Rafael Gondim D`halvor Sollberg
Advogado, especialista em Direito do Consumidor,
Pós-Graduado pela Universidade Candido Mende
INTRODUÇÃO
O presente trabalho busca compreender a idéia de Justiça em Aristóteles,
estudando principalmente a sua Ética a Nicômaco, especificamente o Livro V,
discorrendo sobre sua ética de virtudes e suas modalidades de Justiça,
divididas em Geral e Especial, esta última dividida em distributiva e
corretiva, e a segunda, por sua vez, divida em comutativa e judicial.
Analisando sua importante obra sobre a Justiça e sua relevância para todo o
pensamento Ocidental.
1 ARISTÓTELES
O grande filósofo
grego, filho de Nicômaco, médico de Amintas, rei da Macedônia, nasceu no ano
384a.C, em Estagira, colônia grega da Trácia, no litoral setentrional do mar
Egeu. Aos dezoito anos, em 367a.C, vai para Atenas e ingressa na Academia
Platônica, onde fica por vinte anos, até a morte do Mestre. Nesse período,
estuda também os pensamentos pré-platônicos, que lhe foram úteis para a
construção de seu grande sistema filosófico.
Estudiosos especulam que ele se mostrava como alguém que falava com uma
pronúncia defeituosa, preocupava se em demasia com a aparência e tinha grande
carinho pela família, alunos e seus dependentes, dos quais sempre cuidava com
muito afeto. Para sustentar esse fato, podemos nos reportar a uma cláusula de
seu testamento, em que emancipa alguns de seus escravos preferidos.
Fato
notório, que foi professor e mentor de Alexandre, o grande, um dos maiores
conquistadores que o mundo já viu, rei da Macedônia, passando a ele todos os
seus conhecimentos técnicos e morais, inclusive ensinando-lhe famosas táticas
de guerra.
Provavelmente, nenhum pensador tenha sido mais influente que Aristóteles,
através dos tempos. Durante alguns séculos após sua morte, sua obra não chega a
ter o reconhecimento merecido, mas nos últimos 700 anos, quase todos os homens
cultos do mundo Ocidental, passam a estudar.
Religiosos de todas as partes procuram relacionar sua fé com as idéias de
Aristóteles, desde os escolásticos cristãos, passando por teólogos muçulmanos, e
estudiosos judeus.
Experiências e investigações do Estagira dão origem e constituem-se em momentos
importantes de diversas disciplinas, como a Ética, a Política, a Estética, a
Biologia, a Psicologia, a Lógica, etc. Ele é o primeiro a identificar, separar
e classificar, reconhecendo que cada uma delas tinha métodos e técnicas
peculiares, e dedica-se a quase todos os ramos do conhecimento.
Outrossim, de todos os filósofos da antiguidade, é Aristóteles quem desenvolve,
mais precisamente, os temas ligados à filosofia do Direito, apresenta as
primeiras noções sobre Justiça, dentro de uma perspectiva jurídica.
Conceituando-a, enfocando-a sob o contexto da “Pólis”, isto é, mencionando sua
relevância na estrutura da elaboração da lei e do Direito, necessários à vida
social, dentro da
cidade-estado.
Existem grandes trabalhos de Aristóteles, onde o tema central é a Ética; um
deles é a “Ética a Nicômaco”, batizada com o nome do seu filho; o outro estudo
é a “Ética a Eudemo”, escolhido em homenagem a um de seus alunos. A primeira é
a mais completa, onde ele desenvolve uma madura teoria da Justiça, precisamente
no Livro V, e cuja influência chega até os dias atuais, como objeto de estudo
de muitos juristas famosos, e como objeto de reflexão deste trabalho.
2 ÉTICA A NICÔMACO
Ligadas à doutrina
da Justiça, criada por Aristóteles, devemos destacar uma trilogia de obras, não
pertencentes a um mesmo período, composta pela “Magna Moralia”, conhecida como
a “Grande Ética”, pela “Éthica Eudemia”, chamada de “Ética a Eudemo”, e pela
“Éthica Nicomachea” famosa com o titulo “Ética a Nicômaco”.
Na “Ética a Nicômaco” o filósofo procura não se afastar da idéia tradicional de
Justiça, como uma virtude ética por excelência e resolve analisar os diversos
sentidos da palavra, correlacionando-a com a sua antítese, a injustiça,
elaborando assim a eqüidade, que para ele é a melhor espécie de justiça. “A
eqüidade, ao contrário, por sua própria natureza, visa a corrigir a lei quando
esta se demonstra incompleta, para abarcar o caso especial e concreto, que foge
à aplicação genérica” [i], assim como, “toda lei (nómos),tem um
enunciado necessariamente geral, pois o legislador leva em consideração,
tão-só, os casos mais freqüentes. Nesse sentido, a lei se distingue do decreto
(psephisma), que atende a situações específicas e concretas. Ao surgir
um caso não incluído de modo explícito no texto da lei, é de justiça
interpretá-la num sentido mais preciso e concreto, a fim de estender a norma
genérica à hipótese em questão, atendendo-se, assim, mais ao espírito do que a
letra da lei.”[ii] Para o filósofo, a virtude da "justiça política”,
na verdade se divide em duas categorias, “uma natural (phisykon) e a
outra legal (nómikon), Natural é a que em todo lugar tem a mesma força e
não depende dessa ou daquela opinião.Legal, a que na origem pode ser,
indiferentemente, esta ou aquela; mas que uma vez estabelecida, impõe-se a
todos.”[iii] Nesse mesmo diapasão, o pensador afirma que de todas as virtudes,
somente a justiça se ocupa do bem alheio.
