Calouste GulbeKian, 1985, p. 87

Leite, Flamarion Tavares. O Conceito de Direito em Kant. São Paulo. Ed. Cone., p. 30

Habermas, Jürgen. Consciência Moral e Agir Comunicativo. Apud Chueri, Vera Karan de. Filosofia do Direito e Modernidade. Ed. JM. 1995, p. 15-16.

Cf. Mattos, Carlos Lopes de, cit., p. 408

A vontade aparece na obra Kantiana desempenhando um papel fundamental. Ela é a própria razão pura prática, podendo a liberdade ser explicitada a partir do conceito de vontade. Ela é, por conseguinte, ´a faculdade de desejar não em relação à ação como arbítrio (Willkür) -, mas em relação ao fundamento de determinação do arbítrio´ (Op. Cit, p. 47).

"Do fato de algo ser não pode seguir-se que algo deve ser; assim como do fato de algo dever ser não pode seguir que algo é. O fundamento de validade de uma norma apenas pode ser a validade de uma outra norma" ( Kelsen, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo. 1997, Trad. João Batista Machado. Ed. Martins Fontes, p. 215)

Salgado, Joaquim Carlos. A Idéia de Justiça em Kant-Seu Fundamento na Liberdade e na Igualdade. Minas Gerais. 1986. Ed. EDH- UFMG, p. 175.

Sustenta REINACH que o conhecimento jurídico se processa exatamente como se propõe na gnosiologia husserliana: o pensamento está intencionalmente voltado às vivências determinadas do mundo jurídico (são as experiências do Direito Positivo ou as situações jurídicas concretas; pondo entre parêntesis, desconectando esta realidade empírica do Direito, capta a inteligência o Eidos jurídico, os conceitos jurídicos, que são estruturas ontológicas imanentes e ´a priori´, condicionantes da experiência particular" (Mendoça, Jacy de Souza. Problemática Jurídico Filosófica Atual. Revista Brasileira de Filosofia. Vol. XXI, fasc. 81, p. 53.

Reale, Miguel. Meditações Sobre a Experiência Ética. Revista Brasileira de Filosofia. Vol XVII, faz. 68, out-dez/67,p. 382.

Martínez Paz, E. Influência de Kant sobre a Filosofia jurídica contemporânea -Córdoba, 1925

O que há de necessário e universal no conhecimento é oriundo de sua própria razão, de suas estruturas intrínsecas, que são as condições ´a priori´ transcendentais procuradas por Kant.

. "Sócrates realiza também a passagem do ´logos´ mítico das narrações cosmogônicas, teogônicas e heróicas, que constituem modelos indiscutíveis de comportamentos na esfera da práxis, para o de ´logos´ epistêmico, como discurso que demonstra por meio dos fatos ou da razão, de modo reflexivo ou crítico". Cf. Joaquim, Carlos Salgado. Cit. P. 148

que divide-se em duas partes: A Doutrina do Direito e a Doutrina da Virtude

Cf. Vancourt, Raymond. Cit. p. 33. Kant foi acusado por alguns filósofos de sua época de excesso de rigorismo, como foi o caso SCHILLER.

Cf. Salgado, Joaquim Carlos. Cit. p. 159

Juntamente com este imperativo categórico Kant nos oferece mais outras duas formas: "Obra de tal manera, que la persona humana, ni en ti, ni en otras, sea tomada nunca como un simple medio, sino como fin" e ainda " Obra de tal manera, que tu voluntad sea fuente de legislación universal"

"Age como se a máxima de tua ação se devesse tornar, pela tua vontade, em lei universal da natureza"

"Justa é somente a ação, sob cuja a máxima a liberdade de arbítrio de cada um pode coexistir com a liberdade de todos. A liberdade é a condição de toda vida moral e, portanto, também do direito. Nenhum direito e nenhum dever tem sua origem noutra coisa senão na liberdade: von der alle morallische Gesetze, mithin alle Recht, sowohl als Pflichten ausgehen". Cf. Salgado, Joaquim Carlos. Cit p. 253.

"Por outro lado se é certo que o Direito só aprecia ação enquanto projetada no plano social, não é menos certo que o jurista deve apreciar o mundo das intenções. O foro íntimo é de suma importância na Ciência Jurídica" Reale, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo, Ed. Saraiva. 10ª edição. 1983, p. 55.

Kant, Imannuel. Princípios Metafísicos da Doutrina do Direito. Apud, Leite, Flamarion Tavares. Cit. p. 37

Kant. Imannuel. Princípios Metafísicos da Doutrina do Direito. P. 336, Apud Op. Cit p. 68-69.

Cf. Leite, Flamarion Tavares. Cit. p. 70.


BIBLIOGRAFIA

Aguiar, Roberto A. R. de. O que é Justiça - Uma Abordagem Dialética. São Paulo. Ed. Alfa-ômega, 1982.

Matos, Carlos Lopes de Matos. Vista Geral da Filosofia Moderna. Revista Brasileira de Filosofia, vol. XXXII.

Strenger, Irineu. Temas de Formação Filosófica. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais. 1986.

Kant, Imannuel. Crítica da Razão Pura. Lisboa. Ed. Calouste GulbeKian, 1985

------------------- Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Lisboa. Ed. 70.

------------------- Prolegômenos a toda Metafísica futura que queira apresentar-se como Ciência. Lisboa. Ed. 70.

--------------------Crítica da Razão prática. Rio de Janeiro. Ed. Tecnoprint

Vancourt, Raymond. Kant. Lisboa, Ed. Edições 70

Habermas, Jürgen. Consciência Moral e Agir Comunicativo. Apud Chueri, Vera Karan de. Filosofia do Direito e Modernidade. Ed. JM. 1995

---------------------- Conhecimento e Interesse. Rio de Janeiro. Ed. Guanabara, 1987.

Leite, Flamarion Tavares. O Conceito de Direito em Kant. São Paulo. Ed. Cone

Mendonça, Jacy de Souza. Problemática Jurídico Filosófica Atual. Revista Brasileira de Filosofia. Vol. XXI, fasc. 81,

Reale, Miguel. Meditações Sobre a Experiência Ética. Revista Brasileira de Filosofia. Vol. XVII, faz. 68, out-dez/67

-------------------- Lições Preliminares de Direito. São Paulo, Ed. Saraiva. 10ª edição. 1983,

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Oliveira, Samuel de. O Kantismo no Brasil. Revista Brasileira de Filsosofia Vol. XV. Fasc. 58.

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Salgado, Joaquim Carlos. A Idéia de Justiça em Kant-Seu Fundamento na Liberdade e na Igualdade. Minas Gerais. 1986. Ed. EDH- UFMG

Bobbio, Noberto. Direito e Estado no Pensamento de Emanuel Kant. Ed. UNB, 1995. 3ª.edição.

Terra, Ricardo Ribeiro. A Distinção entre Direito e Ética na Filosofia Kantiana. Porto Alegre. Filosofia Política 4. Ed. L& Pm.

Renato Vasconcelos Magalhães

Vice Presidente do Fórum Nacional de Juízes de Juizados da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher - FONAVID. Juiz titular do Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Mossoró (RN). Doutor em Direito.