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terça-feira, 5 de junho de 2012

Elogio da metamorfose - Edgar Morin


"A verdadeira esperança sabe que não tem certeza. É a esperança não no melhor dos mundos, mas em um mundo melhor. A origem está diante de nós, disse Heidegger. A metamorfose seria efetivamente uma nova origem". 


Por Edgar Morin


Quando um sistema é incapaz de tratar os seus problemas vitais, se degrada ou se desintegra ou então é capaz de suscitar um meta-sistema capaz de lidar com seus problemas: ele se metamorfoseia. O sistema Terra é incapaz de se organizar para resolver seus problemas críticos: perigos nucleares que se agravam com a expansão e, talvez, a privatização das armas atômicas; degradação da biosfera; economia mundial sem verdadeira regulação; retorno da fome; conflitos étnico-político-religiosos que tendem a se desenvolver em guerras de civilização.

O aumento e a aceleração destes processos podem ser considerados como o desencadeamento de um poderoso feedback negativo, um processo pelo qual um sistema se desintegra irremediavelmente.

A desintegração é provável. O improvável, mas possível é a metamorfose. O que é uma metamorfose? Nós vemos inúmeros exemplos no reino animal. A lagarta que se fecha num casulo começa um processo ao mesmo tempo de destruição e de autoreconstrução, como uma organização e uma forma de borboleta, diferente da lagarta, permanecendo a mesma. O nascimento da vida pode ser concebido como a metamorfose de uma organização físico-química, que, tendo chegado a um ponto de saturação, cria a meta-organização viva que, embora tendo os mesmos aspectos físico-químicos, produz novas qualidades.

A formação das sociedades históricas – no Oriente Médio, na Índia, na China, no México, no Peru – constitui uma metamorfose a partir de um conjunto de antigas sociedades de caçadores-coletores, que produziu as cidades, o Estado, as classes sociais, a especialização do trabalho, as grandes religiões, a arquitetura, as artes, a literatura e a filosofia. E também as piores coisas: a guerra e a escravidão. A partir do século XXI se coloca o problema da metamorfose das sociedades históricas em uma sociedade-mundo de um novo tipo, que englobará a ONU, sem suprimi-la. Porque a continuação da história, isto é, das guerras, por parte dos Estados com armas de destruição em massa, leva à destruição da humanidade. Ainda que, para Fukuyama, sejam as capacidades criativas da evolução humana que se esgotaram com a democracia representativa e a economia liberal, devemos pensar que, ao contrário, é a história que se esgota e não as habilidades criativas da humanidade.

A ideia de metamorfose, mais rica do que a ideia de revolução, guarda a radicalidade transformadora, mas a liga à conservação (da vida, do patrimônio cultural). Para ir rumo à metamorfose, como mudar de caminho? Mas se parece possível corrigir alguns males, é impossível romper a lógica técnico-científico-econômico-civilizacional que leva o planeta ao desastre. No entanto, a História humana mudou muitas vezes de caminho. Tudo recomeça por uma inovação, uma nova mensagem desviante, marginal, pequena, muitas vezes invisível para os contemporâneos. Assim começaram as grandes religiões: budismo, cristianismo, islamismo. O capitalismo se desenvolveu parasitando as sociedades feudais para finalmente decolar e, com a ajuda de monarquias, desintegrá-las.

A ciência moderna formou-se a partir de algumas mentes desviantes dispersas, Galileu,Bacon, Descartes, e então criou suas redes e associações, se introduziu nas universidades no século XIX, e depois, no século XX nas economias e nos Estados para se tornar um dos quatro poderosos motores da nave espacial Terra. O socialismo nasceu de algumas mentes autodidatas e marginalizadas no século XIX para se tornar uma formidável força histórica no século XX. Hoje, tudo tem que ser repensado. Tudo deve recomeçar.

