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sexta-feira, 31 de outubro de 2014

O DIREITO COMO OBJETO DA JUSTIÇA: A VISÃO JUSNATURALISTA DE TOMÁS DE AQUINO

O Direito e a Justiça sempre foram questões discutidas nos diversos sistemas filosóficos e jurídicos ao longo da história. No século IX, como consequência do renascimento carolíngia, surgem várias escolas que cultivavam certo saber filosófico e teológico e que proporcionavam consideráveis debates jusnaturalisticos. Esse movimento intelectual produzido nas escolas e que uniu a filosofia e a teologia foi chamado de Escolástica e teve como maior expoente Tomás de Aquino (1225 – 1274). A escolástica pré-tomista ainda vivia direcionada ao movimento platônico-agostiniano e ocupava-se em discutir os problemas da época por um idealismo ontológico. No século XIII as questões filosóficas tomam outro rumo. Há uma tentativa de introduzir o aristotelismo, principalmente nas obras de Anselmo Magno (1193 ou 1206-7-1280), Bispo da Igreja Católica, filósofo, teólogo e professor do Doctor Angelicus. O quarto Concílio de Latrão combateu as heresias dos cátaros, principalmente em relação à origem do mal, e deslocou o centro de gravidade do problema para a questão histórico-ética, afirmando que o mal é um problema de ordem moral. Com essas discussões, Tomás de Aquino rompe com o idealismo ontológico platônico-agostiniano e, com o aristotelismo, direciona suas especulações para o âmbito do realismo moderado. Nesse contexto, a Justiça não é mais um fim, como um prêmio recebido após uma vida reta, justa e virtuosa, mas um meio. Ela não se encontra na Cidade de Deus de Agostinho de Hipona, mas na virtude aristotélica.

Para o aquinate, a justiça tem a finalidade de orientar e retificar as ações humanas. “Uma tal compreensão da justiça lhe confere o primeiro lugar na constelação das virtudes, reconhecendo-lhe a dignidade de uma finalidade ou de um valor último, ao qual se vincula o domínio das paixões como uma condição prévia e uma exigência constante”. (AQUINO, 2005, p. 43). Tomás de Aquino discute a justiça em volto a elementos essenciais para sua conjuntura, quais sejam: a alteridade das pessoas, o direito estrito e a verdadeira igualdade, suscetível de ser estabelecida segundo uma medida objetiva. Tais elementos formam o cerne do seu jusnaturalismo, que desemboca na justiça distributiva e na justiça comutativa, suas espécies.

O homem só pode alcançar a virtude da justiça na relação com o outro, pois “a justiça não tem a ver com um exercício do intelecto especulativo, puramente reflexivo; a justiça é, pelo contrário, um hábito, portanto, uma prática, que atribui a cada um o seu, à medida que cada um possui uma medida, e que nem todos são materialmente iguais”. (BITTAR, 2010, p. 245). Essa concepção de ´dar a cada um o seu´ é uma contribuição do direito romano. O que o aquinate faz é dizer qual a medida de cada um. Essa medida, se for na justiça comutativa, que é a responsável pelas relações particulares, terá uma projeção aritmética, numérica, onde cada um terá que ter medidas iguais, levando-se em consideração as igualdades e as desigualdades; se for na justiça distributiva, que tem a responsabilidade da coordenação do relacionamento da parte com todo, terá uma medida geométrica, distribuindo os bens e os cargos segundo o mérito, a capacidade e a participação dentro da sociedade.

 A virtude da justiça, que é a prática de dar a cada um  o que é seu na medida do seu mérito, alcança sua finalidade quando distribui os bens de forma proporcional e que atinja o meio termo. A virtude é o meio termo entre dois vícios. Esses vícios são os atos injustos. Caso atribua um mérito a mais a uma pessoa, o ato é injusto. Caso a atribuição meritocrática seja a menos, o ato também será injusto. Dessa forma, a justiça é “um meio (médium) entre extremos opostos, ao qual os gregos chamavam de mesotés, ou seja, a justa medida entre algo por excesso e outro algo por carência”. (BITTAR, 2002, p. 233).

Para que o homem consiga adquirir o hábito da justiça será necessário um conjunto de conhecimentos adquiridos a partir da experiência habitual. Tais conhecimentos foram chamados de siderese. “É com base nesses conhecimentos extraídos da vivência, da prática, que se podem cunhar os principais conceitos acerca do que é bom e do que é mau, do que é justo e do que é injusto”. (BITTAR, 2010, p. 151). Sabendo o que é bom ou mal, justo ou injusto, o homem, pelo livre-arbítrio e pela razão prática, julga aquilo que é certo ou errado e age, pela vontade, de forma consciente. O Estado não pode penalizar as pessoas, utilizando-se da justiça corretiva, pelos atos injustos praticados com fundamento na ignorância, pois o ato, dessa forma, não foi injusto. O homem só pode ser punido (ou corrigido) se agir conscientemente.

            Nesse contexto, o direito é o objeto da justiça porque é o justo. “Ora, o justo é o objeto da justiça. [...] Todos concordam em dar o nome de justiça ao hábitus que nos leva a praticar coisas justas”. (AQUINO, 2005, p. 46). Na concepção tomista o direito não está limitado à lei positiva, mas a uma lei que legitima a lei escrita. Para o aquinate, o que legitima o corpo normativo é a lei eterna, que é a lei que ordena tudo e que foi promulgada por Deus. A racionalização dessa lei eterna é chamada de lei natural, enquanto a sua revelação pela sagrada escritura é chamada de lei divina. A lei natural é comum aos animais humanos e não humanos. A lei natural para os homens é o direito das gentes. “A lei humana, por sua vez, é fruto de uma convenção; não possui força por si só, mas adquire a partir do momento em que é instituída. Representa, assim, a concretização da lei natural”. (BITTAR, 2010, p. 257). O direito é o justo que legitima o ius positum.


            Para que as pessoas vivam de forma justa, será necessário que o legislador, tendo como parâmetro de criação da lei o justo natural, desenvolva regras convencionais positivas que garantam uma vivência pacífica e que ordene e retifique os homens em suas ações para que eles alcancem o Bem Comum e a eudaimonia, que é a felicidade. Essas regras convencionais positivas garantirão uma vivência reta e obediente aos princípios gerados pela lei eterna. Dessa forma, o Estado, representado no âmbito jurisdicional pela autoridade do juiz, corrigirá as atitudes injustas, com base na lei eterna, e restabelecerá a ordem e a paz social. O juiz, procedendo de forma justa, legitimado pelo Estado e inspirado pela prudência, sentenciará dando a cada um o que é seu conforme os seus méritos e deméritos. Dessa forma, mesmo que uma pessoa saia da vida reta e pratique uma injustiça, o Estado garantirá a devida correção para que todos alcancem a virtude da justiça, que é a vontade constante e perpétua de dar a cada um o seu direito. 

REFERÊNCIAS

AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica. São Paulo: Loyola, 2005.
BITTAR, Eduardo C. B. Curso de filosofia do direito. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
____. Curso de ética jurídica. São Paulo: Saraiva, 2002.

Renato Padilha Ferreira Barros
É advogado e bacharel em Direito pela Faculdade Salesiana do Nordeste. É pós-graduado em Docência em Filosofia e Sociologia pelo INSAF - Instituto Salesiano de Filosofia. É graduado em Comunicação Social com Habilitação em Relações Públicas pela ESURP - Escola Superior de Relações Públicas.

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