Por Aluizio Franco Moreira
Il Quarto stato - Pellizza |
O dia que deu origem às comemorações internacionais do 1º. de maio, não foi um dia qualquer. Não foi decorrente de qualquer tipo de acontecimento que justificasse qualquer tipo de festividade, recheado por discursos de parlamentares e atos presidenciais estabelecendo um novo salário mínimo. Aquela manhã de maio de 1886, foi mais um dia de luta da classe operária pela conquista das 8 horas de trabalho. A limitação da jornada de trabalho, remonta a 1817 quando Roberto Owen, industrial e socialista utópico inglês, na sua proposta de criação de comunidade igualitária, fixava a jornada de trabalhos em 8 horas diárias.
A luta pela jornada de 8 horas ganhou novos impulsos com o surgimento de organizações dos operários, a nível nacional e internacional. Desde os primeiros Congressos da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), fundada em Londres em 1864 por iniciativa dos operários franceses e ingleses, a reivindicação da redução da jornada de trabalho, fazia sempre parte das suas pautas em Congressos e Conferências dos trabalhadores. No seu 2º. Congresso ocorrido em 1866 na cidade de Genebra, a Primeira Internacional discutiu em plenário a questão das 8 horas, considerada tão importante que era vista como "o primeiro passo para a emancipação do trabalhador". Nos Congressos seguintes o tema sempre fez parte das discussões nos encontros internacionais como era Bandeira de luta nas mobilizações empreendidas pelos trabalhadores industriais.
Naquela época, que marcou o início da organização operária a nível internacional, além das aviltantes condições de trabalho, dos salários insuficientes até mesmo para a reprodução da própria força de trabalho, da exploração da mão-de-obra das mulheres e crianças, o regime de trabalho nas indústrias dos países capitalistas chegava a 12, 14, 16 horas diárias, com no máximo uma hora para refeições, como denunciou Friedrich Engels em "A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra".
Fora da Europa, até então centro industrial do mundo, nos países que adotaram o modo capitalista de produção, os mesmos problemas eram vivenciados pelos trabalhadores, como conseqüência da própria lógica do capital: desemprego, baixos salários, condições desumanas de vida e de trabalho, exploração da mão-de-obra feminina e infantil, horas exaustivas de trabalho, péssimas condições de saúde e de moradia.
No norte dos Estados Unidos a situação dos trabalhadores se identificava a dos trabalhadores europeus. E o movimento sindical norte-americano surgiu já em 1827, ano em que os operários realizaram a primeira greve, com a criação da União das Associações dos Trabalhadores da Filadélfia. Em 1866 num Congresso Operário realizado em Baltimore, uma das resoluções aprovadas em Assembléia dizia respeito à adoção da jornada de 8 horas de trabalho, que deveria, segundo o Congresso, estender-se a todos os trabalhadores do País. Evidente que os patrões não iriam acatar a decisão de uma Assembléia Operária. Como não iriam acatar a decisão do Senado americano que em 1868 determinou o regime de 8 horas para todos os empregados da União.
Em 1877, os ferroviários nos Estados Unidos entram em greve especificamente pela implantação da jornada de 8 horas: os trabalhadores perderam 30 companheiros mortos pelas forças policiais.
Na década de 1880, os Estados Unidos atravessavam uma grande crise econômica de superprodução, provocando uma onda de desemprego que atingiu milhares de operários em vários centros industriais norte-americanos: Nova Iorque, Detroit, Chicago e Cincinnati. Mas não era só o desemprego que agravava a situação dos trabalhadores das indústrias naquele país. O crescimento da utilização da mão-de-obra de mulheres e de crianças (mais barata que a mão-de-obra masculina), o aumento do custo de vida, o aumento da jornada de trabalho, inclusive com o trabalho nos domingos e feriados, eram os mecanismos utilizados pelos empresários para minorar o impacto da crise sobre seus lucros.
Em 1884 a Federação Americana do Trabalho (American Federation of Labor - AFL), fundada em 1881, promoveu um Congresso de Trabalhadores em Chicago, centro que congregava milhares de operários. Nessa ocasião o Secretário da AFL, Frank K. Foster, propõs a realização de uma greve geral nacional a fim de forçar os patrões a reduzirem o horário da jornada de trabalho. O operário Gabriel Edmonston ao endossar a proposta de Foster, foi mais longe: sugeriu que a partir de 1º. de maio de 1886 os trabalhadores deveriam considerar o dia de trabalho de 8 horas, paralisando suas atividades naquelas indústrias que não acolhessem a decisão daquele Congresso. A Assembléia se manifestou favoravelmente às palavras de Edmonston.
