DA PERCEPÇÃO E
EVOLUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
Em sua
breve história, a humanidade indubitavelmente tem feito grandes descobertas
tecno-científicas e, durante o período da pós-modernidade, vem desenvolvendo um
amplo e sofisticado sistema de reconhecimento sócio-antropológico decorrente
dos debates filosóficos acerca da essência humana e sua relação proximal com o
direito (iniciada com um caráter mais político na Antiguidade Clássica e
posteriormente passando a tomar uma roupagem mais humanística quando da época
do Iluminismo), perpassando desde questões mais elementares da política social
até os mais complexos conceitos relativos à identidade social como noções de
reconhecimento/pertencimento a um grupo social, características e processos de
inclusão/exclusão em grupos sociais diversos, ocorridos com maior intensidade
nas décadas finais do século XX sob a alçada dos conceitos-chave da psicologia
social.
Com a
influência dos princípios de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, invocados
como temas nucleares assumidos nos aportes teóricos da Revolução Francesa,
procurou-se observar a existência de direitos inerentes à essência da natureza
humana e, por este fato, tendentes à universalidade, sendo assim inicialmente
chamados de Direitos Naturais (posteriormente nomeados como Direitos Humanos)
resultados de questionamentos filosóficos já iniciados muitos anos antes quando
da Antiguidade Clássica. Esses direitos tiveram interpretações diversas de
acordo com a época histórica e as concepções das doutrinas aplicadas ao
direito. Sobre este assunto, versaremos em item seguinte.
DIREITOS
HUMANOS E SUA OBSERVÂNCIA JUNTO ÀS DOUTRINAS JURÍDICAS
Os Direitos Naturais encontraram-se presentes durante todo o desenvolvimento da
história do homem conforme diferentes concepções fundamentadoras fomentadas na
natureza da essência humana, constituindo-se como verdadeiros troncos jurígenos
dos quais emanaram uma série de teorias que variavam ora entre teorias
teológicas, teorias humanísticas, e teorias jurídicas positivadas iniciadas em
Roma na expansão do Império e, na modernidade, pautadas no racionalismo de René
Descartes e no positivismo proposto por Auguste Comte.
Por suas
diferenças no que tange aos instrumentos metodológicos e às concepções
filosóficas, acabaram sendo agrupadas conforme sua natureza axiológica em
Jusnaturalismo e Juspositivismo.
Jusnaturalismo
É a doutrina que considera o direito enquanto representação externa (expressão)
das vontades e particularidades relativas à essência do homem, tomadas como
fruto da razão humana ou a expressão da vontade de Deus, dos deuses ou de
entidades espirituais, esta corrente não se detém ao exercício de direitos
apenas como condutas regidas pela prescritividade legal, emanadas de um
documento que formalize as práticas sociais.
Desta forma, o
direito é tratado aqui na sua esfera primordialmente subjetiva, tomando uma
formatação mais abrangente e, ao mesmo tempo, impessoal, de sorte que muitas
vezes, objetivando resolver os litígios, observar-se-iam os ditames culturais e
sócio-antropológicos concernentes aos mais experientes dentro de uma sociedade
patriarcal ou aos representantes religiosos, com o argumento de que pelo fato
de manterem contato a muito mais tempo na sociedade, era provável deterem
conhecimento profundo dos elementos constitutivos de determinada sociedade e
assim teriam discernimento o bastante para solucionar os litígios que por
ocasião surgissem.
Juspositivismo
Nesta corrente, os Direitos Naturais são tratados com um pouco mais de
distanciamento axiológico, de tal forma que a normatização é critério objetivo
que dá sentido, ou seja, a norma é condição sine qua non ao reconhecimento dos direitos
fundamentais. Desta sorte, para essa doutrina, só é Direito Fundamental aquilo
que a Norma Constitucional classifica como tal, tomando como necessidade básica
a prescritividade dos atos normativos, a força emanada da norma para fazer
valer os efeitos jurídicos decorrentes dos atos sociais.