Aristóteles entende o principio da igualdade, através de duas formas fundamentais:
da Justiça como virtude geral e como virtude especial, a segunda originando a
“Justiça distributiva” e a “Justiça Corretiva”, e essa por sua vez subdividida
em “Justiça Comutativa” e “Justiça Judicial”.
2.1 A Justiça como virtude geral
Em sua tese,
Aristóteles observa que no plano individual, as virtudes morais equilibram as
ações de cada um, conduzindo a um justo meio-termo; assim também, no plano
coletivo, atua uma virtude moral que é a Justiça. Esta procura sempre o
equilíbrio e a eqüidade na comunidade política, conhecida como “Polis”.
Assim, ela é o ponto de encontro da sua Ética com a sua Política. Nesse sentido
as virtudes morais adquirem da Justiça sua forma plena, ou seja, o seu
significado social, tornando-se esta a base da moralidade da vida política.
No
tratado Ética a Nicômaco, ele observa inicialmente a virtude da Justiça, sob um
aspecto legal. Desse modo, como virtude moral, ela é o sentimento interior e
subjetivo que conduz o individuo à obediência do que a lei prescreve; essa é a
sua primeira função. Dessa maneira, o meio-termo, é o que a legislação define
entre a ação de fazer e a ação de não fazer.
A
Justiça legal regula as relações sociais entre cidadãos livres e iguais, determinando
que o justo meio da ação virtuosa é o tratamento igual ou, como constatamos, o
que mais tarde se tornou o principio da isonomia.
Por
outro lado, fica também definido que o oposto à Justiça, a injustiça ocorre da
não observância da lei, e do tratamento desigual entre semelhantes, “o homem
justo é aquele que se conforma à lei e respeita a igualdade; injusto é aquele
que contraria a lei e a igualdade”[iv].
A
legislação prescreve todos os atos de bondade e Justiça como regra e, conseqüentemente,
proibindo todos os atos que vão de encontro a esse preceito; esses podemos
chamar de vícios.
Ademais, cumprir a lei nada mais é do que praticar todos os atos virtuosos,
individualmente e coletivamente. “Essa forma de Justiça é, portanto, uma
virtude completa, não em sentido absoluto, mas nas nossas relações com os
outros. É por isso que muitas vezes a Justiça é considerada como virtude mais
perfeita e nem a estrela vespertina e nem a estrela matutina são mais admiradas
que ela”[v].
Essa
matéria tem como principal função regular as relações entre os cidadãos,
exercendo uma tarefa geral, aperfeiçoando o individuo e suas virtudes,
procurando o “bem” alheio.
Em
resumo, a Justiça em questão é a virtude completa, pois determina o cumprimento
das leis e o respeito à igualdade entre todos os cidadãos; ela é uma “virtude
inteira”, assim como a justiça é o “vicio inteiro”.
Ele
refere-se também a uma “Justiça especial”, muito próxima do Estado e do
Direito, a uma “Justiça comutativa” e a uma “Justiça distributiva”
Finalmente, “o homem mais perfeito não é aquele que exerce sua virtude somente
para si mesmo, mas aquele que a pratica também, em relação aos outros, e isso é
uma obra difícil”[vi].
2.2 A Justiça Distributiva
Ao elaborar um
pensamento, através de uma medida geral, considerada como “virtude”, o
pensador, também formula uma teoria da Justiça, como medida axiológica para o
Estado e o Direito, uma forma particular desta medida, que pode ser relacionada
a todas as virtudes relativas à comunidade e à política, por intermédio de uma
igualdade proporcional.
O
ilustre filósofo dizia que “a virtude da Justiça é a essência da Sociedade
Civil”[vii].
A
Justiça Distributiva é explicada na Ética a Nicômaco, como aquela que se aplica
na repartição das honras e dos bens da comunidade, segundo a noção de que cada
um perceba o proveito adequado a seus méritos. Contudo, artificialmente de um
modo metafórico, significa sua realização através de um critério de Progressão
Geométrica.
O
principio é o da igualdade proporcional, “a conjunção do primeiro termo de uma
proporção com o terceiro, e do segundo com o quarto, e o justo nesta acepção é
o meio-termo entre dois extremos desproporcionais, já que o proporcional é um
meio termo, e o justo é o proporcional”[viii]. Conseqüentemente, podemos
afirmar que, o justo é o proporcional e o injusto é o que quebra a
proporcionalidade.
Partindo daí, podemos observar claramente a presença da Justiça distributiva
nos dias atuais, como o princípio geral das igualdades das relações jurídicas e
da justa repartição de bens. Um exemplo disto é o dispositivo constitucional
que versa “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade”[ix].