O movimento operário cresce em organização e intensidade, consequência da situação lastimável dos trabalhadores. Cresce o número de organizações da classe operária,sobretudo nos anos 1882-1885; surgem no país mais de trezentos jornais produzidos pelos próprios trabalhadores e por grupos socialistas e amartco-sindicalistas: “Laborer” (Massachusetts), “Craftsman” (Washington), “Labor Tribune” (Pittsburg), “New-Ypor”, “Volks-Zeitung”, “Der Sozialist”, “The Alarm”, “Arbeiter-Zeitung". Estes dois últimos dirigidos respectivamente por Albert Parsons e August Spies, duas vitimas do massacre de Chicago.
A crise se aprofunda e o movimento operário se amplia, tendo como principal reivindicação a redução da jornada de trabalho. Por volta de 1886, o número de participantes nas manifestações aumenta doze vezes. Cerca de 320 mil trabalhadores saem às ruas em diversos estados, em cumprimento à resolução do Congresso de Trabalhadores acontecido em 1884, promovido pela Federação Americana do Trabalho (AFL).
Os principais centros industriais dos Estados Unidos paralizam suas atividades no dia 1º de maio de 1886, pra o desespero dos empresários e políticos norte-americanos.
O massacre de Chicago
Repressão policial - Chicago 1886 |
Em Chicago, cidade considerada centro do anarco-sindicalismo nos Estados Unidos, ALBERT PARSONS e AUGUST SPIES lideraram uma passeata naquela manhã de sábado, após uma Assembleia realizada na praça Haymarket, reivindicando a redução da jornada de trabalho e melhoria das condições de trabalho. As mobilizações continuaram no domingo e na segunda-feira. Neste dia, em frente à fábrica McCormick Harvester, a polícia disparou vários tiros contra uma multidão de operários desarmados, bombas foram lançadas contra a multidão, cujo saldo somou 6 mortos, 50 feridos e mais de cem trabalhadores presos. Entre os presos se encontravam os líderes sindicais ALBERT PARSONS, AUGUST SPIES, SAM FIELDEN, OSCAR NEEB, ADOLPH FISCHER, MICHEL SCHWAB, LOUIS LINGG e GEORG ENGEL.
Uma onda de repressão se abateu sobre o movimento operário: a imprensa conservadora intensificou uma campanha difamatória contra os operários; as organizações e os jornais operários foram fechados; prisões em massa foram efetuadas sem qualquer formalização de culpa; os operários identificados como líderes do movimento foram levados a julgamento, acusados de incitar o povo à violência, como autores dos disparos e das bombas e consequentemente pelas mortes decorrentes da manifestação.
No dia 21 de junho do mesmo ano teve inicio o julgamento dos operários.
No dia 9 de outubro de 1886 foi proferida a sentença:ALBERT PARSONS, AUGUST SPIES, ADOLPH FISCHER, GEORGE ENGEL, e LOUIS LINGG, foram condenados à morte por enforcamento. SAMUEL FIELDEN e MICHAEL SCHWAB, à prisão perpétua. OSCAR NEEBE, a quinze anos de prisão.
À caminho da forca |
Um ano depois, no dia 11 de novembro de 1887, os condenados á morte foram enforcados publicamente, exceto LOUIS LINGG que estranhamente suicidou na prisão acendendo com uma ponta de cigarro, o pavio de uma bomba de dinamite.(Atualmente a maioria dos historiadores admite que Lingg tenha sido assassinado).
Seis anos depois, pressões internacionais e nos Estados Unidos, fizeram com que o processo fosse revisto e a sentença fosse anulada, o que favoreceu SAM FIELDEN, MICHAEL SCHWAB e OSCAR NEEB.
Os acontecimentos de Chicago marcaram para sempre o Movimento Operário Internacional e passaram a ser lembrados em vários encontros da classe trabalhadora em vários países.
No Segundo Congresso da IIa. Internacional (fundada em Paris em 1889) realizado em Bruxelas no mês de setembro de 1891, foi aprovada a proposta que tornou permanente a celebração do 1º. de maio como marco da luta e da solidariedade internacional dos trabalhadores.
O movimento sindical e políticos liberais nos Estados Unidos e no mundo, não deixaram de protestar e se mobilizar internacionalmente contra as condenações dos operários.
Em 26 de julho de 1893, a justiça norte-americana concedeu o “perdão absoluto” aos sobreviventes Fielden, Neebe e Schwab.
A institucionalização do 1º. de maio porém não foi facilmente aceita pela classe dominante em muitos países, ou quando aceita, procurou-se descaracterizar o seu significado, transformando a data num feriado a mais nos calendários nacionais. Mas apesar de toda tentativa de se esvaziar a importância dessa data, de se procurar ocultar o verdadeiro sentido do 1º. de maio, o movimento operário tem mantido vivo o espírito de luta de 1886.