Intentando fazer uma análise histórica do direito enquanto tecnologia social,
nota-se que a função regulatória é imensamente importante afinal, sua
característica primordialmente protetora dos bens e valores socialmente
reconhecidos enquanto merecedores de tutela estatal por terem importância
basilar na constituição de um Estado e servirem de chaves interpretativas para
uma sociedade, exerce, portanto, imensa importância na sociedade pois estruturam-se
como parâmetros a ser seguidos por toda a coletividade. Com o surgimento da
necessidade de instauração de um sistema escrito para difusão do Direito,
percebeu-se que as diretrizes básicas, inicialmente contidas em reflexões
meramente filosóficas e existenciais transmitidas através de uma tradição
eminentemente oralista, deveriam também estar contidas nos documentos que
norteariam o sistema jurídico que regularia os atos do Estado para com os
particulares e as relações inter partis em cada sociedade de tal forma que
estivessem prescritos atos lícitos e ilícitos, obrigações e sanções para os
descumprimentos das normas (fossem sociais ou positivas) de forma implícita ou
explícita.
Tomando como
base a importância histórica do reconhecimento dos direitos fundamentais,
percebe-se que quando da escritura da Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, emanada do povo francês quando da Revolução Francesa, foram sendo
introduzidos paulatinamente conceitos que se representaram a iniciação metódica
de parâmetros jurídicos (pautados naquilo que se convencionou ter por
características universais do ser humano) que, tendesse a alcançar a totalidade
dos homens, sem a necessidade de fazer as devidas distinções em períodos
históricos ou localização geográfica, sendo generalista, impondo de forma
coercitiva uma noção latente de padronização e eminentemente impositiva quanto
aos processos de admissão em searas sociais específicas.
INTRODUÇÃO
Direitos
e Garantias Fundamentais são institutos jurídicos encontrados em todas as
constituições da pós-modernidade, de forma implícita ou explícita, sob a égide
de exercer tutela sobre bens e valores elementares que permitam a convivência
harmônica entre os seres humanos. É possível dizer que Direitos Fundamentais
são juízos de valor emanados sócio antropologicamente por sujeitos e/ou grupos
sociais dominantes ou com vistas à uniformização de funções sociais e execução
da práxis do
poder.
Esses valores
primordiais são produto de processos históricos e, por isso mesmo, são
contingenciados, cumulativos, de sorte que os bens tutelados tendem apenas a se
ampliar e nunca a reduzir. Em nossa constituição, em seu Título II, trata-se
exclusivamente sobre Direitos e Garantias Fundamentais, contudo, nem todos os
Direitos Fundamentais exprimem-se ali, por terem sido colocados em outros
Títulos ou pelo simples fato de alguns deles não terem sido observados quando
do processo de escrita da Carta Magna. Uma abordagem muito interessante acerca
desses direitos é que muitos autores (inclusive a Norma Civil) defendem que
existem alguns direitos natos, ou seja, o ser humano, pelo simples fato de ter
nascido com vida, já carrega consigo uma série de direitos. Outra questão de
impedimento à positivação dos Direitos Fundamentais é a pobreza lexical que
impede a expressão conceitual em relação a questões extremamente abstratas no
que tangem a esses direitos.
Garantias
Fundamentais são institutos jurídicos de natureza procedimental que
instrumentalizam e, de certa forma, asseguram o exercício dos Direitos
Fundamentais. É mais uma forma de instigar o cumprimento dos direitos.
ORIGEM E EVOLUÇÃO
Direitos Fundamentais nascem de uma perspectiva inicialmente ligada à noção de
providência de Deus, dos deuses ou de entidades espirituais a certas
necessidades do ser humano, ao passo que a incorporação dessa noção à realidade
vigente, de certa forma, acabou tendo uma assunção de uma postura que garantia
a proteção desses direitos por instrumentos de procedimentalização jurídica
cunhados de garantias jurídicas fundamentais. Durante a história dos Direitos
Fundamentais, seus objetos de incidência foram se modificando e, quanto a isso,
podem ser classificados em quatro espécies ou gerações de acordo com a matriz
objetiva que dava as diretrizes à criação dos direitos:
1. Direitos de primeira
geração: são também conhecidos como direitos da liberdade, de forma que, faz
nascer a necessidade do exercício da prestação negativa do Estado, ou seja, o
Estado não poderia cercear os direitos referentes à liberdade, cabendo apenas
respeitar as liberdades individuais (normalmente tida com um caráter
contratualista) dos sujeitos.
