O Direito e a Justiça sempre
foram questões discutidas nos diversos sistemas filosóficos e jurídicos ao
longo da história. No século IX, como
consequência do renascimento carolíngia, surgem várias escolas que cultivavam
certo saber filosófico e teológico e que proporcionavam consideráveis debates
jusnaturalisticos. Esse movimento intelectual produzido nas escolas e que uniu
a filosofia e a teologia foi chamado de Escolástica e teve como maior expoente
Tomás de Aquino (1225 – 1274). A escolástica pré-tomista ainda vivia direcionada
ao movimento platônico-agostiniano e ocupava-se em discutir os problemas da
época por um idealismo ontológico. No século XIII as questões filosóficas tomam
outro rumo. Há uma tentativa de introduzir o aristotelismo, principalmente nas
obras de Anselmo Magno (1193 ou 1206-7-1280), Bispo da Igreja Católica,
filósofo, teólogo e professor do Doctor
Angelicus. O quarto Concílio de Latrão combateu as heresias dos cátaros,
principalmente em relação à origem do mal, e deslocou o centro de gravidade do
problema para a questão histórico-ética, afirmando que o mal é um problema de
ordem moral. Com essas discussões, Tomás de Aquino rompe com o idealismo
ontológico platônico-agostiniano e, com o aristotelismo, direciona suas
especulações para o âmbito do realismo moderado. Nesse contexto, a Justiça não
é mais um fim, como um prêmio recebido após uma vida reta, justa e virtuosa,
mas um meio. Ela não se encontra na Cidade de Deus de Agostinho de Hipona, mas
na virtude aristotélica.
Para o
aquinate, a justiça tem a finalidade de orientar e retificar as ações humanas.
“Uma tal compreensão da justiça lhe confere o primeiro lugar na constelação das
virtudes, reconhecendo-lhe a dignidade de uma finalidade ou de um valor último,
ao qual se vincula o domínio das paixões como uma condição prévia e uma
exigência constante”. (AQUINO, 2005, p. 43). Tomás de Aquino discute a justiça
em volto a elementos essenciais para sua conjuntura, quais sejam: a alteridade
das pessoas, o direito estrito e a verdadeira igualdade, suscetível de ser
estabelecida segundo uma medida objetiva. Tais elementos formam o cerne do seu
jusnaturalismo, que desemboca na justiça distributiva e na justiça comutativa,
suas espécies.
O homem só
pode alcançar a virtude da justiça na relação com o outro, pois “a justiça não
tem a ver com um exercício do intelecto especulativo, puramente reflexivo; a
justiça é, pelo contrário, um hábito, portanto, uma prática, que atribui a cada
um o seu, à medida que cada um possui uma medida, e que nem todos são
materialmente iguais”. (BITTAR, 2010, p. 245). Essa concepção de ´dar a cada um
o seu´ é uma contribuição do direito romano. O que o aquinate faz é dizer qual
a medida de cada um. Essa medida, se for na justiça comutativa, que é a
responsável pelas relações particulares, terá uma projeção aritmética, numérica,
onde cada um terá que ter medidas iguais, levando-se em consideração as
igualdades e as desigualdades; se for na justiça distributiva, que tem a
responsabilidade da coordenação do relacionamento da parte com todo, terá uma
medida geométrica, distribuindo os bens e os cargos segundo o mérito, a
capacidade e a participação dentro da sociedade.
A virtude da justiça, que é a prática de dar a
cada um o que é seu na medida do seu
mérito, alcança sua finalidade quando distribui os bens de forma proporcional e
que atinja o meio termo. A virtude é o meio termo entre dois vícios. Esses
vícios são os atos injustos. Caso atribua um mérito a mais a uma pessoa, o ato
é injusto. Caso a atribuição meritocrática seja a menos, o ato também será
injusto. Dessa forma, a justiça é “um meio (médium) entre extremos opostos, ao
qual os gregos chamavam de mesotés,
ou seja, a justa medida entre algo por excesso e outro algo por carência”.
(BITTAR, 2002, p. 233).
Para que o
homem consiga adquirir o hábito da justiça será necessário um conjunto de
conhecimentos adquiridos a partir da experiência habitual. Tais conhecimentos
foram chamados de siderese. “É com
base nesses conhecimentos extraídos da vivência, da prática, que se podem cunhar
os principais conceitos acerca do que é bom e do que é mau, do que é justo e do
que é injusto”. (BITTAR, 2010, p. 151). Sabendo o que é bom ou mal, justo ou
injusto, o homem, pelo livre-arbítrio e pela razão prática, julga aquilo que é
certo ou errado e age, pela vontade, de forma consciente. O Estado não pode
penalizar as pessoas, utilizando-se da justiça corretiva, pelos atos injustos
praticados com fundamento na ignorância, pois o ato, dessa forma, não foi
injusto. O homem só pode ser punido (ou corrigido) se agir conscientemente.
Nesse contexto, o direito é o objeto da justiça porque é
o justo. “Ora, o justo é o objeto da justiça. [...] Todos concordam em dar o
nome de justiça ao hábitus que nos leva a praticar coisas justas”. (AQUINO,
2005, p. 46). Na concepção tomista o direito não está limitado à lei positiva,
mas a uma lei que legitima a lei escrita. Para o aquinate, o que legitima o
corpo normativo é a lei eterna, que é a lei que ordena tudo e que foi promulgada
por Deus. A racionalização dessa lei eterna é chamada de lei natural, enquanto
a sua revelação pela sagrada escritura é chamada de lei divina. A lei natural é
comum aos animais humanos e não humanos. A lei natural para os homens é o
direito das gentes. “A lei humana, por sua vez, é fruto de uma convenção; não
possui força por si só, mas adquire a partir do momento em que é instituída.
Representa, assim, a concretização da lei natural”. (BITTAR, 2010, p. 257). O
direito é o justo que legitima o ius
positum.
Para
que as pessoas vivam de forma justa, será necessário que o legislador, tendo
como parâmetro de criação da lei o justo natural, desenvolva regras
convencionais positivas que garantam uma vivência pacífica e que ordene e
retifique os homens em suas ações para que eles alcancem o Bem Comum e a eudaimonia, que é a felicidade. Essas
regras convencionais positivas garantirão uma vivência reta e obediente aos
princípios gerados pela lei eterna. Dessa forma, o Estado, representado no
âmbito jurisdicional pela autoridade do juiz, corrigirá as atitudes injustas,
com base na lei eterna, e restabelecerá a ordem e a paz social. O juiz,
procedendo de forma justa, legitimado pelo Estado e inspirado pela prudência,
sentenciará dando a cada um o que é seu conforme os seus méritos e deméritos. Dessa
forma, mesmo que uma pessoa saia da vida reta e pratique uma injustiça, o
Estado garantirá a devida correção para que todos alcancem a virtude da
justiça, que é a vontade constante e perpétua de dar a cada um o seu direito.
REFERÊNCIAS
AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica. São Paulo: Loyola, 2005.
BITTAR, Eduardo C. B. Curso de filosofia do direito. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
____. Curso
de ética jurídica. São Paulo: Saraiva, 2002.
É advogado e bacharel em Direito pela Faculdade Salesiana do Nordeste. É pós-graduado em Docência em Filosofia e Sociologia pelo INSAF - Instituto Salesiano de Filosofia. É graduado em Comunicação Social com Habilitação em Relações Públicas pela ESURP - Escola Superior de Relações Públicas.
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