Por Jorge Simões
A realidade de uma geração designada por "nativos digitais" (Mark Prensky) ou "net generation" (Don Tapscott), entre outras designações, já tem sido abordada aqui (Mitos sobre os Nativos Digitais, Ensinar as Gerações Futuras, Ensinar os Nativos Digitais e Net Generation). A designação "nativos digitais" tem vindo a popularizar-se o que, como é habitual, pode trazer alguma confusão sobre o significado e alcance do conceito. Prensky e Tapscott são muitas vezes acusados de formularem as suas teorias sobre a existência desta geração, com características diferentes das anteriores no que toca à literacia digital, de uma forma ligeira e sem fundamento empírico sólido.
Recentemente, Steve Wheeler, publicou no seu blogue Learning with 'e's, um post sobre esta polémica, relançando a dúvida sobre a forma de ensinar a geração que outros classificam como nativos digitais. A questão surge pelo facto de muitas vezes se estar a assumir que é necessário alterar os modelos pedagógicos para se adaptarem a uma geração que terá de aprender de uma forma muito diferente das anteriores.
O post de Wheeler refere a posição de Mark Bullen que questiona esta necessidade e põe em causa as características dos nativos digitais que os distinguem, em termos de aprendizagem, das outras gerações, os imigrantes digitais.
Numa tentativa de contrariar a falta de estudos empíricos que sustentam as opiniões que defendem a existência de nativos digitais com características próprias no que diz respeito à aprendizagem, Bullen dirigiu um estudo que abrangeu estudantes do ensino superior (publicado em Digital Learners in Higher Education: Generation is Not the Issue). O estudo realizado considera os nativos digitais como os indivíduos nascidos após 1982. No trabalho de campo efectuado foram considerados estudantes de um instituição canadiana de ensino superior e de natureza politécnica. O corpo discente da instituição incluía estudantes a tempo inteiro (maioritariamente na faixa etária dos 18 aos 24 anos, nativos digitais) e estudantes a tempo parcial (maioritariamente na faixa etária dos 25 aos 44 anos, imigrantes digitais).
O estudo conclui que, no que diz respeito a literacia digital, conectividade, aprendizagem prática (experiential learning) ou acesso a informação em tempo real, não existem diferenças significativas entre as gerações. A relação com a tecnologias de informação e comunicação (TIC) tem mais a ver com o contexto em que a necessidade dessa relação ocorre do que com o grupo etário.
Alguns comentários sobre os resultados e conclusões deste estudo: é um facto que que as TIC estão largamente disseminadas e são intensamente usadas (facto que é reconhecido no artigo de Bullen). As pessoas nascidas nas últimas décadas cresceram já num mundo dominado pela tecnologia. São os nativos digitais que, indubitavelmente, existem. Qual será então a razão para a quase ausência de diferenças encontradas no comportamento dos nativos digitais e dos imigrantes digitais no estudo de Bullen? É de notar que o estudo incide sobre estudantes do ensino superior. Parte deles, embora pertencendo à geração dos nativos digitais, atravessou um sistema de ensino que pouco mudou desde os tempos da revolução industrial. Lidam desde sempre com a tecnologia mas esta deve ficar à porta da sala de aula porque é um motivo de distracção dentro dela. Assim, as TIC são usadas para fins sociais e de lazer e apenas algumas funcionalidades mais básicas são usadas na escola (para processamento de texto ou pesquisa de informação). Por outro lado, os alunos mais velhos abrangidos pelo estudo serão na sua maioria estudantes-trabalhadores. Não tendo crescido rodeados de tanta diversidade tecnológica como os alunos mais novos tiveram de usar as TIC em contexto de trabalho. Não será pois de estranhar que ambos os grupos possuam as competências básicas em TIC e não aparentem grandes diferenças no seu uso em ambiente escolar.
O que se passa escola, sobretudo no ensino superior, não invalida as diferenças que têm vindo a ser apontadas para os nativos digitais e para os imigrantes digitais. O estudo de Bullen não analisa o comportamento e o estilo de vida fora da escola e apenas conclui pela semelhança de comportamento de ambos os grupos em ambiente escolar (ou mais exactamente, quando estão envolvidos em actividades escolares).
Quem já leccionou no ensino superior a alunos acabados de chegar do ensino secundário e introduz cenários de e-learning ou de uso de ferramentas sociais da Web 2.0 certamente terá sentido a desconfiança e a fraca adesão desses alunos. No entanto, a grande maioria usa massivamente as aplicações da Web 2.0, possui um telefone móvel (muitas vezes um smartphone), um computador portátil, consome jogos electrónicos, houve música num leitor de MP3 e a sua principal fonte de informação é a Internet. Qual então a razão da desconfiança? Porque passaram por um sistema de ensino que lhes pediu para não levarem esses equipamentos para a sala por serem uma fonte de distracção e de perturbação. Para a maioria deles e dos seus professores, tirando as disciplinas específicas que abordam as TIC, uma aula "séria" decorre numa sala com um professor a debitar informação e um conjunto de alunos a ouvir passivamente (quando corre bem).
Apenas quando a escola integrar as TIC, de forma efectiva, nas suas metodologias pedagógicas, desde o ensino pré-escolar e passando por todos os outros níveis de ensino, será possível avaliar as diferenças do percurso escolar dos nativos digitais e quais as competências distintivas que adquiriram.
FONTE: Educação e E-learning 2.0
http://edulearning2.blogspot.com.br/
Texto extraído do blog:
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