2. Direitos de segunda
geração: são também classificados direitos de igualdade, assegurados através de
prestação positiva do Estado em reconhecer e estimular políticas públicas que
procurem dar as mesmas condições a todos os partícipes, pondo-os na mesma possibilidade
de ascensão social, evitando a manutenção das disparidades sociais e a redução
do abismo socioeconômico.
3. Direitos de terceira
geração: esses direitos são agrupados como direitos que buscam englobar a
segurança de terceiros, ou seja, os direitos ligados à fraternidade. Isso quer
dizer, que o objetivo desses direitos é buscar assegurar a continuidade de um
bem, resguardando a outros sujeitos uma série de direitos que, para haver
continuidade, devem ser previamente preservados. São direitos sociais e, por
isso, exigem prestação positiva do Estado com relação ao reconhecimento e
implementação de políticas públicas que favoreçam o alcance da modalidade-fim à
qual vem se propondo.
4. Direitos de quarta
geração: esses direitos foram difundidos depois dos acontecimentos históricos e
socioeconômicos decorrentes da Segunda Guerra Mundial, e foram conhecidos como
direitos da globalização, pois se estenderam a uma grande quantidade de países
de forma quase igualitária, ressalvadas algumas características particulares de
cada nação.
Há ainda
autores que defendem uma quinta geração de direitos advinda dos avanços
significativos nas áreas de robótica e biotecnologia.
DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO
O direito à Educação está para além do direito de ser lotado numa sala de aula.
Ter direito à educação é, na verdade, ter meios de dotar os aprendizes de
condições mínimas de construção de uma identidade social e cultural
proporcionando um desenvolvimento biopsicossocial aceitável, estimulando o
exercício crítico e reflexivo e a empatia nos sujeitos. RAMOS (2007) relata
que:
"O
direito a educação é considerado um dos direitos fundamentais ao homem e ocupa
mundialmente um lugar central nos Direitos Humanos. De acordo com o pensamento
de André Ramos, tais direitos é um conjunto mínimo de normas "necessárias
para assegurar a vida digna do ser humano" e, por isso, "são direitos
atribuídos a qualquer indivíduo, sendo assim, considerados direitos de
todos"."
Segundo CURY
(2002), ao analisar o eminente jurista Norberto Bobbio quando da normatização
de políticas relativas à educação:
"A
existência de um direito, seja em sentido forte ou fraco, implica sempre a
existência de um sistema normativo, onde por "existência" deve
entender-se tanto o mero fator exterior de um direito histórico ou vigente
quanto o reconhecimento de um conjunto de normas como guia da própria ação. A
figura do direito tem como correlato a figura da obrigação. (1992, p. 79-80)
Certamente
que, em muitos casos, a realização dessas expectativas e do próprio sentido
expresso da lei entra em choque com as adversas condições sociais de
funcionamento da sociedade em face dos estatutos de igualdade política por ela
reconhecidos. É inegável também a dificuldade de, diante da desigualdade
social, instaurar um regime em que a igualdade política aconteça no sentido de
diminuir as discriminações. Além disso, muitos governos proclamam sua
incapacidade administrativa de expansão da oferta perante a obrigação jurídica
expressa."
Neste sentido,
proponho o exercício crítico acerca de um tema absolutamente polêmico que ronda
o cenário social: a política de cotas principalmente para o ensino superior.
A política de
cotas constitui um dos instrumentos de tentativa de retroação ou amenização dos
efeitos altamente gravosos causados por anos de desigualdades e exclusão social
ao passo que traz em sua gênese teórica a razão social advinda da possibilidade
de incluir socialmente (e não tentar apenas inserir) os sujeitos capazes de
desenvolver-se biopsicossocialmente dentro dos interesses coletivos e
particulares. Insere-se ai então uma imensa discussão doutrinária acerca do que
me parece ser uma interpretação reducionista, tal a falta de uma observação
hermeneuticamente criteriosa sobre o princípio constitucional conhecido por
isonomia, ou seja, a diretriz que busca implantar a igualdade e o sentimento de
equidade entre os partícipes. Assim, se faz necessário a citação do disposto no
caput do artigo 5º, bem como os incisos IX, XIV da Constituição Federativa do
Brasil:
"Art. 5º
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade [...].
