Renato Padilha Ferreira Barros[1]
Prof. Ms. Aluísio Carvalho[2]
RESUMO
Este texto trata a
respeito do confronto entre os paradigmas da simplificação e o da complexidade
com a finalidade de promover uma visão mais ampla da problemática entre aos
desafios do pensar na contemporaneidade, procurando discutir, de forma
sintética, a crise de uma cientificidade produzida na modernidade clássica e a
preocupação em construir uma ciência com consciência, quer dizer, uma forma de
produção científica voltada para o singular, para os macroconceitos e para a
complexidade. Neste sentido, descreve-se as principais teorias que estruturaram
a modernidade clássica e a contemporaneidade, refletindo os princípios do
paradigma da complexidade na concepção do pensador francês Edgar Morin.
PALAVRAS
CHAVES:
Paradigma, Simplificação, Complexidade.
RÉSUMÉ
Ce
texte parle sur la confrontation entre les paradigmes de la complexité et la
simplification afin de promouvoir une vision plus large du problème parmi les
défis de la pensée contemporaine, en essayant de discuter, sous forme de
résumé, la crise de la modernité classique produite dans les domaines scientifique
et l'inquiétude dans la construction de la science avec une conscience, c'est
une forme de production scientifiques singulier, pour macroconcepts et la
complexité. En ce sens, décrit les principales théories qui ont façonné la
modernité classique et contemporaine, reflétant les principes du paradigme de
la complexité dans la conception des Français Morin Edgar penseur.
MOT-CLÉ: Paradigme,
Complexité et Simplification
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho tem a finalidade de refletir os
desafios do exercício do pensar na contemporaneidade, confrontando os
paradigmas da simplificação, desenvolvidos na modernidade clássica, e o da complexidade,
buscando assim, um maior entendimento sobre o pensamento complexo na obra
“Ciência com Consciência” de Edgar Morin. Discutiremos a crise científica
tradicional na contemporaneidade e tentaremos construir uma visão científica
com consciência, quer dizer, uma forma de produção epistemológica voltada para
o singular, para os macroconceitos e para a complexidade. Analisaremos a
hipótese de que a construção de um pensamento complexo, voltado ao singular e
ao local, preocupado com um pensar de maneira dialógica e por macroconceitos,
possibilitará com que o ser humano desenvolva o exercício do pensar de forma
que compreenda os problemas do nosso tempo, desprendendo, dessa forma, dos
determinismos que foram desenvolvidos na modernidade. Nosso trabalho estará
montada no método de pesquisa de natureza
bibliográfica, consistindo na leitura, análise, compreensão e interpretação dos
textos da obra “Ciência com Consciência”, de Edgar Morin, e das obras
que cercam o tema do paradigma da complexidade.
Na primeira parte abordaremos os principais
desafios do pensar diante da problemática da educação. Levaremos em
consideração que a educação ainda se encontra voltada a uma forma escolástica
pedagógica; fundamentada em quatro equívocos, que foram explorados por
Nietzsche; e presa a um paradigma da simplificação, quer dizer, presas a princípios
construídos na modernidade clássica que trazem em si um caráter fragmentário e
simplista, fazendo com que seja desenvolvida apenas uma recognição, quer dizer,
uma absorção de conhecimentos já produzidos. Também trataremos o problema do
conceito e a experiência do problema, tendo como ponto de partida a dificuldade
de se criar novos conceitos devido à falta de uma profunda experiência com os
problemas singulares.
Na segunda parte falaremos sobre o paradigma
da simplificação e o da complexidade. Será tratada a problemática do pensar
dentro de um contexto em que o universo complexo é simplificado em leis
científicas. Exporemos os postulados da modernidade clássica de Descarte e
Newton e os da contemporaneidade de Albert Einstein, Heisenberg, Gödel, Ilya Prigogine e Fritjof Capra. Por fim,
analisaremos o paradigma da complexidade dentro de um contexto amplo e
conceitual, onde será possível entender que a ciência precisa estar aberta a
complexidade das relações entre o macro e o micro, o planetário e o local, o
universo e o homem.
2 OS DESAFIOS DO
PENSAR, O CONCEITO E A EXPERIÊNCIA DO PROBLEMA
2.1 Os principais desafios para o exercício do
pensar
Diante dos inúmeros desafios que prejudicam o
exercício do pensar, um que deve se dar notoriedade é a maneira como ensinamos
e aprendemos as coisas, pois estamos ainda baseados na forma escolástica, isto é, a transmissão, “de
forma organizada e metódica, de certo corpus
de conhecimentos construídos ao longo da história” (Silvio Gallo, 2008). Essa
transmissibilidade de informações e conteúdo dificulta a construção de um
pensamento autônomo, novo, criador e crítico. Dificulta também a criação de novos
conceitos, fazendo com que
se objetive apenas uma capacidade de “recognição”, isto é, de pensar o já
pensado.
Na Idade
Média, principalmente na primeira metade, do século V ao IX, houve uma
fragmentação do pensamento e da cultura helênica por consequência da queda do
Império Romano, fruto das invasões barbarás. A cultura clássica foi enterrada
devido às constituições dos reinos bárbaros nas diversas regiões do império. O
grande desafio dos intelectuais da Idade Média, principalmente para os
escolásticos, foi juntar, conservar e salvar os restos encontrados da cultura helênica.
Segundo Julián Marías:
[...] é essa a missão dos intelectuais desses quatros séculos; seu
trabalho não é nem pode ser de criação, mas apenas de recopilação.
Paralelamente na Espanha, na França, na Itália, na Alemanha, na Inglaterra,
alguns homens vão recolher com cuidado o que se sabe da antiguidade e reuni-lo
em livros do tipo enciclopédico, nada originais, puros repertórios do saber
greco-latino. (Julián
Marías, 2004).
Nesse contexto, podemos perceber que a
pedagogia se comporta como uma “máquina” explicadora, em que as informações são
transmitidas ao longo do tempo, ao bel prazer do professor, da instituição de
ensino ou da intenção política vigente, sem nenhuma preocupação com a discussão
crítica dos fatos apresentados. Toda essa problemática pedagógica pode ser
refletida na alegoria da caverna de Platão. Nesta metáfora, o filósofo, quando
faz o percurso do aprendizado e adquire o conhecimento, a ‘verdade’, volta, por
um dever moral, e transmite os conhecimentos aos cidadãos acorrentados, tentando,
assim, libertá-los da ignorância das sombras. Como transmitir essas informações
de forma que leve todos, ou uma grande parte, a uma atitude filosófica
reflexiva, a um posicionamento crítico diante da realidade e uma possível
libertação intelectual? Essa forma pedagógica, ou técnica de ensino é um dos
maiores problemas da educação na contemporaneidade.