Com efeito, tudo começou, mas sem que se soubesse. Estamos no estágio de começos, modestos, invisíveis, marginais, dispersos. Porque já existe, em todos os continentes, uma efervescência criativa, uma multiplicidade de iniciativas locais, em conformidade com a revitalização econômica, ou social, ou política, ou cognitiva, ou educacional ou ética, ou da reforma da vida.

Estas iniciativas estão isoladas, nenhuma administração as leva em conta, nenhum partido toma conhecimento delas. Mas elas são o viveiro do futuro. Trata-se de reconhecê-las, inventariá-las, cotejá-las, catalogá-las, combiná-los e de conjugá-las em uma pluralidade de caminhos reformadores. São estes caminhos múltiplos que podem, através de um desenvolvimento conjunto, se combinar para formar o novo caminho que nos levaria em direção à metamorfose ainda invisível e inconcebível. Para desenvolver formas que vão desembocar no Caminho, é preciso identificar alternativas limitadas, que limitam o mundo do conhecimento e do pensamento hegemônicos. Assim, é preciso ao mesmo tempo globalizar e desmundializar, crescer e diminuir, desenvolver e envolver.

A orientação mundialização/desmundialização significa que, se é preciso multiplicar os processos de comunicação e de planetarização culturais, é preciso que se constitua uma consciência da Terra-Pátria, mas também é preciso promover, de maneira desmundializante, a alimentação de proximidade, os artesanatos locais, as lojas locais, a jardinagem suburbana, as comunidades locais e regionais.

A orientação “crescimento/decrescimento” significa que precisamos aumentar os serviços, as energias verdes, os transportes públicos, a economia plural capaz de incluir a economia social e solidária, o desenvolvimento da humanização das megacidades, a pecuária orgânica, mas diminuir as intoxicações consumistas, a alimentação industrializada, a produção de objetos descartáveis e não consertáveis, o tráfego de automóvel, o tráfego de caminhões (em benefício do transporte ferroviário).

A orientação desenvolvimento/envolvimento significa que o objetivo não é mais fundamentalmente o desenvolvimento de bens materiais, da eficiência, da rentabilidade, do cálculo; é também o retorno de cada um às necessidades interiores, o grande retorno à vida interior e ao primado da compreensão do outro, do amor e da amizade.

Já não basta mais apenas denunciar. Precisamos propor. Não basta apelar à urgência. É preciso saber também começar a definir os caminhos que levarão ao Caminho. É para isso que estamos tentando contribuir. Quais são as razões para ter esperança? Podemos formular cinco princípios de esperança.

1. O surgimento do improvável. Assim, por duas vezes a vitoriosa resistência da pequena Atenas à formidável força dos persas, cinco séculos antes da nossa era, foi altamente improvável e permitiu o nascimento da democracia e da filosofia. Igualmente inesperado foi o congelamento da ofensiva alemã diante de Moscou, no outono de 1941, e depois a contra-ofensiva vitoriosa de Jukov que começou em 5 de dezembro e, depois, no dia 8 de dezembro com o ataque a Pearl Harbor, que marcou a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial.

2. As virtudes geradoras/criadoras inerentes à humanidade. Assim como existem em qualquer organismo humano adulto células-tronco dotadas de habilidades polivalentes (totipotentes) próprias às células embrionárias, mas inativas, existem em cada ser humano, em cada sociedade humana, virtudes regeneradoras, geradoras e criativas em estado dormente ou inibidas.

3. As virtudes da crise. Ao mesmo tempo que forças regressivas e desintegradoras, as forças criadoras despertam na crise planetária da humanidade.

4. Com o que se combinam as virtudes do perigo: “Aí onde cresce o perigo cresce também o que salva”. A chance suprema é inseparável do risco supremo.

5. A aspiração multimilenar da humanidade à harmonia (paraíso, depois utopias, depois ideologias libertárias/socialistas/comunistas, depois aspirações e revoltas juvenis dos anos 1960). Esta aspiração renasce no formigueiro de iniciativas múltiplas e dispersas que alimentarão o caminho da reforma, consagradas a se unirem ao novo caminho.