Tinha razão August Spies, quando em sua defesa diante das autoridades que condenavam-no, se expressou com as seguintes palavras:
Monumento aos mártires de 1886 Praça Haymarket - Chicago |
"Se com o nosso enforcamento vocês pensam em destruir o movimento operário - este movimento do qual milhões de seres humilhados que sofrem na pobreza e na miséria, esperam a redenção - se esta é sua opinião, enforquem-nos. Aqui terão apagado uma faísca, mas lá e acolá, atrás e na frente de vocês, em todas as partes, as chamas crescerão. É um fogo subterrâneo e vocês não podem apagá-lo".
Já no local de execução, minutos antes do seu enforcamento, Spies pela última vez se dirige aos seus algozes:
"Adeus, o nosso silêncio será muito mais potente do que as vozes que vocês estrangulam".
E mais uma vez Spies tinha razão.
O 1º de maio no Brasil
Quando o Segundo Congresso da IIª Internacional, reunido em Bruxelas no mês de setembro de 1891 estabeleceu a celebração permanente do 1º de maio, íamos completar dois anos de regime republicano.
As organizações dos trabalhadores eram associações de resistência, de auxilio mútuo, que congregavam artesãos de diversos ramos de atividades, preponderantemente manufatureiras e de serviços.
A situação dos operários brasileiros, agrupados nas poucas indústrias que iam surgindo, era a mesma de seus companheiros de um capitalismo nascente na Europa um século antes: exploração do trabalho de mulheres e menores, baixos salários, precárias condições de vida, longas jornadas de trabalho.
Teixeira Mendes |
Talvez por esses motivos, a primeira tentativa de se reduzir a jornada de trabalho, não tenha partido dos próprios trabalhadores, mas de representantes de uma elite intelectual e política: Teixeira Mendes e Miguel Lemos. Juristas, positivistas ortodoxos, elaboraram um anteprojeto encaminhado ao Ministro da Guerra, ainda durante o governo provisório, no qual propunham o estabelecimento de um salário mínimo, aposentadoria, 15 dias de férias anuais, seguro contra acidentes do trabalho e limite de 7 horas de trabalho diário, beneficiando as oficinas públicas, isto é, os trabalhadores dependentes do Estado. O anteprojeto simplesmente desapareceu entre uma sala e outra dos Ministérios.
No mesmo ano de 1890, meses depois das “preocupações” dos dois juristas, há noticias da primeira iniciativa operária de proposta da jornada de 8 horas de trabalho: em São Paulo, trabalhadores reunidos no salão do Teatro São José, para formação de um Partido Operário, encarregaram Francisco Cascão, Miguel Ribeiro e Carlos Hermida, de elaborarem um Programa para o Partido a ser criado. Fizeram constar no item 2º do referido Programa “promover a fixação de oito horas de trabalho”. O Partido muito cedo desapareceu, e com ele o seu Programa.
Telles Junior |
No Rio de Janeiro, em 1892, no artigo 26 do Programa de um novo Partido Operário que se tentava criar naquela ocasião, constava a jornada de trabalho de 8 horas. Não se teve mais noticias, nem do Partido, nem do Programa.
No que se refere à comemoração do 1º de maio, tudo indica que a iniciativa só foi acontecer em 1894, oito anos após o Massacre de Chicago. Em São Paulo, no mês de abril daquele ano, socialistas e anarquistas aprovam em reunião, as Resoluções do Segundo Congresso de 1891 da IIª Internacional, e propuseram celebrar o 1º de maio a partir daquele mesmo ano (1894). A policia informada a respeito, invade o local da reunião e prende seus organizadores.
Em Santos, no entanto, a ideia se concretizou. Em lugar ignorado pela policia, um grupo de socialistas consegue promover uma reunião comemorativa da data.
Nos anos seguintes, outras comemorações registradas por militantes anarquistas e socialistas aconteceram em alguns Estados, com apresentação de peças teatrais, conferências e lançamentos de jornais operários e socialistas com títulos alusivos à data. Paralelamente às comemorações do 1º de maio, trabalhadores mobilizados para os eventos, voltaram a reivindicar, embora isoladamente por associação, pela conquista das 8 horas de trabalho.
1º Congresso Operário Brasileiro - 1906 |
Foi com a realização do Primeiro Congresso Operário Brasileiro em 1906, do qual participaram delegados representando várias organizações operárias de todo país, que numa Assembleia bastante disputada, se discutiram e aprovaram resoluções que motivaram as lutas posteriores pela conquista das 8 horas e se programaram celebrações de maiores envergaduras do 1º de maio, não como uma “festa do trabalho” – dizia a resolução – mas “como protesto de oprimidos e explorados”. Ficou deliberado naquele encontro, que no ano seguinte (1907) as organizações operárias ali representadas, se empenhariam em promover as comemorações daquela data, como marco histórico da luta dos trabalhadores em todo mundo.