Diante desta problematização, afirma Edgar
Morin (2005) em uma de suas obras: “mais vale uma cabeça bem-feita que bem-cheia”.
Ele quer dizer que a primeira finalidade do ensino deve estar ligada a uma
capacidade de criar uma ‘cabeça bem-feita’, quer dizer, desenvolver nas pessoas
uma capacidade da criação e assimilação de princípios de seleção e organização
do conhecimento adquirido, dando-lhe sentido. Tal pensamento contrapõe à ideia
da ‘cabeça bem-cheia’, que se preocupa apenas em criar uma capacidade de
acumulação e empilhamento de conhecimentos. A forma como fazemos a educação
leva as pessoas a se preocuparem apenas em “encher” a cabeça, quer dizer,
assimilar conteúdos transmitidos pelos professores ao longo da vida letiva, não
em desenvolver tais conteúdos a ponto de conseguirem uma interrelação com os
seus problemas cotidianos, nem em ligar os diferentes saberes acumulados.
Outro problema, agora na concepção
nietzschiana, é entender a educação como um sistema que foi construído
fundamentado em quatro fatores, no qual ele afirma ser os ‘equívocos’ ou os ‘erros’
da pedagogia contemporânea:
Os quatro erros. A educação do homem
fez-se atra-vés de seus erros: em primeiro lugar, viu-se sempre apenas como
imperfeito; em segundo lugar, atribuiu-se qualidades fantasiosas; em terceiro
lugar, sentiu que, na hierarquia dos seres, ocupava uma posição falsa em
relação ao animal e à natureza; em quarto lugar, foi inventado sempre novos
quadros de valores que, durante algum tempo, considerava eternos e absolutos,
de modo que ora este ora aquele impulso e estado humano passavam a ocupar a
primeira posição, e era sobrevalorizado como consequência dessa apreciação. Se
se abstrair o efeito destes quatro erros, abstrair-se-á também a humanidade, a
natureza humana, e a “dignidade humana”. (Adão
José Peixoto (org.), 2001).
Segundo tal concepção, uma educação baseada
nesses equívocos leva o homem a conceitos universais dos objetos estudados,
preocupando-se assim com visões subjetivistas. Tal concepção do “homem
universal” fez com que o ensino servisse apenas para gerar uma “ordem
estatizada”, onde o poder do Estado mantém seus cidadãos unidos a uma maneira
de pensar e agir uniformizada, garantindo uma pseudo-paz. Nega-se a pluralidade
humana, a diversidade de pensamentos, conceitos, visões de mundo, a
singularidade expressada em cada ser vivo, etc.
Como podemos perceber, a aquisição de
informações e a continuidade de métodos tradicionais de ensino não conseguem
desenvolver uma formação do homem pensante de forma concreta. É preciso
embarcar em outras dimensões intelectuais formativas, como por exemplo, a busca
de uma profunda experiência com os problemas e os conceitos estudados, além de
uma quebra de paradigmas, passando das teorias da simplificação para as teorias
da complexidade.
2.2 O problema do conceito
O conceito é uma
ideia ou representação de um objeto feita pelo pensamento. É aquilo que a mente
entende. No Dicionário Aurélio (1986), o conceito é uma “representação dum
objeto pelo pensamento, por meio de suas características gerais”. Cada pensador
buscou desenvolver seus próprios conceitos a partir dos problemas existentes em
seu tempo. Segundo Deleuze, “não há conceito simples. Todo conceito tem
componentes, e se define por eles. Tem portanto uma cifra. É uma
multiplicidade, embora nem toda multiplicidade seja conceitual” (DELEUZE;
GUATTARI, 1992) . Todo conceito trás em si um contexto que varia de acordo com
a época e as circunstâncias. Um exemplo da multiplicidade conceitual é o termo
‘transcendência’, no qual teve ao longo da história da filosofia três diferentes
significados. No primeiro período poderíamos entender transcendência como algo
que vai além do campo sensível, que é entendido pela metafísica. Estaria ligado
na relação de Deus com o mundo. Era um
conceito teológico. Já no segundo período, precisamente no período Medieval, o
conceito de transcendentalidade estava fundamentado em princípios aristotélicos
no qual estava ligado ao conceito de realidade, como por exemplo: unidade,
verdade e bondade. Em um terceiro
período, precisamente na modernidade, em Kant, o termo ‘transcendental’ toma outros
aspectos conceituais. Aqui ele se limita aos campos da razão, quer dizer, se
limita as possibilidades condicionais do próprio conhecimento.
No campo da educação
podemos observar a caducidade de determinadas instituições de ensino e de
professores em torno de temas, aprioristicamente complexos e contemporâneos,
que são simplificados e enquadrados nos objetivos e métodos pedagógicos
puramente tradicionais. Percebemos professores fundamentando os temas abordados
da contemporaneidade ainda envoltos em conceitos modernos ou até medievais.
Segundo Deleuze (1992):
Não há conceito de um só componente:
mesmo o primeiro conceito, aquele pelo qual uma filosofia “começa”, possui
vários componentes, já que não é evidente que a filosofia deva ter um começo e
que, se ela determina um, deve acrescentar-lhe um ponto de vista ou uma razão.
Descartes, Hegel, Feuerbach não somente não começam pelo mesmo conceito, como
não têm o mesmo conceito de começo. Todo conceito é duplo, ou triplo, etc.
Também não há conceito que tenha todos os componentes, já que seria um puro e
simples caos: mesmo os pretensos universais, como conceitos últimos, devem sair
do caos circunscrevendo um universo que os explica (contemplação, reflexão,
comunicação...).
É preciso entender os conceitos que estão
sendo discutidos. É também preciso motivar as pessoas, que querem realmente
pensar, a criarem novos conceitos. Os tempos mudam. As pessoas mudam. Os
conceitos mudam. Nem sempre encontramos intelectuais no seu tempo, criando
novos conceitos. Isso é mais uma demonstração do quanto as pessoas ainda estão
presas à recognição. É preciso entender que o termo ‘pensar o pensado’, não
está ligado ao sentido hegeliano no conceito de filosofia, como uma ciência que
pensa o pensado, que pensa encima dos pensamentos filosóficos desenvolvidos na
história, mas aqui estamos tratando o conceito de educação que apenas se
preocupa na absorção dos conceitos existentes e repeti-los de forma metódica e
precisa. Como é possível falar do “hoje” se ainda estamos presos a conceitos do
“passado”? O problema de não se criar novos conceitos e repensar novos
componentes é que engessa as mentes e não se quebra paradigmas. Essa forma de
pensar, baseado na recognição, traz para nós uma dogmática do pensamento, no
qual abstraímos problemas impostos pelos educadores. Pensar fora deste eixo é ainda
o grande desafio da humanidade. Para Silvio Gallo, “o problema é aquele
incômodo que perturba [...], que não lhe permite descansar, que o faz
aventurar-se no pensamento e fabricar os conceitos”. (BORBA; KOHAN, 2008.
p. 125).