IX - é livre a
expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença;
XIV - é
assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte,
quando necessário ao exercício profissional;"
Se o direito à
educação é assegurado entre os artigos 205 e 214 e o princípio da isonomia
encontra-se expresso no artigo 5º da Carta Constitucional, parece, pois,
repousar ai um conflito, uma dicotomia aparente: a política de cotas parece
gerar um fenômeno inverso ao proposto pelo princípio da igualdade, pois, tal
"concessão" atua de maneira que fere o princípio de concurso sem
cláusulas especiais que resguardem grupos sociais específicos. Entretanto, em
sua abordagem pedagógica, a política de cotas existe para instaurar a tentativa
de incluir histórica, econômica e socialmente sujeitos pertencentes a searas
sociais que, historicamente, vem sendo violentadas com a força centrípeta,
altamente repressiva da padronização social, massificando a ideologia de uma
maciça representação do poder coercitivo do Estado em relação aos indivíduos
através de instituições como o direito.
Versando sobre
a instituição das leis que tem como substrato material a educação, atuando
tanto no cenário nacional (através da legislação constitucional e infra-constitucional)
quanto por tratados internacionais de reconhecimento da importância desta
ferramenta de enorme importância social, diz CURY (2002):
"É por
essas razões que a importância da lei não é identificada e reconhecida como um
instrumento linear ou mecânico de realização de direitos sociais. Ela acompanha
o desenvolvimento contextuado da cidadania em todos os países. A sua
importância nasce do caráter contraditório que a acompanha: nela sempre reside
uma dimensão de luta. Luta por inscrições mais democráticas, por efetivações
mais realistas, contra descaracterizações mutiladoras, por sonhos de justiça.
Todo o avanço da educação escolar além do ensino primário foi fruto de lutas
conduzidas por uma concepção democrática da sociedade em que se postula ou a igualdade
de oportunidades ou mesmo a igualdade de condições sociais.
Hoje cresceu,
enfim, a importância reconhecida da lei entre os educadores, porque, como
cidadãos, eles se deram conta de que, apesar de tudo, ela é um instrumento
viável de luta porque com ela podem-se criar condições mais propícias não só
para a democratização da educação, mas também para a socialização de gerações
mais iguais e menos injustas."
Analisando a
inserção do direito à educação nas cartas constitucionais, BOBBIO (1992) diz:
"Não
existe atualmente nenhuma carta de direitos que não reconheça o direito à
instrução — crescente, de resto, de sociedade para sociedade — primeiro,
elementar, depois secundária, e pouco a pouco, até mesmo, universitária. Não me
consta que, nas mais conhecidas descrições do estado de natureza, esse direito
fosse mencionado. A verdade é que esse direito não fora posto no estado de
natureza porque não emergira na sociedade da época em que nasceram as doutrinas
jusnaturalistas, quando as exigências fundamentais que partiam daquelas
sociedades para chegarem aos poderosos da Terra eram principalmente exigências
de liberdade em face das Igrejas e dos Estados, e não ainda de outros bens,
como o da instrução, que somente uma sociedade mais evoluída econômica e socialmente
poderia expressar."
Analisando o
texto retrocitado, CURY complementa com o pensamento de OLIVEIRA:
"Apesar
desse direito não constar do estado de natureza ou mesmo entre os chamados
direitos naturais, será no contexto da aceitação ou da
recusa a essa forma de encarar o nascimento da sociedade moderna que a
instrução lentamente ganhará destaque. Ora ela é o caminho para que as Luzes
(Universais) se acendam em cada indivíduo, a fim de que todos possam usufruir
da igualdade de oportunidades e avançar diferencialmente em direção ao mérito,
ora ela é uma função do Estado a fim de evitar que o direito individual não
disciplinado venha a se tornar privilégio de poucos.