As informações que temos dão conta das violências praticadas pelas forças policiais em todo país naquela manhã de 1907. Mas também dão conta da capacidade de luta e de organização do operariado brasileiro, que respondeu às arbitrariedades com greves que se sucederam em várias partes do território nacional, reivindicando a redução da jornada de trabalho. Tamanha foi a pressão dos trabalhadores, que alguns industriais, a fim de evitarem novos conflitos, portanto queda na produção fabril, chegaram a entrar em acordo com seus operários, aceitando a redução da jornada de trabalho. Mas as lutas continuaram. As campanhas pela limitação do horário de trabalho e pela celebração do 1º de maio, cada ano mobilizavam maior numero de organizações e ao mesmo tempo repressões cada vez mais violentas pelas autoridades no intuito de impedir que tais movimentos acontecessem.
Manifestação 1º de maio de 1915 Praça da Sé - São Paulo |
Em 1914 a imprensa operária denunciava as manobras do governo e empresariado para esvaziarem o 1º de maio, transformando-o em feriado, o que aliás já vinha acontecendo com o enfraquecimento do chamado “sindicalismo revolucionário” e com a ascensão das alas moderadas do movimento operário.
Em 26 de setembro de 1924, um decreto presidencial determinava: “É considerado feriado nacional o dia 1º de maio consagrado à confraternização universal das classes operárias e às comemorações dos mártires do trabalho; revogadas as disposições em contrário”. O objetivo da luta pela conquista das 8 horas de trabalho não tinha sido atingido. E as mobilizações continuaram.
Ano a ano, a celebração do 1º de maio que originalmente era organizada pelos diversos sindicatos, associações de trabalhadores, federações, centrais operárias, partidos socialistas, marcada por passeatas, comícios, palestras alusivas à data, protestos, sempre com apresentação de reivindicações em beneficio dos trabalhadores, passou a ser promovida pelos governos (federal e estaduais) como uma festividade, recheada de discursos de parlamentares e premiações para o operário padrão do ano. Despolitizou-se, desideologizou-se o 1º de maio. Ou melhor, politizou-se, ideologizou-se em sentido oposto.
Atualmente o peleguismo, a política de compromisso, a esperança de setores do movimento operário pela solução parlamentar para seus problemas e a paulatina tutela do sindicalismo pelo Estado, a partir de Getulio Vargas, selou até hoje o destino do sindicalismo brasileiro.
Obras consultadas:
BARRET, François. Historia del trabajo. Tradução: Alberto Pla, Buenos Aires: Editorial Universitaria, 1975.
BATALHA, Claudio Henrique de Moraes. O movimento operário na Primeira República. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.
CARONE, Edgard. Classes sociais e movimento operário. São Paulo: Ática, 1989.
DOMMANGET, Maurice. Historia del primero de mayo. Barcelona: Laia, 1976.
ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. Tradução: Anália C. Torres, Porto: Afrontamento, 1975.
FERREIRA, Jorge Luiz. O movimento operário norte-americano. São Paulo: Ática, 1995.
HOBSBAWM, Eric J. Mundo do trabalho: novos estudos sobre história operária. Tradução: Waldea Barcellos e Sandra Bedran, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
LEFRANC, Georges. O sindicalismo no mundo. Mem Martins: Europa-America, 1974.
MORELLI, Leonardo (Org.) El sindicalismo revolucionário em el Brasil. São Paulo: Acadêmica, 1988.
RODRIGUES, Edgar. Os libertários: ideias e experiências anárquicas. Petrópolis: Vozes, 1988.
_____.Socialismo e sindicalismo no Brasil. Rio de Janeiro: Laemmert, 1969.
_____.Alvorada operária: os congressos operários no Brasil. Rio de Janeiro: Mundo Livre, 1979.
Nota do Autor:
Este artigo foi originalmente publicado no “Diário da Borborema”, Campina Grande (PB), em 1º de maio de 1992. Postamos a matéria nesta data (1º de maio de 2012), reproduzindo-a sem qualquer alteração no seu conteúdo e forma, com exceção das fotos incluídas nesta edição.
Licenciado, Bacharel e Mestre em História, atualmente leciona Métodos de Pesquisa em Direito e Métodos e Técnicas de Pesquisa em Administração, ambas na Faculdade Salesiana do Nordeste. É escritor e pesquisador no campo da História, Politica, Filosofia e Arte.
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