A partir dai podemos pensar em uma solução:
antes de qualquer trabalho intelectual de cognição ou recognição, é preciso que tanto o educador
quanto o educando permitam-se a uma profunda experiência com o
problema, para, a partir daí, ser possível pensar em uma educação ativa, onde o
aprendizado seja livre e verdadeiramente autêntico, como nos
ensina Paulo Freire (2011), que é preciso “saber que ensinar não é transferir
conhecimento, mas criar possibilidades para a sua própria produção ou a sua
construção”. Com base na experiência do problema, podemos desenvolver uma
abertura para um entendimento mais aprofundado da realidade e assim, criar
conceitos conforme a necessidade do nosso tempo, com liberdade e autonomia.
2.3
A experiência do
problema
A experiência com o problema é um dos fatores
mais importantes na busca de um pensar mais eficiente, livre e autônomo, pois
leva-nos a produzir conceitos. Silvio Gallo, citando Deleuze e Guattari (1992),
diz que “todo conceito remete a um problema”. Aprender voltado para os
problemas faz com que as pessoas desenvolvam um pensar mais aprofundado,
gerador de conceitos. Não se pode produzir intelectualidade sem um motor
motivacional que é o problema; como também não se pode aprofundar no problema,
sem antes experimentá-lo.
Todo acontecimento é problematizante. Ninguém
pode defender uma tese sem ter tido uma profunda experiência com a mesma. Por
exemplo: certo dia, mexendo em meu facebook, vi um comentário: “porque não
vemos, hoje em dia, movimentos a favor da educação, da saúde, da qualidade de
vida, etc”. Fui verificar o perfil dessa pessoa e percebi que ela é de uma
posição, em uma análise sociológica sobre estratificação social, taxada como
“classe A”. É
provável que tal pessoa não vá as ruas lutar pela educação, pois
ela não sofre, de forma direta, este problema; ou lutar pela saúde, pois a
mesma deve transitar entre os melhores hospitais de sua cidade; não que ela não
possa lutar em outras dimensões, como a ideológica, teórica, etc., mas a falta
da experimentação direta dos problemas, nem que seja de pesquisa in loco, por exemplo, leva-a apenas à
discuti-los distante das realidades. Seria um estado platônico de busca de
ideais que estão em outros planos ou mundos; enfim, não encontramos esses
movimentos nas ruas porque as pessoas, que deveriam lutar pelas soluções
efetivas desses problemas, estão ocupadas com cargas altíssimas de trabalho,
além de instabilidade profissional, dentre tantos outros problemas econômicos,
psicológicos, sociais, políticos, familiares, pessoais, etc.
Como já foi dito, é fundamental, antes de
qualquer coisa, uma experiência com o problema, para assim, entendê-lo na sua
complexidade. Silvio Gallo, novamente citando Deleuze, diz:
Tentativas pedagógicas procuram obter
a participação de alunos, mesmo muito jovens, na confecção de problemas, em sua
constituição, em sua posição como problemas. Ainda mais, todo mundo “reconhece”
de certa maneira que o mais importante são os problemas. Mas não basta
reconhecê-lo de fato, como se o problema fosse tão-somente um movimento
provisório e contingente, fadado a desaparecer na formação do saber, e que só
devesse sua importância às condições empíricas negativas a que se encontra
submetido o sujeito cognoscente; é preciso, ao contrário, levar esta descoberta
ao nível transcendental e considerar os problemas não como “dados”, mas como
“objetividades” ideais que tem sua suficiência, que implicam atos constituintes
e investimentos em seus campos simbólicos. Em vez de concernir às soluções, o
verdadeiro e o falso afetam em primeiro lugar os problemas. (BORBA; KOHAN, 2008,
p. 120).
É importante que cada pessoa possa entender
os problemas que o cercam. Econômicos, políticos, sociais, ideológicos,
tecnológicos, ambientais, familiares, pessoais, etc. É preciso buscar uma
emancipação intelectual na experimentação sensível dos problemas singulares.
Apenas com isso será possível experimentar um pensamento original. Como, por
exemplo, Platão que escreveu a obra ‘A República’, fazendo uma crítica à
democracia Grega, pois, como consta em seus livros, principalmente na obra
‘Apologia a Sócrates’, foi o povo, politicamente organizado, e manipulado por
um pequeno grupo de pessoas de condições econômicas ou poder político mais
elevado, que teria matado Sócrates, seu mestre. Ou Karl Marx que critica
fortemente o capitalismo, tendo como critério de análise a própria problemática
da industrialização na Alemanha, na Inglaterra, na França, etc., países no qual
visitou e morou. Também podemos citar Durkheim, que fala sobre a anomia,
levando em consideração não só a problemática do capitalismo e da
industrialização francesa, mas também de uma sociedade que tinha as marcas das
guerras ao longo de sua história. Essa atitude filosófica de experimentação e
racionalização dos problemas e a busca constante da reformulação e criação de
conceitos, dentro de uma perspectiva contemporânea, impulsiona os membros de
uma comunidade acadêmica, em todos os âmbitos da escolaridade, a auto-afirmação
e ao auto-conhecimento, importantíssimo para a construção de suas identidades.
3 O PARADIGMA DA
SIMPLIFICAÇÃO E DA COMPLEXIDADE
Diante de toda discussão acima apresentada,
podemos adentrar em um dos maiores desafios para o exercício do penar: a
discussão em torno do paradigma da simplificação e da complexidade. A história
nos mostra que tais paradigmas emergiram das discussões em torno de várias questões,
tais como: o pensar, a linguística e o conhecimento. Desde os
gregos, principalmente com os embates entre os sofistas e os socráticos em
torno da possibilidade de conhecer a verdade, das discussões entre a
“aparência” e a “essência”, da relatividade da verdade, do nada, etc.; os
medievais, com a influência do cristianismo e suas discussões entre fé e razão,
espírito e matéria, alma e corpo, verdades reveladas e verdades racionais,
etc.; os modernos, com as rupturas epistemológicas com o medievalismo,
principalmente entre o teocentrismo e o antropocentrismo, o método científico,
a rígida separação entre sujeito e objeto, a racionalidade, o conhecimento como
observação sistemática, rigorosa e livre, os paradigmas das leis de Newton,
etc; até os contemporâneos, com as teorias da relatividade de Albert Einstein,
a física quântica de Heisenberg, as investigações de Gödel em torno de uma crítica
a matemática e o seu rigor epistemológico, os avanços no campo da microfísica,
química e biologia, a cibernética, a teoria dos sistemas, etc., chegando assim
a uma discussão em torno da complexidade científica (Cf. Boaventura de Souza
Santos, 2002).