Com efeito, as
luzes da razão, com suas leis racionais, supõem a atualização nos seres
racionais de modo a poder realizar o interesse de todos em cada qual. A
realização do interesse de cada um, interesse esse racional e oposto ao
universo passional, é tido como um valor que impulsiona a ação do indivíduo
tendo em vista o princípio da responsabilidade individual. De acordo com este
princípio, cada pessoa, cada cidadão deveria ser capaz de garantir-se a si
mesmo e a seus dependentes, não cabendo a intervenção do Estado (Oliveira, p.
160, 2000)."
Continuando a
análise acerca do papel da educação na construção de um indivíduo capaz de
executar satisfatoriamente a autogestão, CURY atesta:
"E uma
das condições para o advento dessa "racionalidade iluminada" e interessada,
própria da sociedade civil enquanto universo do privado, é a instrução, à
medida que ela abre espaço para a garantia dos direitos subjetivos de cada um.
E como nem sempre o indivíduo pode sistematizar esse impulso, como nem sempre
ele é, desde logo, consciente desse valor, cabe a quem representa o interesse
de todos, sem representar o interesse específico de ninguém, dar a oportunidade
de acesso a esse valor que desenvolve e potencializa a razão individual. Mas,
segundo John Locke, esta é uma possibilidade a ser construída.
...Locke
adverte, o caminho que leva à construção desta sociedade implica um processo
gigantesco de educação, e não apenas a educação entendida no sentido da
transmissão do conhecimento mas no sentido da formação da cidadania. (Oliveira,
p. 181, 2000)
Daí a
instrução se tornar pública como função do Estado e, mais explicitamente, como
dever do Estado, a fim de que, após o impulso interventor inicial, o indivíduo
pudesse se autogovernar como ente dotado de liberdade e capaz de participar de
uma sociedade de pessoas livres."
A Constituição
Federal, promulgada em 1988 assegura, nos artigos 205 a 214, o direito à
Educação, dentre os quais, destacamos:
"Art. 205 - A educação, direito de todos e dever
do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 206- O ensino será ministrado com base
nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso
e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar,
pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de idéias e de concepções
pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
IV - gratuidade do ensino público em
estabelecimentos oficiais;
V - valorização dos profissionais da
educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso
exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas;
VI - gestão democrática do ensino
público, na forma da lei;
VII - garantia de padrão de qualidade.
VIII - piso salarial profissional nacional
para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal.
[...]
Art. 207 - As universidades gozam de autonomia
didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e
obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
extensão.
[...]
Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional
de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional
de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e
estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do
ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações
integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam
a:
I - erradicação do analfabetismo;
II - universalização do atendimento
escolar;
III - melhoria da qualidade do ensino;
IV - formação para o trabalho;
V - promoção humanística, científica e
tecnológica do País.
VI - estabelecimento de meta de aplicação
de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto."
Antes de nos
aprofundarmos na discussão, é preciso notar a necessidade de análise dos
entornos que cerceiam a questão da educação, principalmente estimulando a
análise ideológica contida nos discursos daqueles que defendem a teoria da
isonomia absoluta em detrimento da política social das cotas para ingresso nas
universidades.
Segundo
MARTINS:
"Comecemos
por entender o alcance da educação como direito de todos. A educação é a
prerrogativa que todas as pessoas possuem de exigir do Estado a prática
educativa. Como direito de todos, a educação, pois, traduz muito da exigência
que todo cidadão pode fazer em seu favor.
Sem embargo, a educação como direito de todos aparece, pela primeira vez, na
Constituição de 1934. O artigo 149 da Constituição de 1934 assim se pronuncia
sobre a educação:
" A educação é direito de todos e deve ser ministrada pela família e pelos
poderes públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e a
estrangeiros domiciliados no País, de modo que possibilite eficientes fatores
da vida moral e econômica da Nação, e desenvolver num espírito brasileiro a
consciência da solidariedade humana".