Essa
modalidade regula as relações entre a sociedade e seus membros, enquanto a
Corretiva ordena as relações dos membros entre si.
2.3 A Justiça Corretiva
A
espécie Corretiva é a segunda prevista na Ética a Nicômaco. Ela resulta em um
“principio corretivo” frente às relações privadas, sejam elas voluntárias ou
involuntárias, as primeiras, contratuais, e as últimas delituosas. O principio
da igualdade é encarado de forma diversa, em proporção matemática, cuidando
somente de medir os ganhos e perdas de modo impessoal, as coisas e as ações são
levadas em conta pelo seu valor objetivo, e não mais pela qualidade das
pessoas.
Essa
idéia de Justiça fica centrada no ponto intermediário, no meio termo entre a
vantagem e o dano, ou na correspondente entre o delito e a pena. Em resumo,
todas as relações de troca, sejam penais ou civis, são objetos dessa figura
Corretiva.
Como
subdivisão desta última, temos a Justiça Comutativa, que tem sua origem no
latim “comutare”, que pode ser traduzido por “trocar”. Ela tem o intento de
regular as relações de troca em conformidade com certa medida, é aplicada nas
relações voluntárias, visando à igualdade entre o que se dá e o que se recebe,
entre a prestação e a contraprestação; tendo como principal meta ordenar as
relações jurídicas. Portanto, é bilateral e sinalagmática, tem por finalidade
estabelecer a igualdade das relações entre os particulares, de modo a
adequar-se caso a caso, para a efetivação de uma real isonomia
aritmética.
Partindo do que diz Aristóteles, a manifestação mais clara dessa forma de
Justiça, na atualidade, aparece no Direito Civil, na forma da Responsabilidade
Civil e no Direito Contratual.
A
segunda subdivisão é a Justiça Judicial, aquela que é aplicada em casos de
violação, exigindo uma igualdade proporcional entre o dano e o ressarcimento,
entre o delito e a pena, fazendo prevalecer o critério eqüitativo nas
controvérsias que exigem a presença do juiz. Aristóteles salienta que “um homem
é injusto quando seu ato viola a proporção da igualdade”[x].
Por
fim, considerando a proporção matemática que norteia a Justiça Corretiva, é
irrelevante se uma pessoa boa lesa uma pessoa má, ou vice-versa; elas serão
tratadas igualmente. O que é levado em conta é o ganho do infrator e a perda da
vítima, procurando um meio termo, entre eles, o que será igual ao justo.
CONCLUSÃO:
Aristóteles foi
quem mais se aproximou da perfeição, seu pensamento foi o ponto de partida da
maioria das teorias formuladas e suas modalidades revolucionaram a concepção
Ocidental de Justiça. Em seu livro “Ética a Nicômaco”, ele consegue de, uma
forma extraordinária, dividir a Justiça em duas vertentes, como virtude geral e
como virtude especial. A primeira possui um caráter moral pessoal, uma espécie
de Justiça interior, enquanto a segunda tem uma conotação reguladora, regendo
as relações entre os cidadãos, seja de uma forma distributiva ou de uma forma
corretiva. Essa linha de raciocínio é tão magnífica, que está inserida em
alguns princípios da nossa legislação atual, fazendo-nos refletir que apesar
desse imenso espaço temporal, Aristóteles conseguiu formular uma idéia madura
que rompeu as barreiras do tempo e do espaço. Devemos prestar atenção ao fato
de que a Justiça Aristotélica está sempre fundada na ética e na virtude, sendo
assim, na consciência moral de cada um.
REFERÊNCIAS
[i] (Aristóteles apud Paupério A.M, Introdução à ciência do direito, 4ª
edição, ed: forense, pág. 67).
[ii] (Aristóteles apud Comparato, F.K, ÉTICA, 1ª edição, companhia
das letras, pág. 528)
[iii] (Aristóteles apud Comparato, F.K, ÉTICA, 1ª edição,
companhia das letras, pág. 106)
[iv] (Aristóteles apud Pegorato OA, Ética é Justiça, 9ª edição, vozes,
pág. 32).
[v] (Aristóteles apud Pegorato OA, Ética é Justiça, 9ª edição, vozes,
pág. 32 e 33).
[vi] (Aristóteles apud Pegorato OA, Ética é Justiça, 9ª edição, vozes,
pág. 33).
[vii] (Aristóteles apud Pegorato OA, Ética é Justiça, 9ª edição, vozes,
pág. 31).
[viii] (Aristóteles apud Morris.C, Os grandes Filósofos do Direito,
Martins fontes, 2002, pág. 9).
[ix] (Constituição da Republica Federativa do Brasil, Titulo II,
Capitulo I, art 5º caput, promulgada em 05 de outubro de 1988, pág 80, Saraiva,
25ª ed, 2000).
[x] (Aristóteles apud Pegorato OA, Ética é Justiça, 9ª edição, vozes,
pág. 35).
Fonte:
http://www.artigonal.com/doutrina-artigos/a-concepcao-aristotelica-de-justica-550535.html
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