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sábado, 22 de dezembro de 2012

A CONCEPÇÃO ARISTOTÉLICA DE JUSTIÇA


Rafael Gondim D`halvor Sollberg
Advogado, especialista em Direito do Consumidor, 
Pós-Graduado pela Universidade Candido Mende


INTRODUÇÃO

             O presente trabalho busca compreender a idéia de Justiça em Aristóteles, estudando principalmente a sua Ética a Nicômaco, especificamente o Livro V, discorrendo sobre sua ética de virtudes e suas modalidades de Justiça, divididas em Geral e Especial, esta última dividida em distributiva e corretiva, e a segunda, por sua vez, divida em comutativa e judicial. Analisando sua importante obra sobre a Justiça e sua relevância para todo o pensamento Ocidental.

1 ARISTÓTELES

            O grande filósofo grego, filho de Nicômaco, médico de Amintas, rei da Macedônia, nasceu no ano 384a.C, em Estagira, colônia grega da Trácia, no litoral setentrional do mar Egeu. Aos dezoito anos, em 367a.C, vai para Atenas e ingressa na Academia Platônica, onde fica por vinte anos, até a morte do Mestre. Nesse período, estuda também os pensamentos pré-platônicos, que lhe foram úteis para a construção de seu grande sistema filosófico.
            Estudiosos especulam que ele se mostrava como alguém que falava com uma pronúncia defeituosa, preocupava se em demasia com a aparência e tinha grande carinho pela família, alunos e seus dependentes, dos quais sempre cuidava com muito afeto. Para sustentar esse fato, podemos nos reportar a uma cláusula de seu testamento, em que emancipa alguns de seus escravos preferidos.
           Fato notório, que foi professor e mentor de Alexandre, o grande, um dos maiores conquistadores que o mundo já viu, rei da Macedônia, passando a ele todos os seus conhecimentos técnicos e morais, inclusive ensinando-lhe famosas táticas de guerra.
            Provavelmente, nenhum pensador tenha sido mais influente que Aristóteles, através dos tempos. Durante alguns séculos após sua morte, sua obra não chega a ter o reconhecimento merecido, mas nos últimos 700 anos, quase todos os homens cultos do mundo Ocidental, passam a estudar.
            Religiosos de todas as partes procuram relacionar sua fé com as idéias de Aristóteles, desde os escolásticos cristãos, passando por teólogos muçulmanos, e estudiosos judeus.
            Experiências e investigações do Estagira dão origem e constituem-se em momentos importantes de diversas disciplinas, como a Ética, a Política, a Estética, a Biologia, a Psicologia, a Lógica, etc. Ele é o primeiro a identificar, separar e classificar, reconhecendo que cada uma delas tinha métodos e técnicas peculiares, e dedica-se a quase todos os ramos do conhecimento.
            Outrossim, de todos os filósofos da antiguidade, é Aristóteles quem desenvolve, mais precisamente, os temas ligados à filosofia do Direito, apresenta as primeiras noções sobre Justiça, dentro de uma perspectiva jurídica. Conceituando-a, enfocando-a sob o contexto da “Pólis”, isto é, mencionando sua relevância na estrutura da elaboração da lei e do Direito, necessários à vida social, dentro da cidade-estado.           
            Existem grandes trabalhos de Aristóteles, onde o tema central é a Ética; um deles é a “Ética a Nicômaco”, batizada com o nome do seu filho; o outro estudo é a “Ética a Eudemo”, escolhido em homenagem a um de seus alunos. A primeira é a mais completa, onde ele desenvolve uma madura teoria da Justiça, precisamente no Livro V, e cuja influência chega até os dias atuais, como objeto de estudo de muitos juristas famosos, e como objeto de reflexão deste trabalho.
2 ÉTICA A NICÔMACO

            Ligadas à doutrina da Justiça, criada por Aristóteles, devemos destacar uma trilogia de obras, não pertencentes a um mesmo período, composta pela “Magna Moralia”, conhecida como a “Grande Ética”, pela “Éthica Eudemia”, chamada de “Ética a Eudemo”, e pela “Éthica Nicomachea” famosa com o titulo “Ética a Nicômaco”.

            Na “Ética a Nicômaco” o filósofo procura não se afastar da idéia tradicional de Justiça, como uma virtude ética por excelência e resolve analisar os diversos sentidos da palavra, correlacionando-a com a sua antítese, a injustiça, elaborando assim a eqüidade, que para ele é a melhor espécie de justiça. “A eqüidade, ao contrário, por sua própria natureza, visa a corrigir a lei quando esta se demonstra incompleta, para abarcar o caso especial e concreto, que foge à aplicação genérica” [i], assim como, “toda lei (nómos),tem um enunciado necessariamente geral, pois o legislador leva em consideração, tão-só, os casos mais freqüentes. Nesse sentido, a lei se distingue do decreto (psephisma), que atende a situações específicas e concretas. Ao surgir um caso não incluído de modo explícito no texto da lei, é de justiça interpretá-la num sentido mais preciso e concreto, a fim de estender a norma genérica à hipótese em questão, atendendo-se, assim, mais ao espírito do que a letra da lei.”[ii]  Para o filósofo, a virtude da "justiça política”, na verdade se divide em duas categorias, “uma natural (phisykon) e a outra legal (nómikon), Natural é a que em todo lugar tem a mesma força e não depende dessa ou daquela opinião.Legal, a que na origem pode ser, indiferentemente, esta ou aquela; mas que uma vez estabelecida, impõe-se a todos.”[iii] Nesse mesmo diapasão, o pensador afirma que de todas as virtudes, somente a justiça se ocupa do bem alheio.