Na Constituição de 1946, a educação também definida como direito de todos:
" A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola". Na
Constituição de 1969, o artigo 176 assim se pronuncia sobre a educação como
direito de todos:
" A educação, inspirada no princípio da unidade nacional e nos ideais de
liberdade e solidariedade humana, é direito de todos e dever do Estado, e será
dada no lar e na escola".
Como veremos, mais adiante, o direito de todos à educação é na verdade o
direito social à educação. O direito social à educação concede aos cidadãos o
gozo da educação como serviço público.
Vimos que a garantia da educação como direito de todos é feita através do dever
do Estado de ofertá-la. É incumbência do poder público o serviço educacional.
Em seguida, a família é co-responsabilizada pela tarefa de educar seus filhos.
O fato novo, na Constituição Federal de 1988, é que, anteriormente, à família é
dada a incumbência de "ministrar" a educação (1946, Artigo 149) ou a
educação é tarefa a ser "dada no lar". (1937, artigo 128; 1969,
artigo 176)."
Em análise sobre as constituições,
MARTINS argumenta:
"O
fato novo, na Constituição Federal de 1988, é a colaboração da família, através
da promoção e do incentivo, no processo educativo. O termo colaboração indica o
reconhecimento por parte do Estado da enorme tarefa que cabe à sociedade,
especialmente a civil organizada, na formação dos educandos. Nada impede,
portanto, que a sociedade civil organizada, representada por associações
comunitárias, entidades religiosas e organizações não-governamentais, possa, em
conjunto com o Estado, realizar o trabalho em comum de educar as pessoas.
No entanto, uma pergunta pode advir: a educação, como direito de todos e dever
do Estado e da família, refere-se unicamente à formação escolar, que se dá nas
instituições de ensino?
Cremos que a partir de 1934, a educação é vista como um processo de
socialização e aprendizagem encaminhada ao desenvolvimento intelectual e ética
de uma pessoa. Decerto, é essa a maior contribuição dos parlamentares na fase
republicana: a socialização do conhecimento formal.
A Carta de 1824 ou mesmo a Constituição de 1891 parecem ter indicado a educação
apenas instrução por meio da ação docente e não como instrumento de comunicação
em favor da cidadania e da produção."
Analisando o
conteúdo disposto no dispositivo legal nº 206 da Carta Magna, GARCIA discute:
"Esta
obrigação estatal para com seu cidadão não se limita apenas a este dispositivo,
"que poderia soar como mera enunciação de uma norma programática", se
estendendo a criação de políticas estruturais, como o estabelecimento de
condições iguais para o acesso e permanência na escola (Art. 206, I), a
gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais (Art. 206, IV), a
garantia de padrão de qualidade (Art. 206, VII), o ensino fundamental
obrigatório (Art. 208, I), a progressiva universalização do ensino médio
gratuito (Art. 208, II), entre muitas outras, garantindo a exigibilidade do
dever do Estado a sua ampla e irrestrita efetividade."
O fator
nuclear da propositura da política de cotas observa que apenas pela educação
(não entendida pela educação formal e seus dogmatismos) é possível alcançar um
nível social mais confortável e um arcabouço teórico mais abrangente e
consistente, ao passo que a educação deve ser encarada em sua área de maior
influência, numa abordagem muito mais ampla do que aquela visão ligada ao
confinamento em um espaço físico para ser aculturado e formatado, afinal
educação tem uma configuração muito mais ampla e muito mais profunda. Passemos
então para uma análise histórica das concepções pedagógicas enunciadas no
inciso III do artigo 206.
Na história da
educação, surgiram algumas correntes doutrinárias originadas do cenário social,
cultural e político de cada época. Dando um foco à educação escolar, sugiro que
passemos a observar um pouco do instituto que, ideologicamente, detém o maior
poder centrípeto de padronização social e castração às possibilidades de
ascensão social, difundindo entre docentes e discentes tendências, preceitos e
preconceitos que devem ser amplamente discutidos e criteriosamente analisados.
Buscarei, brevemente, discorrer nesses próximos parágrafos analisando um pouco
da filosofia da educação, relatando sobre as tendências pedagógicas
desenvolvidas nos determinados contextos históricos enquanto fruto de tensões
sociais e reorganização das sociedades a fim de extinguir ou reduzir tais
conflitos.