Tivemos, como contributo, os estudos de Edgar
Morin para a construção de um pensamento complexo, gerador do paradigma da
complexidade, quer dizer, de uma concepção do pensar no âmbito do complexo,
deixando assim, nas ciências de um modo geral, um espaço aberto para um diálogo
mais concreto no âmbito transdisciplinar. Como ele mesmo afirma:
Em
toda a minha vida, jamais pude me resignar ao saber fragmentado, pude isolar um
objeto de estudo de seu contexto, de seus antecedentes, de seu devenir. Sempre
aspirei a um pensamento multidimensional. Jamais pude eliminar a contradição
interna. Sempre senti que verdades profundas, antagônicas umas às outras, eram
para mim complementares, sem deixarem de ser antagônicas. Jamais quis reduzir à
força a incerteza e a ambigüidade. Desde meus primeiros livros confrontei-me
com a complexidade, que se tornou o denominador comum de tantos trabalhos diversos
que a muitos pareceram dispersos. Mas a palavra complexidade mesmo não me vinha
à mente, foi preciso que ela chegasse a mim, no final dos anos 60, através da
teoria da informação, da cibernética, da teoria dos sistemas, do conceito de
auto-organização, para que emergisse sob minha pena, ou, melhor, sobre meu teclado.
(Edgar Morin, 2006).
Mesmo que muitos já tenham falado sobre o
problema da complexidade, percebemos que, em Edgar Morin, esse tema traz uma
amplitude conceitual profunda e essencial para a construção de uma compreensão
dos nossos problemas contemporâneos.
3.1
O paradigma da simplificação e a
modernidade
Uma gama de pensamentos contribuíram para a
formação de um paradigma da simplificação. As duas correntes ideológicas que
guiaram a modernidade foram: o empirismo, que afirma que o conhecimento das
coisas era adquirido pela experiência sensível, predominava na Inglaterra,
tendo como expoentes máximos personalidades como Thomas Hobbes e John Locke; e
o racionalismo, que buscava um idealismo, como por exemplo, o metódico, em
Descartes; o gnosiológico transcendental, em Kant; o ontológico, em Hegel; etc.,
predominava mais no território europeu. O racionalismo buscava um conhecimento
que tendia para o global e o totalitário. O conceito clássico de ciência, que
transcorria essas duas tendências filosóficas, o empirismo e o racionalismo,
buscava um conhecimento certo, seguro, comprovado e de validade universal.
Segundo Maria Lúcia de Arruda Aranha, “o novo método científico inaugurou uma
forma de investigação mais rigorosa, que permite alcançar um conhecimento
sistemático, preciso e com maior objetividade” (ARANHA, 2005). Tiago Adão Lara
(2001) afirma que a “ciência é conhecimento universal e certo (do qual não se
pode duvidar)”. Analisando tais afirmativas, Edgar Morim entende que a ciência
moderna estava alicerçada por três pilares[3]: a ordem, a separabilidade
e a razão, dentro das estruturas metodológicas indutivas, dedutivas e de
identidade. Tais pressupostos formam a base paradigmática da simplificação e do
sentido moderno das formas de verificação da verdade e do erro científico. Para
ele, um paradigma pode ser definido por:
1 A Ordem, nas concepções deterministas, a Matéria, nas
concepções materialistas, o Espírito, nas concepções espiritualistas, a Estrutura,
nas concepções estruturalistas, são os conceitos-mestres
selecionados/selecionadores, que excluem ou subordinam os conceitos que lhes
são antinômicos (a desordem, o espírito, a matéria, o acontecimento). Desse
modo, o nível paradigmático é o do princípio de seleção das ideias que estão
integradas no discurso ou na teoria, ou postas de lado e rejeitadas.
2
Determinação das operações lógicas-mestras. O paradigma está oculto sob a lógica
e seleciona as operações lógicas que se tornam ao mesmo tempo preponderantes,
pertinentes e evidentes sob seu domínio (exclusão-inclusão,
disjunção-conjunção, implicação-negação). É ele quem privilegia determinadas
operações lógicas em detrimento de outras, como a disjunção em detrimento da
conjunção; é o que atribui validade e universalidade à lógica que elegeu. Por
isso mesmo, dá aos discursos e às teorias que controla as características da
necessidade e da verdade. Por sua prescrição e proscrição, o paradigma funda o
axioma e se expressa em axioma (“todo fenômeno natural obedece ao
determinismo”, “todo fenômeno propriamente humano se define por oposição
à natureza...”). (Edgar Morin, 2000, p. 24-25).
Nesse contexto, tanto a ordem, a
separabilidade, a razão e as lógicas indutivas e dedutivas formam um corpo
dogmático onde excluem outras possibilidades de discussões ou verificações, da
verdade ou do erro, por outros pressupostos. Para Morin (2000), “o paradigma
instaura relações primordiais que constituem axiomas, determina conceitos,
comanda discursos e/ou teorias. Organiza a organização deles e gera a geração
ou a regeneração”. Dessa maneira, a ciência moderna pressupõe um mundo que se
caracterizava pela regularidade, regido por leis invariáveis, universais e
deterministas, onde o real se reduz ao observável, experimentável e
quantificável. Há nessa concepção uma rígida separação entre o sujeito e o
objeto. Dentre inúmeros teóricos modernos, os dois grandes nomes, para a
formação de um paradigma da simplificação, foram: o filósofo Descartes e o
físico Isaac Newton.
Descartes (1596 – 1650), nascido na França, é
considerado o pai do racionalismo moderno. Ele “se propôs a encontrar uma ordem
sociopolítica que não descambasse no ateísmo e no materialismo. Esse escopo
[...] explica por que sua filosofia se esmera em provar, racionalmente, a
existência de Deus e a existência da alma como princípio nitidamente diverso do
corpo”. (LARA. 2001. p. 36). Nas suas principais obras, como por exemplo, o
‘Discurso do Método’ (1637), as ‘Meditações sobre a Filosofia Primeira’ (1641),
e as ‘Regras para a Direção do Espírito’ (1701), publicada depois de sua morte,
estão as bases de sua filosofia. Ele pretendia descobrir um método infalível de
aquisição da verdade racional. Para Morin:
O
paradigma cartesiano separa o sujeito e o objeto, cada qual na esfera própria:
a filosofia e a pesquisa reflexiva, de um lado, a ciência e a pesquisa
objetiva, de outro. Esta dissociação atravessa o universo de um extremo ao
outro: Sujeito/Objeto; Alma/Corpo; Espírito/Matéria; Qualidade/Quantidade;
Finalidade/Causalidade; Sentimento/Razão; Liberdade/Determinismo;
Existência/Essência. (MORIN. 2000. p. 26).