            Aristóteles entende o principio da igualdade, através de duas formas fundamentais: da Justiça como virtude geral e como virtude especial, a segunda originando a “Justiça distributiva” e a “Justiça Corretiva”, e essa por sua vez subdividida em “Justiça Comutativa” e “Justiça Judicial”. 
2.1 A Justiça como virtude geral
            Em sua tese, Aristóteles observa que no plano individual, as virtudes morais equilibram as ações de cada um, conduzindo a um justo meio-termo; assim também, no plano coletivo, atua uma virtude moral que é a Justiça. Esta procura sempre o equilíbrio e a eqüidade na comunidade política, conhecida como “Polis”.

            Assim, ela é o ponto de encontro da sua Ética com a sua Política. Nesse sentido as virtudes morais adquirem da Justiça sua forma plena, ou seja, o seu significado social, tornando-se esta a base da moralidade da vida política.
            No tratado Ética a Nicômaco, ele observa inicialmente a virtude da Justiça, sob um aspecto legal. Desse modo, como virtude moral, ela é o sentimento interior e subjetivo que conduz o individuo à obediência do que a lei prescreve; essa é a sua primeira função. Dessa maneira, o meio-termo, é o que a legislação define entre a ação de fazer e a ação de não fazer.
            A Justiça legal regula as relações sociais entre cidadãos livres e iguais, determinando que o justo meio da ação virtuosa é o tratamento igual ou, como constatamos, o que mais tarde se tornou o principio da isonomia.
            Por outro lado, fica também definido que o oposto à Justiça, a injustiça ocorre da não observância da lei, e do tratamento desigual entre semelhantes, “o homem justo é aquele que se conforma à lei e respeita a igualdade; injusto é aquele que contraria a lei e a igualdade”[iv].
            A legislação prescreve todos os atos de bondade e Justiça como regra e, conseqüentemente, proibindo todos os atos que vão de encontro a esse preceito; esses podemos chamar de vícios.
            Ademais, cumprir a lei nada mais é do que praticar todos os atos virtuosos, individualmente e coletivamente. “Essa forma de Justiça é, portanto, uma virtude completa, não em sentido absoluto, mas nas nossas relações com os outros. É por isso que muitas vezes a Justiça é considerada como virtude mais perfeita e nem a estrela vespertina e nem a estrela matutina são mais admiradas que ela”[v].
            Essa matéria tem como principal função regular as relações entre os cidadãos, exercendo uma tarefa geral, aperfeiçoando o individuo e suas virtudes, procurando o “bem” alheio.                                   
            Em resumo, a Justiça em questão é a virtude completa, pois determina o cumprimento das leis e o respeito à igualdade entre todos os cidadãos; ela é uma “virtude inteira”, assim como a justiça é o “vicio inteiro”.
            Ele refere-se também a uma “Justiça especial”, muito próxima do Estado e do Direito, a uma “Justiça comutativa” e a uma “Justiça distributiva”
            Finalmente, “o homem mais perfeito não é aquele que exerce sua virtude somente para si mesmo, mas aquele que a pratica também, em relação aos outros, e isso é uma obra difícil”[vi].
2.2 A Justiça Distributiva

            Ao elaborar um pensamento, através de uma medida geral, considerada como “virtude”, o pensador, também formula uma teoria da Justiça, como medida axiológica para o Estado e o Direito, uma forma particular desta medida, que pode ser relacionada a todas as virtudes relativas à comunidade e à política, por intermédio de uma igualdade proporcional.

            O ilustre filósofo dizia que “a virtude da Justiça é a essência da Sociedade Civil”[vii].
            A Justiça Distributiva é explicada na Ética a Nicômaco, como aquela que se aplica na repartição das honras e dos bens da comunidade, segundo a noção de que cada um perceba o proveito adequado a seus méritos. Contudo, artificialmente de um modo metafórico, significa sua realização através de um critério de Progressão Geométrica.
            O principio é o da igualdade proporcional, “a conjunção do primeiro termo de uma proporção com o terceiro, e do segundo com o quarto, e o justo nesta acepção é o meio-termo entre dois extremos desproporcionais, já que o proporcional é um meio termo, e o justo é o proporcional”[viii]. Conseqüentemente, podemos afirmar que, o justo é o proporcional e o injusto é o que quebra a proporcionalidade.
            Partindo daí, podemos observar claramente a presença da Justiça distributiva nos dias atuais, como o princípio geral das igualdades das relações jurídicas e da justa repartição de bens. Um exemplo disto é o dispositivo constitucional que versa “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”[ix].
            Essa modalidade regula as relações entre a sociedade e seus membros, enquanto a Corretiva ordena as relações dos membros entre si.
2.3 A Justiça Corretiva