Sob essa
ótica, parafraseio o professor Cipriano Luckesi. LUCKESI diz que há duas
grandes tendências ligadas às três principais concepções filosóficas e
sociológicas que analisa a educação e a posição dos indivíduos frente à
ideologia pregada ou pretendida pelo Estado:
Quadro 1 -
Tendências pedagógicas e suas concepções filosóficas.
TENDÊNCIA
REDENTORA DA EDUCAÇÃO
Na tendência redentora, criada à luz da sociologia estrutural das funções da
sociedade desenvolvida por Émile Durkheim, a educação serve para redimir os
pecados do Homem, principalmente o pecado da ignorância a fim de que possa ser
reincorporado à realidade harmônica e perfeita do organicismo social. Para os
seguidores desta tendência, o aluno (a
=ausência,
lumini = luz)
é concebido com uma tábua rasa ou uma caixa vazia e o professor um artesão ou
recipiente cheio da substância da sabedoria e do conhecimento, de sorte que,
seria através da transmissão de conhecimentos que os discentes estariam aptos a
receber o legado da retidão, da ética e da moral social com o princípio da
necessidade de retornar à perfeição. Essa concepção filosófica tem grande
relação com os preceitos teológicos, fator muito influente na época da
propositura desta tendência.
TENDÊNCIA
REPRODUTIVISTA DA EDUCAÇÃO
Na tendência reprodutivista, decorrente da sociologia weberiana, há uma
preocupação com a diagnose dos problemas sociais analisando as ações como fruto
de atos que detinham significados sociais específicos, reduzindo-se, entretanto
à diagnose e análise dos fatores sociais sem buscar ou propor medidas que
reduzissem ou extinguissem os problemas. Era uma tentativa de descrever
analiticamente uma determinada situação sob a influência do fato social
desenvolvido pelo sociólogo Max Webber.
TENDÊNCIA
TRANSFORMADORA DA EDUCAÇÃO
Nesta tendência pedagógica, a diagnose sem a proposição de medidas é inútil,
pois o mero exercício da dialética não se efetiva em seu objeto mais importante
que é a interferência na realidade através do que Karl Marx chamou de práxis que é a faculdade de ação de modificar
o espaço, pondo-se na condição de sujeito agente e não sujeito objeto. Para
Marx, o indivíduo não pode estar alheio a tantas coisas influentes de sua
realidade e é somente de posse dessas informações que poderá haver a
modificação da realidade. Nestas linhas gerais, que retomam o ideal de educação
integral do ser humano desenvolvido na Antiguidade Clássica, o ser deve ter
todas as potencialidades estimuladas e suas deficiências de aprendizado tomadas
como particularidades que devem ser entendidas e ainda com mais força
exercitadas. A relação ensino-aprendizagem aqui é tomada com o ideal de
construção do conhecimento à medida da construção, desorganização e
reconstrução do ser humano, de seus ideais e desejos mais latentes. O ser
humano é considerado em seu mais alto nível de complexidade enquanto organismo
que é fruto de processos biopsicossociais.
CURY, indo um
pouco adiante, faz uma análise muito pertinente no que concerne à implantação
efetiva do direito à educação:
"Mesmo
com declarações e inscrição em lei, o direito à educação ainda não se efetivou
na maior parte dos países que sofreram a colonização. As conseqüências da
colonização e escravatura, associadas às múltiplas formas de não-acesso à
propriedade da terra, a ausência de um sistema contratual de mercado e uma
fraca intervenção do Estado no sistema de estratificação social produzirão
sociedades cheias de contrastes, gritantes diferenças, próprias da desigualdade
social. A persistência desta situação de base continua a produzir pessoas ou
que estão "fora do contrato" ou que não estão tendo oportunidade de
ter acesso a postos de trabalho e bens sociais mínimos.
Isto explica o
enorme número de pessoas que sequer possui educação primária, sendo ainda
grande o número de pessoas que possui poucos anos de escolaridade. A pirâmide
educacional acompanha muito de perto a pirâmide da distribuição da renda e da
riqueza.