As
teorias newtonianas tentavam explicar o universo complexo de forma
simplificada. Newton acreditava que as ciências tinham a finalidade de
descobrir as leis que regem os fenômenos do universo e traduzi-las
matematicamente. Temos como exemplo a lei da gravitação universal. Para ele, a
força que havia puxado a fruta, que caiu em sua cabeça, para a terra seria a
mesma que não permitia que a Lua saísse da órbita da Terra. Até então nenhuma
lei da física havia sido aplicada a objetos terrestres e corpos celestes.
Newton foi o grande propulsor da ciência moderna clássica. Podemos chamar esses
postulados de "paradigma da simplificação", que, baseando-se em uma
concepção simplificada do universo, sem aleatoriedade, concebiam uma visão de
mundo totalmente determinista, onde a contradição era tida como sinal de erro
do pensamento, eliminando, assim, o observador da observação e sacrificando o
todo das partes.
Não poderíamos deixar de falar da
importância desses pensamentos para sua época. Era necessário quebrar um
paradigma desenvolvido na Idade Média e que fundamentava o pensamento
teocêntrico. O antropocentrismo foi à revolução copernicana no âmbito
científico na Idade Moderna, que possibilitou o crescimento das sociedades, em
todas as suas esferas políticas, econômicas e sociais, até a forma que nos
encontramos nos dias atuais. Não deixaremos também de analisar que os problemas
contemporâneos nos pedem uma nova forma de enxergar a realidade. E uma proposta
de mudança é o pensamento complexo, no contexto do Paradigma da Complexidade
moriniana.
3.2
O paradigma da complexidade e a
contemporaneidade
Percebemos que o sonho construído na
modernidade estava desmoronando diante dos problemas que surgiram com as duas
grandes guerras; a crise do capitalismo e a tensão entre os Estados
capitalistas e socialistas; a crise do idealismo e do materialismo; a descrença
no racionalismo e na liberdade tão sonhada nas grandes revoluções. Segundo
Tiago Adão Lara (2001), “a razão não é identidade consigo mesma, mas é
contradição. O sonho de uma razão unificada e unificadora, sobrepairando as
vicissitudes históricas e redentora dessas, não tem consistência alguma. É uma
pura ilusão”. Surgem, como resposta a essa crise, inúmeros pensamentos. As
teorias da relatividade de Albert Einstein, a mecânica quântica de Heisenberg,
as investigações de Gödel, os avanços no campo da microfísica, química e
biologia, dentre outros, foram importantíssimos para que surgissem pensamentos
preocupados em quebrar os paradigmas da ciência moderna clássica. Romper com a
epistemologia vigente, sair de uma visão simplista e pensar o mundo de uma
forma mais complexa é o grande desafio da contemporaneidade.
As teorias da relatividade, tanto a especial
quanto a geral, de Albert Einstein defendiam a tese de que a simultaneidade de
acontecimentos distantes não podia ser verificada, mas apenas definida. Tal
pensamento revoluciona as concepções de espaço/tempo e, não havendo
simultaneidade universal, o tempo e o espaço absolutos de Newton deixam de
existir. Dessa forma é abalado o rigor das leis de Newton e, portanto, o rigor
dos conhecimentos que se baseavam nos mesmos axiomas.
A mecânica quântica de Heisenberg também teve
um grande contributo para uma reflexão do complexo. Segundo Heisenberg, não é
possível observar ou medir um objeto sem interferir nele, criticando, assim, o
problema do "rigor da medição". Tal postulado chama-se o
"princípio da incerteza", pois busca demonstrar a interferência
estrutural do sujeito no objeto observado. Se o rigor do nosso conhecimento é
estruturalmente limitado, só podemos aspirar a resultados aproximados e, por
isso, as leis da física são tão-somente probabilísticas.
As investigações de Gödel também deram suas
contribuições, pois levaram a questionar os fundamentos do rigor matemático,
matéria tida como de absoluta precisão para os modernos. O que Gödel quer
afirmar é que, se por um lado as leis da natureza fundamentam o seu rigor no
rigor das formalizações matemáticas em que se expressam, por outro lado, o
rigor da matemática carece, ele próprio, de fundamento. Daí questiona-se o
rigor da matemática como forma superior a outras formas de rigor alternativas.
Dentro das discussões da Microfísica, Química
e Biologia, não podemos deixar de falar das teorias de Ilya Prigogine, chamadas de "Estruturas
Dissipativas".[4]
[...] ao longo das últimas décadas,
nasceu uma nova ciência, a física dos processos de não-equilíbrio. Esta ciência
levou a conceitos novos, como a auto-organização e as estruturas dissipativas,
que são hoje amplamente utilizadas em áreas que vão da cosmologia até a
ecologia e as ciências sociais, passando pela química e pela biologia. A física
de não-equilíbrio estuda os processos dissipativos, caracterizados por um tempo
unidirecional, e, com isso, confere uma nova significação à irreversibilidade.
(Ilya Prigogine, 1996).
Prigogine mostra neste trecho que “a
irreversibilidade não pode mais ser identificada como uma mera aparência que
desaparecia se tivéssemos acesso a um conhecimento perfeito. Ela é uma condição
essencial de comportamentos coerentes em populações de bilhões de bilhões de
moléculas”. A ciência clássica privilegiava a ordem, a estabilidade, ao passo
que em todos os níveis de observação reconhecemos agora o papel primordial das
flutuações e da instabilidade. Segundo Fritjof Capra (1996):
À medida que as plantas são comidas
por animais, que por sua vez são comidos por outros animais, os nutrientes das
plantas passam pela teia alimentar, enquanto a energia é dissipada como calor
por meio da respiração e como resíduos por meio da excreção. Os resíduos, bem
como os animais e as plantas mortas, são decompostos pelos assim chamados
organismos decompositores (insetos e bactérias), que os quebram em nutrientes
básicos, para serem mais uma vez assimilados pelas plantas verdes. Dessa
maneira, nutrientes e outros elementos básicos circulam continuamente através
do ecossistema, embora a energia seja dissipada em cada estágio.