A esperança estava morta. As gerações mais velhas estão decepcionadas com falsas esperanças. As gerações mais jovens se desconsolam com o fato de que não haja mais causas como a nossa resistência durante a Segunda Guerra Mundial. Mas a nossa causa trazia em si o seu contrário. Como disse Vasily Grossman de Stalingrado, a maior vitória da humanidade foi ao mesmo tempo a sua maior derrota, desde que o totalitarismo stalinista saiu vitorioso. A vitória das democracias restabeleceu no mesmo ato seu colonialismo. Hoje, a causa é inequivocamente sublime: trata-se de salvar a humanidade.

A verdadeira esperança sabe que não tem certeza. É a esperança não no melhor dos mundos, mas em um mundo melhor. A origem está diante de nós, disse Heidegger. A metamorfose seria efetivamente uma nova origem.



Edgar Morin
Pseudônimo de Edgar Nahoum (Paris, 8 de Julho 1921), é um antropólogo, sociólogo e filósofo francês judeu de origem sefardita.

Biografia

Nascido em Paris, filho único de uma família judia sefardi, seu pai, Vidal Nahoum, era um comerciante originário de Salônica. Sua mãe, Luna Beressi, faleceu quando ele tinha 10 anos. Ateu declarado, descreve-se como um neo-marrano. Estudou direito, história, filosofia, sociologia e economia. Em 1942, obteve a licenciatura em direito e em história e geografia. Em 1941, adere ao Partido Comunista, «num momento em que se sentia, pela primeira vez, que uma força poderia resistir à Alemanha nazista». Entre 1942 e 1944, participou da Resistência, como tenente das forças combatentes francesas, adotando o codinome Morin, que conservaria dali em diante. Durante a Liberação, é transferido para a Alemanha ocupada, como adido ao Estado Maior do Primeiro Exército Francês na Alemanha, em 1945, e, em 1946, como chefe do departamento de propaganda do governo militar francês. Nessa época, escreve seu primeiro livro, L'An zéro de l’Allemagne ("O Ano Zero na Alemanha"), publicado em 1946, no qual descreve a situação do povo alemão no pós-guerra. O livro foi muito apreciado por Maurice Thorez, que o convida a escrever para a revista Lettres françaises. A partir de 1949, distancia-se do Partido Comunista, do qual será excluído em 1951, por suas posições antistalinistas. Aconselhado por Georges Friedmann, que conheceu durante a ocupação alemã, e com o apoio de Maurice Merleau-Ponty, de Vladimir Jankélévitch e de Pierre George, entra para o CNRS em 1950. Começa a escrever L'Homme et la Mort ("O Homem e a Morte"), lançado em 1951. Em 1955, coordena um comitê contra a guerra da Argélia e defende particularmente Messali Hadj, pioneiro da luta anticolonial e um dos próceres da independência da Argélia. Em 1960, funda, na École des hautes études en sciences sociales (EHESS), o Centro de estudos de comunicação de massa (CECMAS), com Georges Friedmann e Roland Barthes, com a intenção de adotar uma abordagem transdisciplinar do tema, e cria a revista Communications. Morin é também fundador da revista Arguments (1957-1963). Nomeado diretor de pesquisa do CNRS em 1970, será também, entre 1973 e 1989, um dos diretores do Centro de estudos transdisciplinares da EHESS, sucessor do CECMAS. Pesquisador emérito do CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique). Formado em Direito, História e Geografia, realizou estudos em Filosofia, Sociologia e Epistemologia. Autor de mais de trinta livros, entre eles: O método (6 volumes), Introdução ao pensamento complexo, Ciência com consciência e Os sete saberes necessários para a educação do futuro. Durante a Segunda Guerra Mundial, participou da Resistência Francesa. É considerado um dos principais pensadores contemporâneos e um dos principais teóricos da complexidade.