Para os tempos
contemporâneos, em que vai se constituindo a chamada "sociedade do
conhecimento", a distância entre pobres e ricos aumenta também por causa
do acesso aos conhecimentos disponíveis e às novas formas de linguagem que
necessitam de uma socialização própria. Essa distância também tem aumentado a
distância entre países ricos e países pobres, no momento em que o conhecimento
tem-se constituído em mais-valia intelectual e base para o desenvolvimento
auto-sustentado dos países.
Isto não quer
dizer que se deve diminuir a importância da declaração de direitos. Declarar um
direito é muito significativo. Equivale a colocá-lo dentro de uma hierarquia
que o reconhece solenemente como um ponto prioritário das políticas sociais.
Mais significativo ainda se torna esse direito quando ele é declarado e
garantido como tal pelo poder interventor do Estado, no sentido de assegurá-lo
e implementá-lo."
POLÍTICA AFIRMATIVA DE COTAS
Pensar de maneira imediatista sobre as
políticas afirmativas de cotas ou tentar desvinculá-las de outros programas
sociais de cunho não-assistencialista implicaria incorrer numa análise jus
filosófica, histórica, sociológica e antropológica pouco criteriosa acerca do
principio constitucional da isonomia, observando que este comporta duas espécies
distintas e independentes, a saber: igualdade formal e igualdade material,
conforme versaremos a seguir.
Isonomia formal
Entende-se por
igualdade formal o princípio explicito gravado no dispositivo constitucional
através do art. 5º que versa:
"Todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade[...]".
Nesse
entendimento, todos são iguais em oportunidades, características e necessidades
e a dimensão histórica dos agentes é ignorada com o único objetivo de causar
uma pseudo segurança jurídica e, em decorrência disso, acaba por tentar
silenciar tensões sociais sob a égide de instituir uma nação cuja isonomia
reina imperiosa e onde não há desigualdades sociais ou diferenças relevantes à
construção de uma cultura pautada no respeito e no pluralismo de ideias e de
pertencimentos sociais.
Pensar que
todos nós temos as mesmas oportunidades e condições é, na verdade, permitir que
seja difundida a ideologia que os seres integrantes deste País tem a mesma
origem, condição financeira e igualdade numa série de outros mecanismos de
controle e segregação social. Esses instrumentos, na verdade, servem como
institutos diretivos que imprimem na população um sentimento de impotência
frente a políticas e programas pensadas pelas camadas mais abastadas econômica
e intelectualmente para que se mantenha a situação de miserabilidade e
submissão dos demais partícipes desta sociedade.
Isonomia material
É um
entendimento mais moderno que concebe que o direito positivado, ou seja,
expresso através de uma lei por si só não é capaz de ter sua máxima
aplicabilidade no sentido de traduzir os interesses e aspirações da sociedade e
tomando uma dimensão mais forte no que tange à urgência por ultrapassar os
padrões pré-estabelecidos (estereótipos) a fim de que seja instaurada de
maneira real a igualdade fixada na Carta Constitucional.
A expressão
desta premissa, onde se deve tratar desigualmente os sujeitos que vieram sendo
tratados historicamente de maneira diferente, fundamenta-se principalmente
através do binômio socioeconômico que se estabelece na relação
dominante-dominado.
A
dimensão histórica mantém, ainda hoje, uma influência muito marcante na própria
organização da dinâmica populacional brasileira que pouco tem se modificado com
relação à instituição de poder e manutenção do status
quo da classe
dominante. Esse fator histórico que ainda se mantem como ranço da herança
escravista é indispensável à compreensão de algumas situações de supressão dos
direitos e liberdades de alguns grupos que ainda permanecem, mesmo agora na
segunda década do século
Fonte:
http://www.artigonal.com/direito-artigos/direitos-e-garantias-fundamentais-uma-analise-socio-antropologica-do-surgimento-e-implantacao-dos-direitos-humanos-5513388.html
Acadêmico
das graduações nos cursos de Licenciatura Plena em Pedagogia pela Universidade
Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e Bacharelado em Direito pela Faculdade
Metropolitana da Grande Recife (FMGR).