Como podemos perceber, a teoria das
estruturas dissipativas estabelecem que, em sistemas abertos, que funcionam à
margem da estabilidade, a evolução se explica por flutuações de energia
imprevisíveis que desencadeiam espontaneamente reações que pressionam o sistema
e o conduzem a um novo estado macroscópico. Isso resulta da interação de
processos microscópicos, segundo uma lógica de auto-organização. Essa teria
propõe uma nova concepção da "matéria" e da "natureza" que
se contrapõe às concepções que herdamos da Física Clássica. Em vez de
determinismo, a imprevisibilidade; do mecanicismo, a espontaneidade e a
auto-organização; da reversibilidade, a irreversibilidade e a evolução; da
ordem, a desordem; da necessidade, a criatividade e o acidente. Para Edgar de
Assis Carvalho (1998), “qualquer sistema vivo passaria, então, a ser entendido
como um sistema incompleto, indeterminado, irreversível, sempre marcado pela
auto-organização que combina, descombina e recombina a ordem, a desordem, a
reorganização”.
A contemporaneidade nos chama a uma nova
forma de penar, que, segundo Morin, é a consciência da ciência que ajudará a
entender o complexo e as relações que existem entre o planetário e o local,
entre o macro e o micro, além da
singularidade dos diversos seres existentes e etc. Dentro desta perspectiva, o
que podemos chamar de paradigma da complexidade?
Para entendermos um pouco esta questão,
precisamos adentrar no significado da palavra complexo. Para Edgar Morin, esse termo vem da palavra latina complexus, que significa ‘aquilo que é tecido em conjunto’. Ela
não é entendida como o antônimo de ‘simples’, mas tem um conceito mais
profundo, abarcando significados como abertura,
flexibilidade e dinamicidade[5]. É aquilo que precisa de uma
unidade epistemológica dentro os diversos campos do pensamento, para assim,
alcançar um entendimento mais holístico das coisas em questão. Sabemos que por
mais que entendamos que as coisas são complexas e que é preciso uma reflexão
mais aprofundada diante dos argumentos científicos apresentados, é muito
difícil, na prática, aplicar um pensamento complexo e entende-lo na sua
complexidade. É por isso que Edgar Morin afirma que:
A problemática da complexidade ainda é
marginal no pensamento científico, no pensamento epistemológico e no pensamento
filosófico. Quando vocês examinam os grandes debates da epistemologia
anglo-saxônica entre Popper, Kuhn, Lakatos, Feyerabend, Hanson, Holton etc.,
vêem que eles tratam da racionalidade, da cientificidade, da não-cientificidade
e não tratam da complexidade; e os bons discípulos franceses desses filósofos,
vendo que a complexidade não está nos tratados de seus mestres, concluem que a
complexidade não existe. (Edgar Morin, 2005).
Claro que não reconhecer que os tempos estão
mudando e que é preciso formar novos conceitos e interpretar novos paradigmas,
seria como viver na escuridão da caverna de Platão. A estabilidade
epistemológica defendida pelos modernos não existe na dinâmica do mundo
contemporâneo, reafirmando Heráclito com a sua famosa frase: "nunca
se pode atravessar o mesmo rio duas vezes, pois suas águas estão em constante
movimento, então, mesmo que se atravesse o rio outra vez, suas águas não serão
mais as mesmas, então não será mais o mesmo rio". (SANTOS, 2002).
3.3
Os princípios da inteligibilidade que
determinam as condições de uma visão complexa do universo
Para Morin (2005), o paradigma da
complexidade seria "o conjunto dos princípios de inteligibilidade que,
ligados uns aos outros, poderiam determinar as condições de uma visão complexa
do universo (físico, biológico, antropossocial)". Tais princípios seriam:
1) da validade, levando-se em consideração não o princípio da universalidade,
mas do local e do singular; 2) de reconhecimento e de integração da
irreversibilidade do tempo na física (segundo princípio da termodinâmica,
termodinâmica dos fenômenos irreversíveis), na biologia (ontogênese,
filogênese, evolução) e em toda parte problemática organizacional; 3)
reconhecimento da impossibilidade de isolar unidades elementares simples na
base do universo físico. Tal princípio une a necessidade de ligar o
conhecimento dos elementos ou partes ao dos conjuntos ou sistemas que elas
constituem; 4) da Incontornabilidade da problemática da organização e, no que
diz respeito a certos seres físicos (astros), os seres biológicos e as
entidades antropossociais, da auto-organização; 5) da causalidade complexa,
comportamento causalidade mútua inter-relacionada, intertroações, atrasos,
interferências, sinergias, desvios, reorientações. Princípio da
endo-exocausalidade para os fenômenos da auto-organização; 6) da consideração
dos fenômenos segundo uma dialógica de: ordem -> desordem -> interações
-> organização. Integração, por conseguinte, não só da problemática da
organização, mas também dos acontecimentos aleatórios na busca da
inteligibilidade; 7) da distinção, mas não de separação, entre o objeto ou o
ser e seu ambiente. O conhecimento de toda organização física exige o
conhecimento de suas interações com seu ambiente. O conhecimento de toda
organização biológica exige o conhecimento de suas interações com seu
ecossistema; 8) da relação entre o observador/concebedor e o objeto
observado/concebido. Princípio de introdução do dispositivo de observação ou de
experimentação - aparelho, recorte, grade - e, por isso, do
observador/concebedor em toda observação ou experimentação física. Necessidade
de introduzir o sujeito humano - situado e datado cultural, sociológica,
historicamente - em estudo antropológico ou sociológico; 9) possibilidade e
necessidade de uma teoria científica do sujeito; 10) possiblidade, a partir de
uma teoria autoprodução e da auto-organização, de introduzir e de reconhecer
física e biologicamente (e sobretudo antropologicamente) as categorias do ser e
da existência; 11) possibilidade, a
partir de uma teoria da autoprodução e da auto-organização, de
reconhecer cientificamente a noção de autonomia; 12) problemática das
limitações da lógica. Reconhecimento dos limites da demonstração lógica nos
sistemas formais complexos. Consideração eventual das contradições ou aporias
impostas pela observação/experimentação como indícios de domínio desconhecido
ou profundo da realidade. Princípio discursivo complexo, comportando a
associação de noções complementares, concorrentes e antagônicas; 13) há que
pensar de maneira dialógica e por macroconceitos, ligando de maneira
complementar noções eventualmente antagônicas.