            A espécie Corretiva é a segunda prevista na Ética a Nicômaco. Ela resulta em um “principio corretivo” frente às relações privadas, sejam elas voluntárias ou involuntárias, as primeiras, contratuais, e as últimas delituosas. O principio da igualdade é encarado de forma diversa, em proporção matemática, cuidando somente de medir os ganhos e perdas de modo impessoal, as coisas e as ações são levadas em conta pelo seu valor objetivo, e não mais pela qualidade das pessoas.
            Essa idéia de Justiça fica centrada no ponto intermediário, no meio termo entre a vantagem e o dano, ou na correspondente entre o delito e a pena. Em resumo, todas as relações de troca, sejam penais ou civis, são objetos dessa figura Corretiva.
            Como subdivisão desta última, temos a Justiça Comutativa, que tem sua origem no latim “comutare”, que pode ser traduzido por “trocar”. Ela tem o intento de regular as relações de troca em conformidade com certa medida, é aplicada nas relações voluntárias, visando à igualdade entre o que se dá e o que se recebe, entre a prestação e a contraprestação; tendo como principal meta ordenar as relações jurídicas. Portanto, é bilateral e sinalagmática, tem por finalidade estabelecer a igualdade das relações entre os particulares, de modo a adequar-se caso a caso, para a efetivação de uma real isonomia aritmética. 
            Partindo do que diz Aristóteles, a manifestação mais clara dessa forma de Justiça, na atualidade, aparece no Direito Civil, na forma da Responsabilidade Civil e no Direito Contratual.
            A segunda subdivisão é a Justiça Judicial, aquela que é aplicada em casos de violação, exigindo uma igualdade proporcional entre o dano e o ressarcimento, entre o delito e a pena, fazendo prevalecer o critério eqüitativo nas controvérsias que exigem a presença do juiz. Aristóteles salienta que “um homem é injusto quando seu ato viola a proporção da igualdade”[x].
            Por fim, considerando a proporção matemática que norteia a Justiça Corretiva, é irrelevante se uma pessoa boa lesa uma pessoa má, ou vice-versa; elas serão tratadas igualmente. O que é levado em conta é o ganho do infrator e a perda da vítima, procurando um meio termo, entre eles, o que será igual ao justo.                      
CONCLUSÃO:
            Aristóteles foi quem mais se aproximou da perfeição, seu pensamento foi o ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades revolucionaram a concepção Ocidental de Justiça. Em seu livro “Ética a Nicômaco”, ele consegue de, uma forma extraordinária, dividir a Justiça em duas vertentes, como virtude geral e como virtude especial. A primeira possui um caráter moral pessoal, uma espécie de Justiça interior, enquanto a segunda tem uma conotação reguladora, regendo as relações entre os cidadãos, seja de uma forma distributiva ou de uma forma corretiva. Essa linha de raciocínio é tão magnífica, que está inserida em alguns princípios da nossa legislação atual, fazendo-nos refletir que apesar desse imenso espaço temporal, Aristóteles conseguiu formular uma idéia madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaço. Devemos prestar atenção ao fato de que a Justiça Aristotélica está sempre fundada na ética e na virtude, sendo assim, na consciência moral de cada um.
REFERÊNCIAS

[i] (Aristóteles apud Paupério A.M, Introdução à ciência do direito, 4ª edição, ed: forense, pág. 67).

[ii] (Aristóteles apud Comparato, F.K, ÉTICA, 1ª edição,  companhia das letras, pág. 528)

[iii] (Aristóteles apud Comparato, F.K, ÉTICA, 1ª edição,  companhia das letras, pág. 106)

[iv] (Aristóteles apud Pegorato OA, Ética é Justiça, 9ª edição, vozes, pág. 32).

[v] (Aristóteles apud Pegorato OA, Ética é Justiça, 9ª edição, vozes, pág. 32 e 33).

[vi] (Aristóteles apud Pegorato OA, Ética é Justiça, 9ª edição, vozes, pág.  33).

[vii] (Aristóteles apud Pegorato OA, Ética é Justiça, 9ª edição, vozes, pág. 31).

[viii] (Aristóteles apud Morris.C, Os grandes Filósofos do Direito, Martins fontes, 2002, pág. 9).

[ix] (Constituição da Republica Federativa do Brasil, Titulo II, Capitulo I, art 5º caput, promulgada em 05 de outubro de 1988, pág 80, Saraiva, 25ª ed, 2000).

[x] (Aristóteles apud Pegorato OA, Ética é Justiça, 9ª edição, vozes, pág. 35).


Fonte: 
http://www.artigonal.com/doutrina-artigos/a-concepcao-aristotelica-de-justica-550535.html

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