É importante ressaltar que o paradigma da
complexidade não "produz" nem "determina" a
inteligibilidade. Ela apenas incita que o sujeito/observador desenvolva
estratégias considerando a complexidade do objeto estudado com todos os fatores
possíveis contidos nos princípios acima citados. Incita também a distinguir e
fazer comunicar em vez de isolar e de separar; a reconhecer os traços
singulares, originais, históricos do fenômeno em vez de liga-los pura e
simplesmente a determinações ou leis gerais; a conceber a multiplicidade de
toda entidade em vez de heterogeneizar em categorias separadas ou de
homogeneizar em indistinta totalidade. Enfim, o paradigma da complexidade
incita para que cada um pense a complexidade, quer dizer, crie um pensamento
complexo[6]. Segundo Morin, em seu
livro “Ciência com consciência”:
Se a reforma do pensamento científico
não chegou ainda ao núcleo paradigmático em que Ordem, Desordem e Organização
constituem as noções diretrizes que deixam de se excluir e se tornam
dialogicamente inseparáveis (permanecendo, entretanto, antagônicas), se a noção
de caos ainda não é concebida como fonte indistinta de ordem, de desordem e de
organização, se a identidade complexa de caos e cosmo, que indiquei no termo caosmo,
ainda não foi concebida, só nos resta começar a nos engajar, aqui e
ali, no caminho que conduz à reforma do pensamento. (Edgar Morin, 2005).
Essa é a grande contribuição de Morin com sua
teoria da complexidade: motivar que cada um possa realizar uma reforma intelectual
e deixar que o paradigma da complexidade transforme o seu pensamento em um
pensamento complexo. Para Isabel Cristina Petraglia (1995), “Morin nos coloca a
necessidade de pensarmos sobre a complexidade da realidade física, biológica e
humana, visto que os conceitos de ordem, desordem e organização estão presentes
no Universo e na sua formação”. A complexidade, dessa forma, é um desafio. Não
é uma resposta, mas um problema.
4 CONCLUSÃO
Recapitulando as discussões que nortearam as
reflexões ao longo do nosso trabalho, no primeiro capítulo analisamos a
problemática do pensar, a dificuldade de se criar novos conceitos e de se
experimentar os problemas epistemológicos. Os equívocos identificados por Nietzsche em relação à
educação, o sistema escolástico de ensino e o paradigma da simplificação são os
grandes desafios do penar que, como vimos, só poderá ser modificado com uma
grande quebra de paradigmas, de buscar vivenciar os problemas que nos motivam a
fazer ciência, gerando assim, novos conceitos e buscando enxergar o complexo
das relações entre o macro e o micro nos diversos âmbitos científicos.
Na segunda parte confrontamos os paradigmas
da simplificação e da complexidade. Discutimos como os postulados da modernidade
clássica influenciaram e influenciam diretamente a forma de pensar e de se
fazer ciência. Constatamos que as teorias de Newton, principalmente a da
gravitação universal e os postulados cartesianos entre o sujeito e o objeto; a
alma e o corpo; o espírito e a matéria; a qualidade e a quantidade; a
finalidade e a causalidade; o sentimento e a razão; a liberdade e o
determinismo ou a existência e a essência, dificultam a possibilidade de se
pensar dentro do âmbito do paradigma da complexidade, pois fragmentam o
pensamento, buscando uma simplificação nos conteúdos científicos.
Discutimos também que as teorias da
relatividade de Albert Einstein, da física quântica de Heisenberg, das
investigações de Gödel, das estruturas dissipativas de Ilya Prigogine, dentre outras, contribuíram para uma
quebra dos postulados da modernidade clássica e abriram caminho para novas
reflexões e principalmente para a construção do paradigma da complexidade.
A problemática de se entender o complexo
diante do mundo simplificado é ainda o grande desafio da contemporaneidade.
Assim sendo, não restam dúvidas de que compreender os princípios do paradigma
da complexidade e tentar desenvolver um pensamento complexo ainda é a grande
saída para que tenhamos oportunidade de libertar o raciocínio e tentar
desenvolver novos conceitos dentro de uma relação dialógica e macroconceitual.
Segundo Pedro Benjamim Garcia (2000), o que
define a Educação é um conhecimento “ligado à formação do homem, tendo em vista
um modelo, um paradigma. No momento em que este modelo é posto em questão, a
Educação fica desorientada”. Decorrente este pensamento e de tudo que foi
apresentado, concluímos que é preciso reavaliar o paradigma da simplificação,
que se encontra em crise diante dos problemas da atualidade, e realizar uma
reforma do pensamento, onde possamos perceber que não há ciência pura, pois, se
houvesse, estaríamos reduzindo-a a suas peculiares noções científicas. Morin
nos ensina que “não há ciência pura, — mesmo na ciência que se considera a mais
pura”. A cultura, a história, a política, a ética, dentre outras, não podem se reduzir
a simples noções científicas. “A possibilidade de uma teoria do sujeito no
cerne da ciência, a possibilidade de uma crítica do sujeito na e pela epistemologia
complexa, [...] pode esclarecer à ética, sem, evidentemente, a desencadear e
comandar”. Conclui afirmando que “correlativamente como vimos, uma teoria da
complexidade antropossociológica leva necessariamente todo o rosto do humanismo
a modificar-se, tomando-o complexo, e permite igualmente retomar a questão
política do progresso e da revolução”. (Edgar Morin, 2005).
Concluímos, dessa forma, confirmando a nossa
hipótese central de que só é possível superar os desafios do exercício do
pensar, se abrindo aos princípios do paradigma da complexidade, buscando assim,
uma revolução intelectual, que levaria ao desenvolvimento de um pensamento
complexo e, assim, desenvolver um pensar mais crítico e inovador, criador de
novos conceitos que condizem com o seu tempo. Dessa forma podemos enxergar o
mundo de forma mais ampla, valorizando o singular e o universal, a
multiconceitualização, enfim, buscando um pensamento complexo e, assim, dando
oportunidade a criatividade e a liberdade na construção e no desenvolvimento da
personalidade, tão importante para a conquista da justiça e do bem comum.
5 REFERÊNCIAS:
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda;
MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de
filosofia. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2005.
CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão
científica dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix, 1996. p.151
CARVALHO, Edgar de
Assis. et al. Ética, solidariedade e
complexidade. São Paulo: Palas Athena, 1998.
DELEUZE, Gilles;
GUATTARI, Félix. O que é filosofia?
Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.
FERREIRA. Aurélio
Buarque de Holanda. Novo dicionário da
língua portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Franteira, 1986.
FREIRE,
Paulo. Pedagogia da autonomia:
saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011.
GALLO, Silvio Donizetti
de Oliveira. O problema e a experiência do pensamento: implicações para o
ensino da filosofia. In: BORBA,
Siomara; KOHAN, Walter. (org). Filosofia,
aprendizagem, experiência. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
_________. Filosofia,
educação e cidadania. In: PEIXOTO,
Adão José. (org). Filosofia, educação e
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GARCIA, Pedro Benjamin. Paradigmas em
crise e a educação. In: BRANDÃO, Zaia
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LARA, Tiago Adão. Curso de história da filosofia: a filosofia ocidental do
renascimento aos nossos dias. 7. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2001.
MARÍAS, Julián. História da Filosofia. São Paulo:
Martins Fontes, 2004.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do
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_________. A cabeça bem-feita: repensar a reforma,
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_________.
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São Paulo: Peirópolis, 2000.
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo:
Martins Fontes, 1998.
PETRAGLIA, Izabel Cristina. Edgar Morin. A educação e a
complexidade do ser e do saber. Rio de Janeiro: Vozes, 1995.
PRIGOGINE, Ilya. O fim das certezas: tempo, caos e as leis da natureza. São Paulo:
Universidade Estadual Paulista, 1996.
SANTOS, Boaventura de
Souza. A crítica da razão indolente:
contra o desperdício da experiência. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2002.
[1] Graduando em Direito na FASNE - Faculdade Salesiana do
Nordeste. Pós-Graduado em Docência em Filosofia e Sociologia no INSAF -
Instituto Salesiano de Filosofia. Graduado em Comunicação Social com
Habilitação em Relações Públicas pela ESURP - Escola Superior de Relações
Públicas. Monitor da cadeira de Filosofia do Direito na FASNE (2011-2012).
[2] Orientador. Mestre em Filosofia pela UFPE
e Professor da Faculdade Salesiana do Nordeste – FASNE.
[3] “O pensamento científico clássico se
edificou sobre três pilares: a ‘ordem’, a ‘separabilidade’, a ‘razão’. Ora, as
bases de cada um deles encontram-se hoje em dia abaladas pelo desenvolvimento,
inclusive a das ciências, que originalmente foram fundadas sobre esses três
pilares. [...] A noção de ‘ordem’ se depreendia de uma concepção determinista e
mecânica de mundo. Qualquer desordem aparente existia uma ordem a ser
descoberta”; a separabilidade, além de tratar temas científicos separadamente,
promove a “disjunção entre o observador e a sua observação. [...] O pensamento
complexo não substitui a separabilidade pela inseparabilidade – ele convoca uma
dalógica que utiliza o separável mas insere na inseparabilidade. O terceiro
pilar do nosso modo de pensar é o da lógica indutivo-dedutivo-identitária com a
Razão absoluta. A Razão clássica repousava sobre três princípios: da indução,
da dedução e da identidade (quer dizer, a rejeição da contradição). A primeira
resposta contestatária foi dada por Kal Popper contra a indução, que permitia
chegar a leis gerais por exemplos particulares. [...] O pensamento complexo
convoca não ao abandono dessa lógica, mas a uma combinação dialógica entre a
sua utilização, segmento por segmento, e a sua transgressão nos buracos negros
onde ela para de ser operacional”. (Edgar Morin, 2000.)
[4] Trata-se
de um modelo da Teoria Geral dos Sistemas Vivos (TGSV), desenvolvido pelo
físico-químico Ilya Prigogine, com o objetivo de observar padrões de
estabilidade longe do equilíbrio. Quer dizer, diferentes daqueles descritos
pela termodinâmica clássica. A teoria das estruturas dissipativas serve para
sublinhar a íntima interação que existe entre a estrutura, de um lado, e o
fluxo e a mudança ou dissipação, de outro. Estruturas Dissipativas são sistemas
comumente encontrados na natureza, que se caracterizam por estarem abertos a
fluxos de matéria e energia, quer dizer, apresentam uma entrada (input) e uma
saída (output). Por estarem afastados do equilíbrio entende-se que são sistemas
fluentes, dinâmicos. São ilhas de ordem num mar de desordem, mantendo e até
mesmo aumentando sua ordem às expensas da desordem maior em seus ambientes. Por
exemplo, organismos vivos extraem estruturas ordenadas (alimentos) de seu meio
ambiente, usam-nas como recursos para o seu metabolismo, e dissipam estruturas
de ordem mais baixa (resíduos). Dessa maneira, a ordem "flutua na
desordem", (...) embora a entropia global continue aumentando. (Cf. CAPRA, Fritjof. A
teia da vida: uma nova compreensão
científica dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix, 1996. p.151.)
[5] Segundo Jacques Ardoino, professor
universitário emérito (Paris-VIII): “De acordo com os usos triviais, o adjetivo
complexo (do latim plecto, plexi, complector, plexus: tecido, trançado, enroscado, mas também cingido, enlaçado, apreendido pelo
pensamento...) nem sempre é valorizante. Ele sugere, de antemão, a ideia de
menor perfeição, e isso quando não acrescenta mesmo alguns nuances francamente
pejorativas, pois considera-se de bom grado que o complexo é o contrário de simples e do claro, o que privilegia um tipo de conhecimento organizado segundo
os valores da evidência e da transparência. [...] Complexo torna-se dessa forma
praticamente sinônimo de complicado
(construído a partir do latim plico, are,
dobrar) e até mesmo parente de impuro,
e realmente quase não se diferencia de adjetivos como emaranhado, embrulhado, à espera de simplificação. Essa concepção
clássica ainda subsiste. Mas, hoje em dia, a noção de enriquece-se
consideravelmente desde que a importância do elo e as propriedades específicas
dos conjuntos encontrem-se realçadas. Novos empregos do termo complexo são encontrados, especialmente
no campo da matemática (números complexos,
imaginários, impossíveis, algoritmos que não podem ser simplificados, cuja
inteligibilidade supõe o encadeamento de todas as operações constitutivas), da
química (corpos ou substâncias nos quais elementos diferentes, às vezes mesmo
heterogêneos, porém ligados entre eles são reconhecidos como associados), nos
modelos da cibernética, como as teorias da informação e da comunicação, na
psicanálise, antes de constituir, hoje, uma das noções cardinais da
antropologia moderna”. (ARDOINO, Jacques. A complexidade. In: MORIN, Edgar. A religação dos saberes: o desafio do século XXI.
3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. p. 548.)
[6] “[...] para Edgar Morin o postulado
do pensamento complexo corresponde essencialmente a uma reforma, se não mesmo a
uma revolução, do procedimento de conhecimento que quer de agora em diante
manter juntas perspectivas tradicionalmente consideradas como antagônicas
(universalidade e singularidade)”. (Jacques Ardoino, 2002, p. 550).
Renato Padilha Ferreira Barros
É advogado e bacharel em Direito pela Faculdade Salesiana do Nordeste. É pós-graduado em Docência em Filosofia e Sociologia pelo INSAF - Instituto Salesiano de Filosofia. É graduado em Comunicação Social com Habilitação em Relações Públicas pela ESURP - Escola Superior de Relações Públicas.
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